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Rápida, acessível e saudável
Carissa Gan | Unsplash
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Impulsionada por chefs renomados e pessoas preocupadas com o que estão comendo, a chamada fast food está passando por uma transformação necessária e bem-vinda

O chef californiano Daniel Patterson costumava liderar a cozinha de um dos mais famosos restaurantes da Costa Oeste americana. O Coi, em San Francisco, sempre se diferenciou pelo cuidado com os ingredientes frescos provenientes, quase todos, de produtores da Bay Area – a baía que engloba a cidade e outros municípios e distritos no norte da Califórnia.

Com duas (das três máximas) estrelas do Guia Michelin, um dos mais importantes do mercado gastronômico, e admirado como um dos melhores chefs dos Estados Unidos, Patterson tinha uma carreira que qualquer cozinheiro poderia almejar: reconhecimento, fama, bom salário e uma cozinha autoral. Mas ele achava que faltava algo. Foi nesse momento que conheceu o também chef Roy Choi, responsável por incorporar os food trucks na rotina de Los Angeles e do mundo.

Locol – Revolutionary Fast Food

O encontro fez com que Patterson percebesse que queria fazer mais através da comida. Amizade consolidada, ele e Choi fundaram juntos o Locol – Revolutionary Fast Food, uma rede de comidas rápidas, que logo se transformou em algo muito transgressor e diferente, principalmente para os padrões americanos.

O objetivo era ir além de apenas fornecer refeições rápidas a preços baixos, mas também comida realmente boa (com ingredientes naturais, sem conservantes e na maioria das vezes orgânicos) e acessível. No caso, acessível não só nos preços mas principalmente na localização: as unidades do Locol são instaladas em periferias ou em bairros menos nobres das cidades.

Mudança transformadora

A primeira delas foi inaugurada na região de Watts, em Los Angeles, com longo histórico de conflitos e altos índices de criminalidade. A segunda, em Oakland, em uma vizinhança parecida. A terceira loja, em San Francisco, fica na região central da cidade, Tenderloin, conhecida pelo tráfico de drogas e por ser moradia de sem-teto.

A ideia da dupla Patterson e Choi é provar que é possível servir refeições ou lanches de qualidade, a preços baixos e com uma cadeia justa para jovens que aprenderam a se encontrar em lanchonetes de fast food para aplacar a fome gastando pouco. “Queremos melhorar a alimentação em áreas onde refeições nutritivas e deliciosas são raras”, disse Patterson na abertura da primeira loja. “Nosso objetivo é propor o renascimento do conceito de comunidade. É muito danoso para a população quando ela tem sua comida servida por grandes corporações que não se preocupam de fato com elas. Esperamos iniciar uma revolução nesse sentido.”

Cultura fast food

crédito: NordWood Themes | Unsplash

O fenômeno da fast food talvez seja o movimento ligado à alimentação mais representativo do nosso tempo. Com a indústria da comida e suas tecnologias de conservação por meio de aditivos químicos, foi possível distribuir ingredientes com o mesmo padrão em diversas regiões ao mesmo tempo. Tudo chega processado, em porções, devidamente padronizado para ser servido.

“A cultura da fast food gerou uma grande mudança na forma de comer. As redes de comida rápida explodiram em dominância, tornando-se os primeiros exemplos de sucesso corporativo global. E, com isso, viraram alvo de várias críticas, acusadas de gerar obesidade generalizada, de causar o aniquilamento cultural e de alimentar práticas trabalhistas opressivas. Além de destruir o ambiente em escala maciça”, analisa o professor de história da alimentação na New School de Nova York, Andrew F. Smith, autor de Fast Food – The Good, The Bad and The Hungry (Fast Food – A Boa, a Má e a Fome, recém-lançado nos EUA e sem edição por aqui).

Segundo Smith, as refeições no estilo fast food fazem parte do cardápio de milhões de pessoas porque oferecem comida com rapidez, economia e conveniência. “Essas lojas têm um apelo para qualquer etnia, nacionalidade, religião, idade, gênero e classe. Poucos modelos são capazes de reunir grupos sociais tão diferentes.”

Fast food mais saudável

Mas a questão, segundo ele, é como fazer desse modelo algo ainda mais positivo para a sociedade. E isso começa nos produtos servidos. Para reduzir os custos, seus empreendedores diminuem também a qualidade nutricional dos produtos. E a consequência é uma dieta que aumenta os danos à nossa saúde, em especial os problemas cardiovasculares e a diabetes. Além disso, segundo os críticos a esse tipo de alimentação, degrada a dieta das crianças. O que, aliás, fez com que, ultimamente, essas redes passassem a ser vistas como lugares a serem evitados.

A boa notícia é que iniciativas como a dos chefs americanos são um indicativo de que essa indústria está passando por mudanças. Nos EUA, por exemplo, país que detém algumas das mais importantes cadeias de fast food no mundo, é cada vez maior o número de casas que abrem as portas com o intuito de oferecer um cardápio realmente mais saudável. Foi assim com as recém-inauguradas Chipotle (rede com acento mexicano, de ingredientes totalmente orgânicos) e Panera Bread (misto de padaria e café, com opções e comidas mais nutritivas).

Em alguns países da Europa, a tendência se repete, com lojas focadas em sanduíches, saladas e alternativas mais funcionais. Por aqui, o movimento é mais tímido, mas já temos algumas boas opções de comida saudável e artesanal (em oposição ao extremamente industrial) para uma refeição rápida. É um mercado que não para de crescer e que vem angariando cada vez mais chefs e empreendedores do ramo.

Fast Good

Jose Andrés é um dos mais importantes chefs dos EUA hoje. Espanhol radicado no país, fez de Washington sua base para um império que conta hoje com dezenas de restaurantes, todos de alta gastronomia, como é o caso de seu MiniBar, um dos mais exclusivos dos EUA – serve apenas oito pessoas por noite.

Por oferecer menus que passam dos três dígitos, se tornou um chef da elite, algo que passou a incomodá-lo. “Muitas pessoas que encontrava na rua me diziam que meus restaurantes eram caros e por isso nunca tinham provado minha comida. Comecei a pensar sobre isso e decidi que precisava me reinventar como chef”, disse ele, durante uma palestra em Austin, no Texas, em que abordou justamente como a fast food pode transformar nossa alimentação no futuro.

A saída foi buscar um modelo mais democrático, mas que não fugisse de seu padrão de qualidade como chef. “Alta gastronomia não está ligada ao preço, mas ao padrão da comida, dos ingredientes. Então quis apostar em uma alta gastronomia econômica, que mais pessoas pudessem usufruir. Não é fast food, é fast good”, brinca.

Um Chef ou um palhaço?

Dessa forma, ele criou a Beefsteak, uma rede de fast food que oferece diversas receitas e combinações a partir de ingredientes orgânicos e extremamente frescos – o grande diferencial é que esses são entregues diariamente por produtores locais mais próximos de cada uma das lojas (já são cinco, quatro em Washington e uma na Filadélfia). “Minha intenção é mostrar que é possível comer muito bem pelo preço que se paga por aí num hambúrguer sem qualidade, de forma mais saudável, fresca e gostosa”, ele diz, para logo perguntar: “Com todo o respeito ao McDonald’s, quem você prefere que esteja por trás do seu cardápio: um chef ou um palhaço?”.

Senso de humor à parte, a transformação da cena da fast food já influencia até mesmo companhias que se estabeleceram no mercado muito antes de “comida saudável” se tornar palavra de ordem para uma geração cada vez mais preocupada com o que ingere.

Uma nova relação

crédito: Epicurrence | Unsplash

O próprio McDonald’s, citado pelo chef Andrés, passou a investir em iniciativas que atestem a qualidade dos produtos que usa e foi buscar na “gourmetização” uma referência para a nova linha de sanduíches, batizada de Signature, com produtos diferenciados (como pão brioche, cogumelos e hambúrguer feito com carne de animais da raça angus). “Olhamos para os hábitos de consumo e percebemos que essa era uma boa oportunidade para apresentar uma categoria de hambúrgueres mais artesanais, criados especialmente para cada cliente”, explica Roberto Gnypek, vice-presidente de marketing do McDonald’s Brasil. A linha segue um novo posicionamento da rede no mundo, mais de olho no cuidado com os ingredientes – um movimento da alta gastronomia.

Os hábitos de consumo a que Gnypek se refere têm a ver provavelmente com os millenials, os jovens que englobam a faixa etária entre os 15 e os quase 30 anos, que são o foco do consumo global atualmente (têm poder de compra de alguns bilhões de dólares) e que têm uma relação diferente com os alimentos, comparado com as gerações anteriores.

Eles gastam mais com o que comem, se preocupam com a procedência dos ingredientes, sabem cozinhar, buscam itens frescos e se relacionam com as marcas pelo celular – o qual muitas vezes usam para fazer pedidos via delivery. Eles buscam, primordialmente, marcas que usam seu dinheiro para investir mais em ingredientes do que em propaganda.

Rápida, acessível e saudável

Há três anos, ganhou repercussão o caso em que o chef inglês Jamie Oliver descobriu – e mostrou em seu programa de TV – que uma grande rede de fast food usava hidróxido de amônio para converter partes gordurosas de carne em recheio para seus produtos, nos Estados Unidos. A receita era produzida, segundo ele, em um processo no qual a carne é centrifugada em uma solução de hidróxido de amônio e água.

A divulgação pegou mal e logo a rede anunciou a mudança no preparo dos hambúrgueres. O episódio serviu para mostrar que não só Jamie Oliver mas todos nós estamos atentos ao que nos é servido. De acordo com uma pesquisa da empresa americana Nielsen, o futuro da fast food deve enfatizar menos ingredientes artificiais e prezar por um cardápio pensado por um chef e pela procedência do produto. E se manter rápida, acessível e inclusiva, o que está na sua essência. Mas agora com uma pitada extra de qualidade como molho especial.

Rafael Tonon é jornalista de gastronomia e não tem algum problema em optar por comida rápida. Seu problema mesmo é comer comida ruim.

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