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Nomofobia: entenda o medo de ficar sem celular
Jayana Rashintha
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Você já sentiu o celular vibrar no bolso quando, na verdade, era apenas um estímulo imaginário do seu corpo? Já se sentiu angustiado por estar em um lugar sem internet? Quantas vezes você costuma checar o celular durante o dia? Sempre que necessário ou a cada notificação?

Perguntas comuns como essa são feitas para entender qual o nível de dependência que nós humanos temos com as tecnologias digitais e buscar estratégias para atenuar esses sintomas que, se agravados, interferem ainda mais na nossa vida.

É claro que a humanidade, no século XXI, depois de três revoluções industriais que modificaram profundamente o planeta, não é mais aquela que se comunicava de forma manual com auxílio do papiro ou face a face. Hoje, estamos online o tempo todo e podemos nos comunicar com qualquer pessoa do mundo. As barreiras entre vida pessoal e trabalho foram quebradas pelas tecnologias digitais e nossas casas estão perfuradas por ondas invisíveis que nos conectam ao mundo por meio de telas.

Apesar de ser um fenômeno recente, o crescimento do ciberespaço no cotidiano vem acontecendo em um ritmo acelerado, abrindo muitas lacunas e trazendo problemas ainda não compreendidos pelos estudiosos do tema. Entre eles, existe a nomofobia, que em poucas palavras pode ser expressada como o medo extremo de ficar sem o aparelho celular.

Para entender mais sobre esse assunto, a Vida Simples conversou com especialistas e trouxe dicas para identificar os sintomas e buscar alternativas que possam nos tirar dos excessos no mundo digital.

Tecnologias digitais e globalização

A chamada Terceira Revolução Industrial varreu do mundo qualquer possibilidade de demora nas respostas quando o assunto é comunicação. Trouxe ferramentas e conhecimentos que otimizaram a transmissão de informações e provocou mudanças profundas na sociabilidade humana.

Duas décadas atrás seria impossível imaginar que teríamos um aparelho móvel com peso leve, design acessível às mãos e redes sociais. “Quando a gente começa a falar sobre a internet a gente está falando do advento dela na década de 90″, explica a psicoterapeuta e palestrante Edwiges Parra, destacando o quão recente isso é em nossas vidas.

As rápidas transformações do mundo digital foram crescendo a um nível em que os estudiosos passaram a tentar compreender e quantificar os fluxos comunicacionais no mundo digital. “Depois de uma década de internet a gente já questionava ‘como vamos lidar com essa quantidade de informação’?”, explica Parra. 

Gerações anteriores estavam em um espaço delimitado que se configurava basicamente em frequentar espaços como cinemas, teatros, bibliotecas, livrarias e acessar jornais e revistas como fonte de informação. Hoje, em um aparelho de poucas polegadas temos acesso a bilhões de conteúdos em diversas línguas com inúmeras fontes e possibilidades de pesquisa.

Os ônus e os bônus

Ainda assim, é importante lembrar que, como muitas coisas que fazem parte da nossa vida, o uso das tecnologias trazem benefícios. Por outro lado, os pontos negativos existem, precisam ser abordados e a sociedade necessita buscar formas conjuntas de mitigar e tratar os sintomas que apontam para problemas relacionados ao excesso de tecnologia.

O Brasil ganha uma posição especial quando o assunto é o uso de mídias digitais, já que o país está em terceiro lugar entre o ranking elaborado pela agência de marketing Sortlist, atrás apenas da Colômbia e Filipinas. São cerca de 10h diárias navegando na internet e 3h42min em plataformas de rede social como WhatsApp, Instagram, Twitter e Facebook.

“Nós temos muitos bônus com a evolução das tecnologias, mas também temos ônus”, explica Edwiges Parra. Para a psicóloga, não sabemos ainda lidar tão bem com a presença das tecnologias digitais em nossas vidas, especialmente pela falta de educação midiática, “a gente opera muitas ferramentas, mas ainda não fala sobre era digital”, acrescenta. 

Essa ausência de conscientização e a falta de uma abordagem multifatorial sobre o assunto pode desencadear um aprofundamento dos efeitos do ônus relacionado às mídias sociais em nossas vidas. Documentários como O Dilema das Redes (Netflix) mostram a tensa relação que há entre os usuários, as empresas de mídia social e governos do mundo todo.

A produção, que ganhou popularidade no mundo todo, deixa em evidência quais são os mecanismos e as técnicas de controle utilizada pelas empresas para que as pessoas passem cada vez mais tempo usando o celular e os aplicativos, com conteúdos direcionados a partir da preferência de cada um e o estímulo à uma relação que passa a ser danosa à vida das pessoas.

Nomofobia e dependência tecnológica

Você já se questionou o que seria das nossas vidas hoje sem as tecnologias digitais? Sem caixas automáticos de bancos, atendimento online via aplicativo, possibilidade de conversar com um amigo que está em outro país a baixos custos, assistir filmes e séries no conforto de casa… Tudo isso deixaria de existir e certamente nos obrigaria a gastar muito tempo tentando resolver coisas que hoje são simples.

A tecnologia não precisa ser um problema ou algo a ser condenado, mas podemos ressignificá-la e a entendermos em um contexto de uso a partir das necessidades realmente existentes. Os sons das notificações, os algoritmos das redes sociais, o formato do conteúdo e o direcionamento das produções digitais são feitos especialmente para que tenhamos um certo nível de dependência dessas tecnologias, que são quando elas fogem do nosso próprio controle do tempo de uso.

Dentro desse contexto surge a nomofobia, traduzida a partir do conceito No-Mobile-Phobia, ou seja, o medo de estar sem o celular no seu campo de visão ou contato. “A nomofobia é um padrão de comportamento de compulsão, ela não é uma doença, mas está dentro do transtorno chamado dependências tecnológicas”, explica Parra. 

A psicóloga explica que o transtorno já está descrito no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e pode ser relacionado a um cenário de vício. “Quando isso se configura em dependência a gente está falando de vícios e quando falamos de vícios estamos falando em compulsões”, afirma Parra, que destaca essa característico de uso excessivo do celular, mesmo que ele gere consequências negativas em um ciclo onde não é possível parar. 

Felipe Areco, psicólogo e doutorando em Ciência, Tecnologia e Sociedade na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), lembra que o fato de existir uma dependência em relação ao celular é preocupante e pode sinalizar para um quadro de nomofobia. “A gente não pode esquecer que a pandemia teve uma importância significativa na nomofobia”, acrescenta o profissional, que cita o uso excessivo das telas, além da forte produção de conteúdo como lives, aulas e eventos que passaram a ser totalmente realizados de forma online. 

Entre os efeitos nocivos relacionados à nomofobia, Edwiges Psarra e Felipe Areco destacam que o excesso do uso do celular sem um controle ou autorregulação pode levar a:

  1. Problemas psicológicos desencadeados pela dependência tecnológica;
  2. Cervicalgia, uma espécie de dor na cervical que pode variar entre tensão musculas e problemas degenarativos na coluna;
  3. Síndrome do pescoço de texto causada pela má postura ao utilizar o celular;
  4. Tendinite provocada pela exaustão dos movimentos nos dedos;
  5. Ressecamento dos olhos pela falta de lubrificação;
  6. Sedentarismo gerado pelos longos períodos sentado ou deitado;
  7. Leitura superficial e rápida das redes sociais, gerando dificuldade em acessar outros conteúdos como livros, artigos e revistas.

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Sintomas de nomofobia

Como saber se estou com sintomas de nomofobia ou se alguém do meu círculo social está sofrendo com isso? Primeiro, é importante lembrar que os sintomas variam de pessoa para pessoa e que a busca por um profissional adequado, como psicólogos ou psiquiatras, não deve nunca ser descartada.

Entretanto, alguns padrões comportamentais podem servir de base para enquadrar um certo padrão de usabilidade das redes sociais em um quadro de nomofobia, ainda mais se o sofrimento psicológico está diretamente relacionado às mídias sociais. Edwiges Parra, que também atua como docente convidada na Fundação Getúlio Vargas (FGV) para abordar o assunto em sala de aula, explica que há alguns sintomas mais comuns dentro do contexto das dependências tecnológicas que podem ser associadas à nomofobia. Confira os principais a seguir:

1. Muito tempo utilizando o celular

O tempo de uso do celular é determinante para compreender o nível de dependência que você está ligado a ele. É claro que em casos específicos, como um trabalho que depende do uso de redes sociais, o número de horas usando os celulares vai ser maior que a média geral da população.

É importante que cada pessoa fique atenta a isso. Há celulares que já mostram o tempo de utilização com a tela ligada, embora alguns aplicativos disponíveis em lojas como Apple Store ou Play Store façam essa quantificação.

2. Checar as notificações o tempo todo em diferentes momentos do dia

Se você checa as notificações a cada momento em que elas chegam no seu celular é importante começar a tentar estabelecer um limite para isso. Esse tipo de comportamento pode indicar um certo nível de dependência tecnológica e de nomofobia.

3. Sentir inquietações em lugares onde não há internet disponível

“Aqui não tem WiFi, conversem entre si” diz muitas plaquinhas em alguns restaurantes ou outros comércios nas cidades. Você evitaria ir a algum lugar com esses princípios? A ideia de talvez ficar uma ou duas horas sem conexão provoca ansiedade ou preocupação? Esse é mais um sintoma relacionado à nomofobia.

4. Angústia ou ansiedade por não ter o celular próximo

A sensação de ter perdido o celular abre um buraco sob a terra e assusta muitas pessoas, afinal, é lá onde estão nossas fotos, contatos telefônicos, aplicativos de bancos, entre muitas outras coisas. Esse é um medo comum e natural, na medida em que ele tem uma certa importância no nosso cotidiano, embora seja preocupante comportamentos que geram angústia, ansiedade e medo de ter perdido o aparelho, como se ele fosse uma parte vital do corpo humano.

5. Sintomas psicoemocionais

Felipe Areco destaca ainda que outros sintomas podem surgir ao longo desse processo de dependência tecnológica, como baixa autoestima gerada pelo uso excessivo do aparelho, rendimento na produtividade afetado, dificuldades de concentração e mudanças repentinas no humor.

Diagnóstico profissional é importante

Areco, que também é docente em cursos de psicologia no ensino superior, enfatiza que a busca por um profissional especializado no assunto é primordial para que um diagnóstico seja feito. “É muito importante deixar claro que hoje em dia, no que chamamos de senso comum, as pessoas se autodiagnosticam ou um amigo ou familiar vai dizer ‘ah, porque você está usando muito o celular você tem uma doença, um transtorno’”, comenta. 

Além dessa necessidade, ele destaca que o contexto de uso do celular está também relacionado à uma lógica cultural de uma sociedade. “Quando a gente está com o nosso celular, lógico que é individual, mas se estamos em um grupo de amigos é quase que sintomático um pegar o celular, daqui a pouco o outro pega. Isso, eu vou dizer que está mais relacionado a questões culturais”.

Equilíbrio no uso de telas

Em um contexto como esse, é difícil afirmar que as pessoas não têm acesso à informação, em um mundo com tantas aberturas e conteúdos disponíveis gratuitamente sobre o assunto. Mas para além de um certo julgamento moral, é preciso outro questionamento: por que as pessoas não se sensibilizam com a dependência tecnológica? Por que as sociedades não pressionam para que as empresas proporcionem uma usabilidade saudável das redes sociais?

Para amenizar os sintomas, existem alternativas como desativas todas as notificações do celular, deixá-lo no silencioso, guardá-lo em um local distante de você ou ativar alarmes que atentam para um limite de uso podem ser possibilidades eficazes, mas paliativas, para reduzir o uso. Atitudes mais drásticas, como desinstalar os aplicativos ou fazer uma espécie de “detox das redes” também são possibilidades, mas é importante lembrar que elas continuarão existindo e modificando a nossa sociedade.

“A forma como você faz o uso de qualquer coisa é o que a faz a diferença, aquilo que vc vai ser funcional, ou disfuncional, seja pelo exagero ou pela falta de mais”, explica Edwiges Parra. Ela atenta ainda para outras questões como o investimento em educação midiática e incentivo à cidadania digital, além de regulações no setor. “A gente precisa criar regras, estamos falando de comportamentos. Vale tudo? Será que esse vale tudo não está adoecendo o outro lado?”, acrescenta. 

Já Felipe Areco destaca que “a partir do momento que a gente deixa de olhar para aquilo que é estar com o outro em sua totalidade e na sua forma, esquecendo o uso do celular para que a gente se conecte às pessoas que não estão ali presencialmente, a gente pode pensar em uma certa dependência.”

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