Se a alma cala, o corpo grita

Dizer o que se pensa e sente pode ser desafiador, mas se destrancar é vital para a gente não adoecer e, acima de tudo, se respeitar

Cada um de nós tem uma voz. Um conjunto de ideias, necessidades, emoções e valores que dizem muito sobre quem somos. Silenciar essa voz é silenciar a si mesmo.  O que se cala não desaparece. Só se desloca. Vai parar no corpo, nos sonhos interrompidos, nas relações truncadas. E quando a gente percebe, já está distante demais daquilo que nos fazia sentir vivos.

Quando não expressamos o que sentimos, acumulamos. E esse acúmulo adoece. A psicóloga Anna Paula Rodrigues Mariano explica que carregar um peso emocional não elaborado pode gerar consequências físicas e emocionais.  O corpo reage ao que a alma não conseguiu dizer. Com o tempo, surgem tensões crônicas, enxaquecas, crises de choro ou de raiva, e até dificuldades para dormir.

Silenciar o que sentimos não é um gesto de paz. É uma forma de abandono. E quando nos abandonamos, a vida deixa de fazer sentido.  É o silêncio cobrando seu preço, como se o que foi reprimido encontrasse uma forma de se manifestar, nem sempre da maneira mais gentil.

Muitas vezes aceitamos demais por medo de rejeição. Achamos que ser sempre compreensivos vai nos garantir amor e pertencimento. Mas aceitar tudo não é o mesmo que ser bom. É, muitas vezes, uma tentativa de sobreviver. A professora e mediadora de conflitos Antônia Burke aponta que quem nunca se posiciona acaba ressentido.

Como os outros vão saber como você se sente, se você nunca diz? Quando calamos por hábito, deixamos de ser parte ativa da própria história. Nos tornamos coadjuvantes de nós mesmos.  O silêncio constante fragiliza relações e desfaz nossa identidade. Perdemos a chance de estabelecer limites, de afirmar desejos, de fazer valer a nossa singularidade.

Aprender a nomear emoções e falar sobre elas com cuidado é um gesto de resgate. Recuperar a escuta de si é o primeiro passo para se reconhecer, se respeitar e, então, se expressar.  Não é sobre dizer qualquer coisa de qualquer forma. É sobre sustentar a própria presença com delicadeza.

Expressar sentimentos não é sinônimo de confronto. E o conflito não é o oposto de afeto. Muitas vezes, o conflito é apenas um convite à transformação.  Um lembrete de que existe algo importante que precisa ser escutado. Quando evitamos qualquer atrito, perdemos a chance de crescer nas relações.

Ser firme não é ser duro. Ser gentil não é se calar. Há força no cuidado. Há escuta na presença. É possível transformar o conflito em oportunidade de encontro quando nos colocamos com clareza, sem agressividade e com abertura para ouvir também o outro.

No fundo, todo mundo quer a mesma coisa: ser ouvido, ser compreendido, poder existir com liberdade. E isso só é possível quando reconhecemos que o outro também tem sentimentos legítimos a compartilhar.

Fortalecer a autoestima ajuda, mas não basta. Expressar sentimentos exige também permissão interna. Permitir-se existir com emoções, limites e opiniões. Quando escutamos a nós mesmos com menos julgamento, conseguimos nos expressar com mais verdade. E quando nos posicionamos com autenticidade, damos ao outro a chance de nos conhecer de fato.

Somos humanos, feitos de afetos e contradições. E vamos errar muitas vezes.  Mas, aos poucos, é possível aprender que existe uma forma de dizer que não machuca – nem a nós, nem  ao outro. Uma forma que não exige máscaras nem distorções. Recuperar a espontaneidade é parte essencial dessa jornada.

A expressão autêntica dos sentimentos é um ato de respeito consigo e com o outro. Não se trata de impor verdades, mas de sustentar com coragem aquilo que nos habita. Porque quando nos expressamos com confiança, nos aproximamos do que há de mais autêntico em nós.