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Como e para que avaliamos?
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Desde pequenos, somos avaliados, na escola, pelo desempenho. E acabamos levando essa maneira de nos medir pela vida, seja no trabalho ou nas realizações pessoais

Há algumas semanas, inventei uma brincadeira. Toda vez que saio de uma sessão de psicanálise, atribuo uma nota ao meu desempenho nela. Os critérios não são rígidos, mas giram em torno das seguintes perguntas: falei sobre algo que considero difícil e evitaria discutir? Fui sincero comigo mesmo? Ao sair, estou – pelo menos um pouquinho – diferente do que entrei? A nota, no fim das contas, se resume em: tirei dez ou não tirei dez. Esse é um exemplo de algo que realizamos constantemente: avaliar e nos autoavaliar.

Avaliamos nosso comportamento com colegas e parceiros, o trabalho, refeições, eventos. Enfim, julgamos o tempo todo. Na escola, como na vida adulta, avaliar é algo positivo. Nos ajuda a entender no que somos bons e no que precisamos melhorar. Mas é preciso levar em consideração que as avaliações têm limitações.

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A maneira como avaliamos ainda hoje o desempenho dos estudantes nas escolas está relacionada a uma antiga concepção de conhecimento e de ensino. Em uma palestra que assisti ano passado, o professor Nílson José Machado, da Universidade de São Paulo (USP), a definiu como “baldista”. Segundo essa visão, ensinar é depositar nos estudantes conceitos e definições e avaliar é cobrar que mostrem possuir esse conhecimento.Um exemplo: em uma aula, o professor define, resumidamente, répteis como animais que rastejam e botam ovos. Na prova, ele questiona: “o que são répteis?”. Dependendo de quão próxima a resposta está da definição dada pelo professor, ela recebe uma nota que, somada às notas de outras respostas, indica quanto conhecimento o estudante  “absorveu”.

Outros pontos de avaliações

Há, no entanto, alguns problemas nesse formato, que se relacionam também com a maneira como costumamos analisar a vida adulta. O primeiro é: uma única medida é sempre insuficiente para atestar o sucesso de qualquer coisa. Isso acontece porque, com frequência, a própria medição faz com que deixemos de observar o que realmente importa. Na escola, funciona assim: as avaliações servem para acompanhar o desenvolvimento dos estudantes e a eficácia da escola em prepará-los para os desafios. O uso exagerado de provas acaba fazendo com que os jovens passem a estudar para tirar uma boa nota, sem considerar a importância dos conhecimentos que estão construindo. Quando nos tornamos adultos, caímos no mesmo erro: queremos ser mais saudáveis e estabelecemos como meta atingir um peso, ou queremos ser bem-sucedidos e estimamos um salário ideal. É claro que esses indicadores podem ser importantes, mas eles não bastam para definir esses critérios.

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Um segundo problema – relacionado ao primeiro – é que o resultado ruim em uma avaliação não invalida as experiências que vivemos. De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a escola deve se preocupar em desenvolver competências, que são “a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho”. Ou seja, mesmo que o desempenho de um aluno em uma prova seja ruim, é possível que – nos meses anteriores – ele tenha conquistado aprendizagens que não podem ser descritas ali.

Análise de avanços

Voltando ao exemplo da vida adulta: é possível que, agora, ao fim dos anos, você não tenha atingido o peso que queria ou conseguido a promoção com que sonhava, mas tenha desenvolvido maior garra, foco, resiliência, e outras características também importantes. Ou que tenha se mudado, feito novos amigos, conquistado algo significativo nas suas relações. É muito importante termos objetivos em mente, mas também precisamos observar avanços em áreas não relacionadas a eles.

Avaliar não é comparar

Um terceiro grande problema está ligado ao fato de que, quase sempre, as avaliações levam em conta um padrão único. Ao pensar o que seria um aluno que merece uma nota 10, o professor idealiza um modelo de estudante e imagina que todos deveriam alcançá-lo. Sabe-se hoje que as pessoas possuem diferentes interesses, aptidões e ritmos de aprendizagem. Não faz sentido usar a mesma régua para todos. Além disso, cada um inicia o ano com conhecimentos e vivências diferentes. Por que, então, espera-se que todos atinjam os mesmos objetivos?

De novo, o mesmo vale para a vida: é comum estabelecermos metas levando em consideração um modelo ideal. Nesse processo, nos esquecemos de olhar para nós e considerar nossas trajetórias, interesses, e assim por diante. Não é de se admirar, então, que acabemos “fracassando” com frequência ou abandonemos os planos logo nos primeiros meses.

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Educadores contemporâneos propõem alternativas. Uma delas é realizar um diagnóstico, observando de onde partimos para – ao fim de um determinado período – observar os avanços. Outra é permitir que os próprios estudantes possam se avaliar, tomando consciência sobre o quanto aprendem, como aprendem melhor, do que gostam e como podem se desenvolver em seus mais diferentes aspectos (cognitivos, emocionais, sociais etc.). Também é possível fugir das notas e recorrer a outras maneiras de comunicar resultados, sempre valorizando o que se conseguiu, em vez do que se deixou de alcançar. Na Educação Infantil, são comuns os diários em que professores colocam produções dos estudantes e fazem pequenos relatos sobre o cotidiano escolar.

Vamos ser mais gentis com as “avaliações”

Todas as observações que fazemos também precisam considerar a complexidade das nossas relações e as incontáveis habilidades e desafios que enfrentamos. Henry Levin, professor da Universidade Columbia (EUA), resume da seguinte maneira: “As avaliações deveriam ser sobre nossa humanidade, sobre a vida, sobre o que é necessário para que sejamos boas pessoas, que criam oportunidades, exploram oportunidades e ajudam os outros a ter oportunidades também”. No fim das contas, tanto na escola como na vida, precisamos ser mais gentis com a maneira como avaliamos os outros e nós mesmos, e não perder de vista que o que importa é nos tornarmos, todos os dias, alguém um pouquinho diferente do que éramos no dia anterior.

Wellington Soares é jornalista formado pela Universidade de São Paulo. Trabalhou por seis anos na produção de conteúdos para professores da Educação Básica. Atualmente, descobriu-se professor e dá aulas, mas segue escrevendo e ajudando organizações do terceiro setor a produzir conteúdos sobre Educação.

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