Começarei este texto revelando uma verdade: você vai fracassar. Todos nós vamos. É impossível evitar o fracasso no mundo moderno.
Isso acontece porque o fracasso é uma questão de perspectiva. Uma vida morna e sem grandes esperanças não foi sempre considerada um baque.
Na verdade, pela maior parte da história da humanidade, as pessoas levavam a vida que lhes cabia, sem maiores expectativas.
Não havia muitas oportunidades para ascensão social ou conceitos estranhos como “perseguir seus sonhos”. Essas coisas são invenções relativamente recentes, dos últimos cinco a seis séculos.
Hoje temos a certeza de que podemos sempre mais. De que todos os nossos sonhos estão ao alcance de nossas mãos. Pior, se não estamos tendo a vida perfeita que imaginamos é porque não fomos competentes o suficiente para realizá-la.
A mensagem que poderia ser libertadora — “podemos ser tudo o que quisermos” — transformou-se em um dos grilhões mais pesados que a humanidade já carregou. Tornamo-nos reféns de nossas expectativas irreais. Escravos sem um senhor para odiar.
A ilusão do fracasso (e do sucesso)
Mas há algumas maneiras de escapar dessa armadilha. Podemos nos voltar para a arte, cultura e filosofia, buscando ferramentas para corrigir nossas perspectivas.
Por exemplo, podemos começar questionando a ilusão de que estamos no controle de tudo o que acontece em nossa vida. A verdade é que o mundo é muito mais aleatório do que gostamos de acreditar.
Nós temos um viés psicológico de ordem, justiça e equilíbrio, e procuramos interpretar o mundo de acordo com essa tendência. Muitas religiões são especialistas em vender esse ideal, levando-nos a acreditar que coisas boas vêm para aqueles que merecem; e a justa punição, para quem erra e por isso deixa de ser merecedor.
Diante da observação cotidiana de que a realidade não é assim, tranquilizam-nos com a possibilidade da reparação em outra vida. Infelizmente, no mundo real as coisas não obedecem à ordem que desejamos.
A verdade é que podemos ter fracasso mesmo sendo bem-intencionados, ou competentes. Mesmo que tenhamos talento. Por isso, é importante desassociar o fracasso da avaliação que fazemos de nós mesmos.
O fracasso também acontece a quem não o merece. Na verdade, a maioria daqueles que imaginamos serem “pessoas de sucesso” têm histórias de fracassos espetaculares em suas trajetórias.
Esse fato é muitas vezes mal compreendido como um consolo do tipo: “Mesmo se hoje eu estou fracassando, ainda posso ser uma pessoa de sucesso”. Mas não é isso.
O ponto é entendermos que não há essa divisão entre “pessoas de sucesso” ou “pessoas fracassadas”. E mais, que sucesso ou fracasso não são boas medidas do valor das pessoas.
As noções deturpadas de sucesso
Atribuir valor às pessoas, incluindo a nós mesmos nisso, é uma questão muito difícil. Esse é um dos grandes debates da filosofia e, provavelmente, um que nunca terá uma resposta definitiva.
Mas o debate serve para nos alertar contra as respostas fáceis, para nos fazer questionar. Como recomendava o filósofo Friedrich Nietzsche, devemos ser especialmente suspeitos das opiniões que nos parecem mais óbvias e que nos são mais caras.
Essas são as que têm mais chances de estarem erradas. Assim, corriqueiramente, associamos sucesso a ter muito dinheiro, poder ou fama. Ou também a receber promoções, ter uma família perfeita ou escrever artigos para uma revista.
E, mesmo sem saber se essas coisas são, realmente, capazes de determinar o que é ter sucesso, já passamos a julgar as pessoas com base nisso.
São pelo menos dois níveis de julgamentos que fazemos com base em opiniões, possivelmente, mal justificadas: inferir que certas conquistas significam “ter sucesso” e, depois, acreditar que “ter sucesso” é o mesmo que “ser uma pessoa de valor”.
Quando paramos para pensar sobre valores, questionando nossas primeiras intuições — normalmente preguiçosas e preconcebidas —, podemos ganhar outra visão sobre sucesso e fracasso.
Por exemplo, podemos concluir que é mais importante avaliar a direção para onde estamos indo que cada passo dado no caminho.
Especialmente se considerarmos que muitos dos nossos passos são cegos, ou erroneamente direcionados por expectativas irreais. Como afirmou o mestre da arte retórica Séneca: “Nenhum vento sopra a favor de quem não sabe aonde vai”.
Os medos e sua relação com o fracasso
Deveríamos, portanto, nos esforçar para direcionar nossa vida de acordo com um conjunto de valores que tenhamos tido tempo de questionar, refletir e aperfeiçoar.
Talvez essa seja uma das tarefas mais importantes a que deveríamos realmente nos dedicar. Mas também é das mais árduas, especialmente quando nossos valores diferem daqueles mais disseminados na cultura em que vivemos.
Essa dificuldade também nos ensina algo importante sobre o fracasso. Nos mostra que, quando o tememos, normalmente o que de fato nos amedronta é a solidão.
Temos pavor de sermos mal avaliados, de não sermos apreciados, em última instância, de não sermos amados. Por isso nos esforçamos tanto para dar certo, fazer bem feito, para termos algum critério objetivo de que somos merecedores de afeto.
Esse é um mecanismo eficiente para a criação de esnobes, o que explica a fácil proliferação desses tipos em nossa sociedade. E nunca isso foi tão evidente quanto na era das redes sociais, na qual homens e mulheres se desdobram para colecionar pequenas demonstrações de afeto, na esperança de que, em número suficiente, elas bastem para lhes proteger do temido fracasso.
O segredo do sucesso é apreciar as falhas
Tantas luzes brilhantes nos cegam para uma verdade singela: a realidade pode ser muito mais atraente que a perfeição. Essa é uma lição que a arte oriental cuidou de não esquecer de cultivar, representada na estética zen conhecida por wabi sabi, que celebra a beleza da imperfeição e da impermanência.
Um exemplo contundente da wabi sabi é a prática oriental de consertar objetos quebrados (um vaso ou uma xícara de louça, por exemplo) com remendos de ouro, a kintsugi.
As cerâmicas kintsugi exibem suas falhas com graça, sem nenhuma pretensão de escondê-las. Ao contrário, como objetos estéticos, elas pedem que as apreciemos justamente por suas falhas. Eu costumo brincar que esses vasos são mais corajosos que todos nós, e nos ensinam algo de grande valor.
Uma sociedade de esnobes facilmente se torna uma competição insuportável por atenção e confirmação. O mais interessante é perceber que é exatamente em uma sociedade assim que a capacidade de empatia e despojamento pode ser inconscientemente desejada. Quem sabe mostrar suas falhas não possa valer ouro… .
Você pode gostar de
– Desmistificando o fracasso: é hora de abraçar a experiência
– Falhei, e agora?
– Para que servem as crises na nossa carreira?
Sobre a Série Dilemas
A Série Dilemas é uma parceria entre a revista Vida simples e a The School of Life e traz artigos assinados por professores da chamada “Escola da Vida”. A série tem como objetivo nos ajudar a entender nossos medos mais frequentes, angústias cotidianas e dificuldades para lidar com os percalços da vida.
A THE SCHOOL OF LIFE explora questões fundamentais da vida em torno de temas como trabalho, amor, sociedade, família, cultura e autoconhecimento. Foi fundada em Londres, em 2008, e chegou por aqui em 2013. Atualmente, há aulas regulares em São Paulo. Para saber mais: theschooloflife.com/saopaulo
Guilherme Spadini é médico psiquiatra e psicoterapeuta de adultos e adolescentes em São Paulo. Trabalha no Grupo de Assistência Psicológica ao Aluno (Grapal) da Faculdade de Medicina da USP e é professor da The School of Life no Brasil, onde ministra a aula Como Lidar com o Fracasso.
Conteúdo publicado originalmente na Edição 199 da Vida Simples
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login