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Transtornos alimentares e redes sociais: como se proteger
Mikoto | Pexels
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Os dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que cerca de 5% da população brasileira convive com algum tipo de transtorno alimentar, algo em torno de 10 milhões de pessoas. O surgimento dos problemas pode tanto ter fatores psíquicos, socioculturais, hormonais ou até mesmo genéticos. Por afetar mais mulheres, que representam cerca de sete a oito casos a cada homem diagnosticado, os transtornos alimentares costumam ser provocados pela busca por um corpo considerado “perfeito” pela mídia.

Um levantamento da revista científica Plos One, publicado em novembro do ano passado, analisou os conteúdos sobre alimentação, nutrição e peso no TikTok dos Estados Unidos. Como resultado, mostrou que 44% dos vídeos abordavam a perda de peso e 20% a transformação corporal. Por outro lado, apenas 1,4% do milhares de conteúdos foram publicados por nutricionistas certificados, o que mostra a existência de um problema ainda mais profundo: o uso de redes sociais por profissionais não qualificados para debater questões como alimentação, emagrecimento e a busca por um peso considerado ideal.

Uma rápida busca na hashtag #Perdadepeso no TikTok mostra uma criadora de conteúdo abordando a transição após perder quase 50kg, exercícios para perder gordura na barriga, receitas de “alimentos milagrosos”, além de vlogs sobre rotinas alimentares e exercícios físicos. Para a psicóloga Beatriz Breves, a presença de conteúdos desse tipo pode estimular um comportamento nocivo aos usuários, porque estimula um padrão corporal específico e pode levar à perda da autoestima.

“Uma visão que, ao negar o reconhecimento humano em sua complexidade bio/psico/social, leva a pessoa a se negar como um ser único, individualizado e sensível em seus sentimentos, sensações, sonhos, pesadelos, o que tende a gerar muito sofrimento”, explica ela, que é mestre em Psicologia pela American Word University (AWU/Iowa/USA).

As redes sociais e a preocupação com o corpo

A presença da defesa por corpos magros na mídia e, mais recentemente, nas redes sociais, tem levado as pessoas (especialmente adolescentes) a perseguirem um padrão idealizado para seus corpos.

Para a psicóloga Luciene Bandeira, diretora de saúde mental da Conexa, as redes sociais são hoje um dos maiores mecanismos de comunicação e acesso rápido às mais diferentes informações, especialmente relacionadas à beleza e à saúde. O surgimento de influenciadores, por exemplo, e a monetização do conteúdo publicitário nas plataformas, ajudam a criar um ecossistema que privilegia a busca por práticas como atividades físicas que auxiliam a perda de gordura, pílulas, medicamentos, receitas e estilos de vida inalcançáveis.

“Em uma sociedade na qual corpos fortes e magros são superestimados, é comum as pessoas ficarem extremamente insatisfeitas com sua aparência. A imagem corporal abrange a percepção, a emoção, os sentimentos e os pensamentos em relação ao próprio corpo”, explica Luciene.

“Na sociedade em que vivemos, é comum ver muitas pessoas tentando se adequar ao que é considerado um ‘padrão ideal de beleza’ e, quando não conseguem, desenvolvem insatisfação com sua imagem corporal“, constata a psicóloga. Em decorrência desses fatores, o crescimento nos casos de transtornos alimentares passa a estar diretamente associado à maneira como os conteúdos são veiculados nas plataformas digitais.

Apesar de fatores genéticos serem importantes para mensurar um diagnóstico desse tipo, a incidência maior em adolescentes e mulheres revelam um fator ambiental muito mais prejudicial e que precisa ser levado em conta no atual momento histórico que vivenciamos.

Desde a última década é crescente o número de pesquisas na área da saúde, principalmente devido ao aumento da incidência de transtornos alimentares que são gerados principalmente por motivos psicológicos. Os tipos mais comuns de transtornos alimentares são a bulimia, a anorexia e o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) por alimentos”, é o que conta Danielle Toledo, nutricionista e especialista em transtornos alimentares.

A produção em série de corpos iguais

Ao longo do desenvolvimento da espécie humana, diferentes fatores genéticos influenciados pelo ambiente proporcionaram a existência de uma diversidade imensa de comunidades e povos com características corporais que se diferenciam. É natural que algumas pessoas sejam mais altas, outras mais baixas, com maior ou menor facilidade para engordar, tipos de cabelo e cores de peles diferentes.

Mas, não é de hoje que as mais diferentes sociedades costumam valorizar a aparência do estereótipo branco, de olhos claros, cabelo liso, alto e sem nenhuma deficiência. Um perfil pequeno que pouco representa a variedade de corpos. Ainda assim, as campanhas publicitárias e redes sociais costumam priorizar uma maior presença de imagens e vídeos que associam o ideal de corpo a esse tipo de pessoa, o que costuma gerar insatisfações sobre a nossa própria aparência.

“Na sociedade em que vivemos, é comum ver muitas pessoas tentando se adequar ao que é considerado um ‘padrão ideal de beleza’ e, quando não conseguem, desenvolvem insatisfação com sua imagem corporal”, conta Beatriz Breves. O problema continua porque não basta alcançar um corpo ideal, mas mantê-lo constantemente para se sentir aceito e incluído na sociedade, “eliminando a possibilidade do reconhecimento dos reais valores pessoais, fazendo-se um gerador de conflitos e insatisfações internas”, acrescenta a psicóloga. Alimentar esse ciclo pode despertar sentimentos como infelicidade, insatisfação e frustração.

Luciene Bandeira lembra que podem ser encontrados fatores positivos nas redes sociais, como o intercâmbio cultural, o contato com pessoas geograficamente distantes ou o acesso a informações que não são encontradas com facilidade na região onde determinada pessoa mora, embora isso tende a ser contraposto pelos malefícios provocados pelos conteúdos que circulam nas plataformas. “Todos esses conteúdos presentes na internet (tanto do estilo de vida de um(a) influencer até uma simples propaganda podem ser um gatilho para fatores de insatisfação e baixa autoestima, especialmente em momentos de vulnerabilidade biopsicossocial, aumentando o risco do desenvolvimento de um transtorno alimentar”, alerta a psicóloga.

Além disso, a própria exposição prolongada a imagens podem dar vazão a sentimentos ainda mais profundos de questionamentos da própria percepção corporal e idealização da vida das pessoas que acompanhamos nas redes sociais. “Absorvemos a informação sem pensar que em uma foto de um corpo idealizado como padrão pode haver inclusive edições, colocações específicas de ângulos e toda uma vida diferenciada do personagem da foto, que, provavelmente, não vive a mesma realidade de todas as pessoas que visualizam suas postagens”, lembra Danielle Toledo.

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Mulheres e jovens na mira

Os transtornos alimentares costumam acometer especialmente adolescentes e mulheres, que são mais expostas e vulneráveis aos estímulos de imagem e à pressão para alcançar um corpo considerado perfeito. Entre os mais comuns no mundo estão a bulimia (se caracteriza por um consumo excessivo de alimentos aliado à culpa, o que gera estímulos à indução ao vômito ou diarreia) e a anorexia (preocupação exagerada com o peso corporal, recorrendo a exercícios físicos intensos e dietas para emagrecer). “Ambas possuem sintomas em comum: distorção de imagem corporal, medo patológico de engordar e uma ideia que envolve a preocupação exagerada com o peso“, explica Luciene Bandeira.

A psicóloga acrescenta que as principais características de pessoas com transtornos alimentares costumam ser:

  • impulsividade,
  • pensamentos e emoções desadaptativas,
  • autoestima flutuante ou baixa,
  • busca intensa de estímulos e experiências novas,
  • uma intensa preocupação com o peso e com a imagem corporal.

“Adolescentes e mulheres são o público mais atingido, podendo adotar comportamentos que prejudicam o próprio corpo com práticas inadequadas de perda de peso e/ou procedimentos estéticos invasivos e perigosos na busca pelo ideal de corpo perfeito”, explica a profissional.

Outro fator é associação existente entre busca pela beleza e autoestima, que frequentemente caminham juntas e se alimentam uma da outra. A existência de uma baixa autoestima acaba sendo associada a insatisfações com o corpo e com a aparência, considerada inadequada. “A apresentação dos corpos magros e sarados nas redes afeta demasiadamente o gênero feminino quando vem a percepção de que o ideal é sinônimo de perfeição e que perfeição não existe, o que torna essa busca inalcançável”, conta Danielle Toledo.

Na outra ponta, os jovens costumam usar as redes sociais como uma das ferramentas para a formação da identidade, onde acompanham pessoas que as inspiram, mas também recebem uma receita do que mais ou menos seria uma pessoa bonita, bem-sucedida e aceita socialmente. “Ao fazer comparações com os outros (influenciadores famosos ou amigos quase anônimos), o que aparece publicado e o que se apreende das imagens e postagens pode pesar na forma de se enxergar e de se perceber no mundo“, conclui a nutricionista.

Autoaceitação é ingrediente fundamental

Em meio a tantas hashtags que enaltecem o emagrecimento e a perda de peso, influenciadores, coletivos e organizações que atuam na internet deram início a diferentes movimentos e comunidades que estimulam a diversidade de corpos e um olhar mais afetuoso para a sua aparência, esteja ela ou não dentro do padrão que as pessoas esperam. Por outro lado, não há malefício algum quando se busca uma mudança corporal e isso gera prazer ou bem-estar, como defende a psicóloga Beatriz Breves. “Não vejo necessariamente sofrimento no fato de uma pessoa querer ser mais bela, buscar maneiras de se sentir melhor consigo mesma“, explica.

“A autoaceitação é o ingrediente fundamental para a receita para o bem-estar psicológico. Ela permite que você se sinta bem consigo mesmo, mesmo com as falhas, erros e frustrações que todos nós temos. Basta uma visão positiva de quem você realmente é e principalmente de se sentir muito bem com isso”, lembra Danielle Toledo. “Ser saudável não é somente ter um corpo magro, sarado e escultural, mas sentir-se feliz e bem consigo mesmo, sem recorrer às tantas ilusões da ditadura da beleza. O importante é encontrar o equilíbrio na busca do bem-estar do corpo, mente e espírito”, conclui a nutricionista.

Por uma relação saudável com as redes sociais

Com o cenário preocupante que mostra uma piora cada vez maior na relação entre transtornos alimentares e plataformas digitais como as redes sociais, visualizar uma relação de maior conexão, autocuidado e autoestima parece até difícil de ser imaginada, mas não impossível. Fazer uma espécie de período sabático das redes sociais pode ser um caminho inicial para recolocar nossa cabeça no lugar e entender que o mundo digital não pode nos dominar. Outro passo é realizar uma curadoria das pessoas que seguimos nesses espaços. Pergunte-se: elas contribuem de forma positiva para a minha saúde mental? Trazem informações pertinentes e responsáveis sobre os temas pelos quais tenho interesse?

Para as especialistas ouvidas pela reportagem, a busca por um ecossistema de bem-estar e saúde mental é fundamental para que tenhamos uma vida alinhada com as nossas reais necessidades e interesses. “A grande maioria das pessoas costuma ignorar que há em seu interior um universo psíquico tão extenso quanto o externo, com mais de 600 sentimentos interagindo em uma dinâmica interna entre si“, comunica Beatriz Breves. Algumas alternativas simples, como desativar as notificações que não são importantes, são um passo importante a ser dado, como mostra Danielle Tolledo.

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