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(Sem) hora para comer
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Com o advento da economia criativa, que permite uma agenda mais flexível, as refeições como conhecemos podem estar com os dias contados e não haver mais hora para comer.

Acordar e tomar café da manhã. Almoçar ao meio-dia, a tempo de voltar para a reunião da tarde. Pegar as crianças na escola e jantar logo após as 19h. Por muito tempo, essa foi a rotina alimentar de muita gente. Mas a verdade é que, nos últimos anos, esse hábito de comer com horários tão definidos não tem mais sido realidade para muita gente. O próprio cotidiano das pessoas sofreu mudanças.

hora de comer

Na era da economia criativa, as pessoas hoje têm diferentes intervalos para comer. Com o fim do horário de trabalho tal como o conhecemos, pautado mais pelos turnos da Era Industrial, e com o aumento dos profissionais free-lancers e autônomos (que responderam por 50% das vagas criadas no Brasil no ano passado), tem feito cada vez menos sentido que todos tenhamos os mesmos horários para fazer as refeições.

Os negócios de comer estão mudando

E isso já tem tido um reflexo no negócio, como resultado dessa mudança – dos restaurantes aos mercados. Pode reparar, há mais restaurantes que deixaram de fechar entre o almoço e o jantar, ou que passaram a abrir mais cedo – especialmente se você mora numa grande cidade. Isso porque eles começaram a entender o espírito desse novo tempo, em que há gente tomando café às 12h ou almoçando depois das 15h, por exemplo.

Há até aqueles que passaram a permanecer abertos o dia todo, criando um novo modelo de negócios. Eles são conhecidos como restaurantes all day e, mais do que permanecerem abertos de manhã até a noite, o que os difere é o fato de questionarem o conceito do que deve ser consumido nessas refeições, por exemplo. Por que não servir ovos mexidos à tarde? Por que não oferecer pratos de comida a partir das 10h?

Percepções de uma profissional sobre a hora para comer

A chef Elisa Fernandes, mais conhecida por ter sido uma das vencedoras do reality show Masterchef, teve que trabalhar suas concepções culinárias quando aceitou criar o cardápio do Heute, um misto de restaurante e bar recém-aberto na região central de São Paulo.

Como a proposta do local é seguir de manhã até a noite nos finais de semana, ela teve que criar receitas que pudessem ser frescas e versáteis, para serem servidas a qualquer hora – atendendo a qualquer fome. “Tem muita gente apostando em modelos de negócios mais autônomos, então eu vejo que um restaurante aberto com um serviço contínuo, acaba sendo muito bem visto pelas pessoas porque conseguem fazer o horário delas, fugindo dos picos ou indo comer quando preferem”, afirma.

O cardápio segue uma pegada mais brunch, como ela explica, que pode ser melhor adaptado às diferentes horas do dia. “Você pode comer uma salada mais caprichada, uma burrata, torrada com ovos e bacon”, diz.

Conceitos diferentes para horários diferentes

O próprio conceito de brunch foi que abriu caminho para o atual momento dos nossos hábitos alimentares. Neste tempo em que a separação das refeições como café da manhã e almoço ou almoço e jantar parece ter ficado mais tênue e fazer menos sentido.

A partir principalmente dos anos 1990, restaurantes americanos passaram a servir comidas mais híbridas entre o café da manhã e o almoço para um público que não queria saber de acordar cedo aos sábados e domingos, e que, por isso, buscava refeições que não fossem tão leves quanto uma tigela de salada de frutas nem tão pesadas quanto uma carne com acompanhamentos – e não demorou para que a proposta ganhasse o mundo.

O brunch, assim, ajudou a abrir a janela dos nossos horários restritos de alimentação e a questionar por que não podemos ter refeições que sejam “entre” um horário e outro, ou simplesmente quando a fome surge, sem que o relógio diga que temos que parar para comer.

Comer mais, mas menos 

O advento dos snacks nos mercados é uma prova incontestável disso. E não estamos falando apenas de barras de cereais ou pacotes de bolacha. Há uma nova indústria de alimentos focada na “snackização” da comida: apostando em porções menores, em misturas mais completas, na onipresença dos bowls.

O que as grandes (e até pequenas) companhias entenderam foi que as pessoas hoje tendem a comer quando sentem fome, e não querem parar o que estão fazendo para isso. Para muita gente, inclusive, faz menos sentido se empanturrar de comida três vezes ao dia – isso significa comer mais vezes o dia todo e em menores quantidades. As embalagens para isso se multiplicaram aos montes nas gôndolas: bandejas individuais de queijos e proteínas, saladas caprichadas, bowls de todas as coisas – tudo para beliscar o tempo todo. A onda das “comidas em bowl”, aliás, ou na cumbuca, talvez seja a maior representação desses novos tempos em que o relógio já não dita quase nada (a não ser o tempo que permanecemos comendo).

Ao abdicar do prato, nosso companheiro principal de almoços e jantares até aqui, nós não mudamos apenas a forma de comer, mas o que comemos. A tigela exige outra dinâmica, em que tudo é misturado: arroz, vegetais, carnes, molho… Com isso, as receitas também se modificam (o bife dá lugar ao picadinho, os legumes ganham novos cortes, menores, os molhos ficam mais densos…) e até a faca perde sentido. Segurando a tigela numa mão, é possível comer com a outra sem ter que desviar a atenção para cortar a carne ou encher o garfo.

A tecnologia pode interferir nas mudanças

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O food designer Diego Bolson, da Foodlosofia, estúdio que ajuda as empresas a pensar a relação das pessoas com a comida, defende que atenção, aliás, é a grande moeda da  sociedade atual – e que, mais do que nunca, ela tem determinado a maneira como comemos. O fato de ter um monte de gente com o celular na mão durante as refeições é um sintoma disso. Não indica uma desconectividade total por parte delas, ele defende.

Em outras palavras, o que buscam é conectar-se com quem realmente importa para elas: marido, esposa, filhos, amigos especiais, em vez de partilhar a refeição com pessoas com as quais nem sempre querem dispor sua atenção. Portanto, nesses tempos em que muitas das refeições que fazemos são mais solitárias, um bowl numa mão pode ajudá-lo a não comer sozinho, independentemente da hora que seja.

Rafael Tonon é jornalista de gastronomia e come tudo com consciência, prestando atenção no que ingere (principalmente se está sozinho).

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