Por que Clarice Lispector fascina tanta gente?

Da máquina de escrever às redes sociais, escritora conquista gerações como símbolo de atemporalidade, seja por dar nome aos afetos ou por provocar reflexões existenciais de forma única

Clarice é daquelas autoras que se reconhece de imediato. Algumas palavras bastam para despertar o sentimento de que é ela quem está falando. Sua escrita direta, íntima e profundamente sensível encontra eco nas redes, nas conversas entre gerações e nas reflexões silenciosas de quem lê. Mesmo com a avalanche de frases falsamente atribuídas a ela, o fascínio segue real e merecido.

Mortais como todos, mas raros como poucos, escritores como Clarice sobrevivem ao tempo por causa daquilo que provocam. Sua obra, atravessada por temas universais, resiste há décadas. Ela morreu em 1977, um dia antes de completar 57 anos.

Clarice escrevia como se estivesse tentando salvar a própria vida. Essa urgência existencial transparece em romances, contos, crônicas e até nas obras para o público infantojuvenil. Ela nos lembra que viver é, ao mesmo tempo, cotidiano e mistério. Suas palavras tocam aquele espaço que existe entre o nascer e o morrer — o lugar inquietante da existência.

Em cena com o monólogo “Água Viva Clarice: Um Ato Poético”, a atriz Natalia Barros destaca que a força da autora vem de tratar temas profundamente humanos sem se prender ao tempo. Clarice parece conversar pessoalmente com o leitor. E isso explica por que tanta gente sente que ela fala exatamente sobre aquilo que está vivendo.

A estrategista editorial Dany Sakugawa reforça que a literatura de Clarice toca em temas como liberdade, frustração, pertencimento, solidão e desejo. Questões que atravessam épocas. Sua escrita funciona quase como um convite à pausa. Um texto que respira. Uma leitura que oferece silêncio no meio do barulho. Um encontro consigo.

Clarice tinha a habilidade de nomear o que não tem nome. Ela se aprofundava nos sentimentos como quem distingue tons entre duas cores quase iguais. Conseguia perceber nuances emocionais que outros textos sequer arriscavam explorar. E também nos ensinava a respeitar aquilo que ainda não conseguimos explicar — o tempo antes da palavra nascer.

A Paixão Segundo G. H.” e “A Hora da Estrela” são dois de seus livros mais emblemáticos. Em ambos, Clarice retrata o momento em que uma mulher desperta para si mesma. Sua obra revela conflitos internos que atravessam o feminino, a subjetividade e a coragem de romper com o que esperam de nós.

Clarice segue viva nas redes sociais. Frases intensas e curtas, carregadas de sentidos e emoções, ganham força e identificação instantânea. Mas com isso vem um alerta: é preciso responsabilidade. A banalização de sua obra acontece quando seu nome é usado para dar peso a frases que ela nunca escreveu.

Como lembra o professor André Luís Dolencsko, Clarice virou um signo de intensidade. Justamente por isso, merece ser respeitada. Valorizar sua escrita é também proteger seu legado. Porque Clarice continua fascinando por tudo o que realmente escreveu — e por tudo o que nos faz sentir.