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Encontre a esperança
Jakob Owens
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O ano que jamais será esquecido em breve caberá numa gaveta da memória. Por mais arrasador que 2020 tenha sido, ele se despede com a consciência de que cumpriu seu papel de ser mais um ciclo do tempo, com tudo o que a experiência de estarmos vivos é capaz de abarcar. Enquanto ele se esvai, nos vemos, aqui, no limiar de 2021, atordoados pelo tanto que nos escapa, por cada coisa que ainda não compreendemos num mundo em convulsão. Nesse vácuo entre o que se finda e o que ainda não nasceu, é inevitável procurar por ela, a esperança. Onde estará?

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“Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica que tantas vezes verifica-se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto”, escreveu Clarice Lispector na crônica Uma Esperança, publicada no Jornal do Brasil, em 1969, ano igualmente obscuro para o Brasil. Sei que projetamos inúmeros desejos para o ciclo vindouro. Acima de tudo, respirar livremente sem medo de adoecer e contaminar outras pessoas. Porém, não queremos que você se perca nas brumas de expectativas fantasiosas sobre o por vir e sim que agarre uma esperança que seja “concreta e verde”, como ilustrou Clarice. Bem algum pode brotar de uma esperança morta, passiva, que só sabe esperar e esperar, não é mesmo? Por outro lado, quanto se pode criar a partir de um impulso vivo, que anseia superar dificuldades, sem se furtar àquilo que está sendo deglutido agora.

Como isso é possível? Eu mesma me fiz essa pergunta em dias vacilantes, cega para essa “coisa secreta que costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber”, como confessou Clarice na sua crônica. Percebi, então, que não podia me isolar naquele momento cinza. Precisava esticar o braço e tocar pessoas. Gente de verdade que, nas horas mais soturnas, não só acreditou em dias gentis, como também agiu nesse sentido. Pois é, os seres humanos que encontrei na minha busca pela esperança têm esse traço comum: confiança na ação que aduba a transformação. A experiência prática mostrou a eles que a depuração do que incomoda ou indigna, seja no plano pessoal ou coletivo, é combustível para se gerar movimento, alternativas, superação. Assim, a esperança é absorvida por cada célula do corpo como alicerce, não devaneio. E, sem dúvida, ela é contagiosa. Se continuar aqui comigo, você também será fisgado. Pode apostar.

Do desconsolo à renovação da vida

Nessa virada cromática, do cinza para o verde, uma imagem em particular acordou não um inseto, mas toda a força da natureza adormecida em mim. No documentário O Sal da Terra, o fotógrafo Sebastião Salgado conta sua história, de menino criado no interior de Minas Gerais ao fotógrafo de renome internacional, famoso por retratar tanto as mazelas humanas como o esplendor da natureza com apuro estético e sensibilidade raras. Por décadas, Salgado registrou toda a sorte de guerras, extermínios, êxodos, fome, doenças, destruição moral e ambiental. Ainda assim, ele se embrenhava na realidade, sustentava suas lentes e seguia adiante. Acontece que o espírito humano também pode se quebrar. E o de Salgado sucumbiu após a cobertura da guerra civil em Ruanda, na África, no começo dos anos 1990. “Saí de lá sem acreditar em mais nada. Não se podia sobreviver a algo assim. Quantas vezes pus as câmeras no chão para chorar com o que eu via”, desabafa.

O que fazer depois de Ruanda?, indaga Win Wenders, diretor e narrador do documentário. É quando surge na tela a fazenda herdada do pai, no Vale do Rio Doce, Minas Gerais. Colinas e mais colinas de terra batida, cerca de 600 hectares completamente pelados. O cenário da infância degradado pelo desmatamento. Ou, como Lélia Wanick Salgado, editora e esposa do fotógrafo, aventou: espaço para o reverdejar.  O impulso para reerguer o ânimo da família com as próprias mãos originou, em 1998, o Instituto Terra. Até dezembro de 2019, foram plantadas na Reserva Particular de Patrimônio Natural mais de 2 milhões de mudas de árvores, contabilizando mais de 290 espécies nativas de Mata Atlântica.

Sebastião admira a propriedade do alto de um platô e na sua simplicidade expressa a satisfação de ver todas aquelas árvores juntas. Conta que, quando menino, ele e as irmãs faziam piquenique embaixo da pequena cascata que jorrava o ano todo ali. Por causa do desmatamento, ela desapareceu, mas, agora, não há lamento na voz dele. “Essa mata é jovem, ainda precisa de muita água. Mas, daqui a 10, 15 anos, quando o crescimento se estabilizar, tenho certeza de que teremos uma bela cascata aqui de novo”. Não sei você, mas eu consigo ouvir o rugido dessa cascata. Ainda que ela só venha a existir no futuro, já corre dentro de mim. Deve ser obra da esperança refletida nos olhos azuis de Sebastião Salgado.

Força que vem da ancestralidade

Partindo da Mata Atlântica, convido você a desembarcar na Amazônia, casa do líder indígena Biraci Júnior Yawanawá. Ele e sua gente, o povo Yawanawá, vivem em oito comunidades distribuídas por 198 mil hectares da Floresta Amazônica, próximos à fronteira com o Peru.  Atualmente, os Yawanawá desfrutam de autonomia tanto econômica quanto espiritual. Difícil imaginá-los nesse contexto se pensarmos que 50 anos atrás eram duplamente explorados. De um lado, viviam escravizados pelos seringueiros que ocuparam o território e se valiam da mão de obra indígena para extrair látex. Do outro, missionários evangélicos americanos impunham sua religião e demonizavam as medicinas e as cerimônias dos povos nativos. 

Desde o início do contato com o homem ocidental, nossa esperança era saber que tínhamos a nossa história, cultura, ancestralidade, essência. Mas não adiantava ter só esperança, era preciso correr atrás daquilo que se almejava. Esse foi o legado da geração do meu pai”, diz o líder indígena. O movimento a que ele se refere começou a se desenhar nos anos 1980, quando jovens da tribo, enviados à cidade para estudar — entre os quais o cacique Biraci Brasil, pai de Biraci Júnior —, se aproximaram de ONGs e sertanistas. Assim, se reapropriaram de seus direitos e conquistaram a demarcação da Terra Indígena Rio Gregório, em 1983. 

Biraci, entretanto, fala de um lugar que nunca se viu abandonado pela esperança. “Esse é um tipo de problema que o povo da floresta não enfrenta com tanta intensidade quanto os ocidentais, porque vivemos dentro da simplicidade, com o que a gente precisa para sobreviver. Nossa Mãe Terra cuida da gente, nos dá tudo de graça. Tudo o que ela pede é que a gente continue cuidando dela”, argumenta. Segundo ele, todo ser humano pode se ligar às dádivas concedidas pelo Criador, bênçãos que pulsam dentro de nós. “A maioria das pessoas que perderam a esperança se desconectaram delas mesmas. A humildade, a paz, a harmonia, o amor, o compartilhar são poderes que estão ao alcance de todos. Se as pessoas soubessem acessá-los em seu interior, o mundo estaria em outro momento. Estaríamos caminhando sobre essa Terra com sabedoria e gratidão”, ele vislumbra.

Ao compreendermos a vida dessa maneira, podemos enxergar as coisas simples que realmente nos nutrem e dão sentido aos nossos dias. Daí vem a força para cuidarmos de nós mesmos e dos outros. “Se todo mundo fizer isso, veremos uma mudança gigantesca no planeta. Teremos vontade de continuar vivendo nessa terra, que é o que todo mundo precisa”, arremata.

Quem mora na cidade e se sente distante da simbiose com a natureza que viceja porta afora pode prestar atenção à natureza do seu próprio ser. Ela tem um jeito sutil, mas muito efetivo, de estreitar a cumplicidade conosco. Pode reparar. Você se surpreenderá com as incontáveis tentativas que ela faz para não cedermos ao desencanto diante das atribulações do cotidiano

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Luciana Chammas, fundadora do Instituto Healing, que, desde 2010, cria e gerencia projetos sociais na área das práticas integrativas e complementares, também acredita que a esperança se alimenta do cuidar. Os projetos do Instituto capacitam agentes de saúde para trabalharem com terapias naturais em suas comunidades, em geral, locais distantes dos grandes centros e periferias das metrópoles.

Para se ter ideia, nesses dez anos de atuação, mais de 1000 agentes de saúde foram treinados pela iniciativa e mais de 30 comunidades contempladas, entre ribeirinhas, indígenas, quilombolas e periféricas urbanas. Anualmente, mais de 6 mil atendimentos são realizados. Onde há dor e exclusão, também há perspectiva de superação das adversidades a partir do cuidado de si. 

Percebo que existe fé na vida, independente dos desafios que se apresentam a essas comunidades. Aprendi com essas pessoas que acreditar na vida faz com que, entre o desespero e a esperança, a segunda opção seja mais consciente e saudável”, analisa Luciana. O porquê da aposta instintiva na esperança recoloca a simplicidade no radar. Pois bem, a gestora social delineia uma hipótese que pode nos servir de alerta. Ela conclui que aqueles que contornaram a armadilha de pensar que são seres especiais e destacados da natureza resistem melhor às intempéries da existência. “O rio, quando encontra um obstáculo, desvia. Por que elas agiriam de forma diferente?”, ela indaga.

É cabível supor que, ao se abrir a janela de casa e testemunhar os ciclos de regeneração da vida e não a “força da grana que ergue e destrói coisas belas“, como versou Caetano Veloso, a singeleza, a espontaneidade e o amor consigam se alastrar com mais facilidade no dia a dia. “Assim, nascimento, vida e morte estão sempre lá: seja numa planta, num animal ou mesmo no rio”, sublinha Luciana. Em suas andanças pelo interior do país, a gestora social colecionou atitudes positivas de compaixão, solidariedade, criatividade e superação entre pessoas que zelam por seus vínculos, valorizam a proximidade calorosa de um vizinho, de um parente, de um colega de trabalho, porque enxergam os fios que unem o todo. 

“Ao mesmo tempo em que vejo os desafios, percebo que essa reação é natural para muitas pessoas: a nossa essência é boa! Temos ainda a sorte de viver num planeta lindo, que não se cansa de nos presentear com diferentes manifestações da vida a cada momento. Como não se sentir esperançosa e motivada diante desses fatos?”, enaltece. 

Luciana trabalha no terceiro setor há tempo suficiente para mensurar quão fundo pode ser o desalento humano. Portanto, longe de ser ingênuo, seu entusiasmo é empírico e palpável. “Percebo como um pequeno movimento gera uma transformação imensa. Isso alimenta a esperança, que, segundo o Dr. Edward Bach, criador dos Florais de Bach, é antídoto contra o medo, a tristeza e a aflição. Em suma, um círculo virtuoso”, ela garante.

“A maioria das pessoas que perderam a esperança se desconectaram delas mesmas. A humildade, a paz, a harmonia, o amor, o compartilhar são poderes que estão ao alcance de todos. Se as pessoas soubessem acessá-los em seu interior, o mundo estaria em outro momento. Estaríamos caminhando sobre essa Terra com sabedoria e gratidão”, ele vislumbra.

Podemos reconstruir os caminhos

Quem mora na cidade e se sente distante da simbiose com a natureza que viceja porta afora pode prestar atenção à natureza do seu próprio ser. Ela tem um jeito sutil, mas muito efetivo, de estreitar a cumplicidade conosco. Pode reparar. Você se surpreenderá com as incontáveis tentativas que ela faz para não cedermos ao desencanto diante das atribulações do cotidiano. Bel Cesar pode falar muito bem sobre isso. Psicóloga, que atua sob a perspectiva do Budismo Tibetano, também especialista no tratamento do estresse pós-traumático e no acompanhamento daqueles que enfrentam a morte, ela publicou, em 2018, seu oitavo livro: Câncer – Quando a Vida Pede por um Novo Ajuste (Gaia).

Na obra, ela compartilha sua experiência pessoal com o tratamento do câncer de tiroide e dedica boas linhas à forma como cuidou do seu mundo psíquico e emocional durante esse percurso. Como leitora, peguei em sua mão e honrei a maneira com que ela acolheu a própria vulnerabilidade, se cercou de pessoas queridas e confiáveis, além de profissionais qualificados, e respeitou seu tempo interno para só então tomar decisões.  Assim a esperança se manteve acesa durante esta travessia incerta como o enfrentamento de toda doença

Como estudiosa da psique e praticante do Budismo Tibetano desde 1987, a psicóloga confia na capacidade humana de sair da paralisação após um trauma ou dificuldade maior. Situações que podem “congelar” uma pessoa, porque foram intensas, rápidas ou prematuras demais para serem suportadas.  “Esta é uma proteção instintiva de nosso corpo-mente. O que é maravilhoso é que quando esta pessoa encontra outra ou um grupo e um lugar seguro e seu corpo é capaz reconhecer esta segurança, ela começa naturalmente a sair da paralisia. Quer dizer, é natural do ser humano buscar por uma saída, superar os obstáculos”, atesta Bel.

Não importa a intensidade do baque, qualquer pessoa que se dedique ao seu processo de cura pode voltar a enxergar caminhos com clareza, gestar novas ideias, sentir circular sob a pele a vontade incontrolável de recomeçar e se lançar na vida. “Quando a segurança interna está estabelecida, surge a necessidade de correr o risco de romper, de lutar contra os limites. O ser humano é um ser em abertura!”, defende Bel. Entre o desespero e a esperança, ela também nos encoraja a agarrar a segunda opção. 

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