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A relação com os idosos em tempos de quarentena
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Respeitar a individualidade de cada um, estar disponível para escutar e propor momentos de descontração são caminhos para cuidar dos mais velhos em meio a uma pandemia – mesmo que estejamos fisicamente distantes

“Posso te pedir uma coisa? Quando tudo isso passar, queria que você viesse aqui e fizesse aquele risoto pra mim. É tão gostoso e me deu uma vontade de comer…”. Recebi esse pedido enquanto escrevia essa matéria. Veio de dona Maria, minha avó, 82 anos de vida. Ela sempre foi entusiasta de casa cheia, muita gente à mesa, conversas por horas a fio. Agora, tem passado pelos dias só com a companhia do meu avô, que, confesso, ainda não entendeu muito bem por que não deve sair na rua. Ele insiste em dar umas fugidas por acreditar que é só uma gripe, está tudo bem, nada vai acontecer.

Meses atrás, demos um celular de presente para a minha avó. Ensinamos como usar o WhatsApp para que pudéssemos trocar mensagens sempre que a saudade batesse, mas ela não gostou muito da experiência de abrir mão da voz pela palavra escrita. O que realmente a atraiu foi a possibilidade de aprender novas receitas e ouvir músicas antigas no YouTube. Durante a quarentena, descobrimos outra coisa que a deixa feliz: chamadas por vídeo. Demorou um pouco até que conseguíssemos, à distância, instrui-la sobre como aceitar a ligação. Mas deu certo e essa tem sido a forma de nos conectarmos com mais presença. 

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Cuidado emocional com os mais velhos

Acompanhar a maneira com a qual meus avós estão lidando com o isolamento fez uma ficha cair: precisamos dar mais atenção aos idosos e ajudá-los a passar por isso da forma menos traumática possível. Estamos falando de atividades com os pequenos, de cuidados com nós mesmos, de auxílio aos negócios, mas pouco pensamos nos mais velhos. O caminho não é colocar medo ou deixá-los esquecidos num espaço fechado, acreditando que, assim, estarão seguros. É certo que há pessoas de mais idade mais familiarizadas com a tecnologia e que conseguem usá-la para se distrair e se conectar com os mais pessoas. No entanto, há outras tantas que sequer têm celular. Não os deixar sair de casa é como podemos zelar para que não contraiam o vírus, mas e de suas emoções e sentimentos, como cuidamos? 

A percepção de que somos únicos

Antes de tomar qualquer atitude, o passo mais importante talvez seja perceber que as pessoas carregam suas individualidades – com os mais velhos, não é diferente. Hoje, todos aqueles que têm mais de 60 anos são considerados idosos, mas não podemos generalizá-los como se se comportassem da mesma maneira. Carolina Ruiz foi quem me explicou isso. Ela é fonoaudióloga, gerontóloga e diretora da Avance Centro-Dia 60+, um espaço de acolhimento diurno às pessoas da terceira idade no Rio de Janeiro. “Com o avanço da ciência, nossa expectativa de vida é muito maior. Tem gente entrando na sexta década e se engajando em novos projetos, empreendendo, viajando o mundo”, diz ela. 

Do mesmo jeito que, ao propor brincadeiras para as crianças, por exemplo, cuidamos de considerar a faixa etária, temos que olhar de que idoso estamos tratando: aquele com total autonomia física e mental; os que têm limitações físicas, mas são saudáveis cognitivamente; ou ainda os que precisam de ajuda para tudo funcionar, corpo e mente.

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Bem, tendo isso em vista, fica mais fácil entender que não há receita de bolo para conduzir esse processo de quarentena com idosos. Na verdade, isso depende mais da gente do que deles. “A forma como os cuidadores, sejam os filhos, os netos ou algum profissional, encaram a situação é como os mais velhos lidarão com ela também. Se você está otimista, pessimista, ansioso, estressado, eles provavelmente assim o ficarão”, afirma Carolina.

Fique atento ao que você, cuidador, está sentindo

O olhar sincero para os nossos sentimentos é fundamental para não cobrarmos deles aquilo que falta na gente. Por vezes, queremos lhes atribuir atividades só porque o ficar sem fazer nada nos incomoda, mas sequer perguntamos se eles estão confortáveis com nossas demandas ou não.

Além disso, com um ritmo de vida menos acelerado e a convivência mais próxima (mesmo que pelo celular), os detalhes que passavam despercebidos pela rotina do dia a dia ficam mais evidentes. Começamos a enxergar as limitações daqueles que nos são queridos, como as dificuldades de realizar movimentos simples, a perda de memória, a mudança de humor. Deparar-se com essa realidade traz à tona a lembrança de que os que mais amamos não vivem para sempre, o que também desperta o senso da nossa própria finitude. Muitas vezes, não queremos olhar para isso. Então, enchemos a agenda alheia numa tentativa de provar a nós mesmos que esse curso natural da existência não está acontecendo. Que nossos pais e avós ainda são aqueles jovens da nossa infância e adolescência, saudáveis, ativos, enérgicos.   

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Não é momento de propor novidades

Exercícios físicos são importantes, sim, mas essa não é a hora de inseri-los na rotina de um idoso sedentário. Sem orientação adequada, ele pode acabar se machucando e complicando ainda mais sua saúde. O mesmo serve para outras atividades: se ele nunca gostou de assistir à televisão, por qual motivo o faria agora? Não é porque ele não pode ir e vir que deve se submeter a práticas nada prazerosas. Tente entender o que ele gosta de fazer, ouvir, ler. Isso dará bons indícios de por qual caminho de sugestões seguir.

Estar disponível é um presente

Reserve um momento do seu dia para estar inteiramente ali, na presença deles. Se estiverem dividindo o mesmo teto, convide-os para um café juntos, a leitura de um livro em voz alta, uma partida de dominó, uma rodada de palavras cruzadas. Conte histórias e escute as que eles têm para te contar também. Relembrem momentos especiais, causos engraçados. “A falsa sensação de disponibilidade é frustrante. Falamos para alguém “certo, estou aqui, vamos fazer algo bacana”, mas o celular toca e nossa mente se distancia. Não raro, dói mais essa percepção de ser trocado, de estar em segundo lugar, do que não ser ouvido”, diz a gerontóloga. 

Caso eles estejam longe, combine um horário para chamadas de vídeo e adapte essas vivências para a experiência digital. 

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O vaivém emocional acontece com todo mundo

Provavelmente, nossos pais e avós estão chateados por se privarem das conversas com os vizinhos, dos grupos da terceira idade, dos passeios pelo bairro, da ida à feira… Isso é normal e deve ser encarado com sinceridade emocional, não como se algo muito errado estivesse acontecendo. Se todos estamos nos adaptando à nova realidade, por que eles não estariam? O abraço do amigo, o beijo do neto, o toque do filho, tudo isso faz falta e entristece. 

Há diferentes formas de lidar com as situações

Existem alguns sinais de que algo não vai bem com alguém: choro constante, perda de apetite, falta de interesse por qualquer atividade. Mas, mesmo nesses casos, devemos ponderar antes de sair prevendo diagnósticos. “É importante que a gente observe como essa pessoa era antes. Às vezes, ela já comia pouco antes, preferia ficar mais quieta ou gostava de tirar cochilos mais prolongados, por exemplo. Estamos espantados com a mudança de comportamento ou o que nos assusta é perceber algo que nunca tínhamos notado?”, questiona Carolina.

Comece conversas positivas

Há uma infinidade de assuntos sobre os quais podemos falar que não envolvem pandemia. Idosos costumam ter outra percepção do tempo: eles enxergam um horizonte mais próximo. Por que não aproveitar esse momento para tratar de coisas positivas? Se possível, cuide para que eles não passem o dia ligados no noticiário. Compartilhe reportagens, vídeos e imagens divertidas, sensíveis, felizes. 

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E, assim, respeitando o espaço de cada um, vamos nos adequando a esses tempos de tantos desafios. Que, em breve, a gente volte a reunir os que amamos em torno da mesa para compartilhar afetos e refeições. Prometi à minha avó que farei o risoto para esse tão esperado reencontro.

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