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Além do prato: entenda como o veganismo pode salvar o planeta
Miika Laaksonen
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Uma pessoa vegana é aquela que decide não consumir alimentos com ingredientes de origem animal (carnes, leite, ovos) e rejeita produtos testados em animais não humanos, correto? Essa frase não está errada, mas também não está completa. A ideia aqui é apresentar – justamente – as intersecções entre o veganismo e diferentes reivindicações sociais. Além de uma alimentação baseada em vegetais, há uma luta histórica e política que dá corpo a esse movimento que cresce no Brasil.

Falar sobre o assunto ainda não é tão simples. Há pessoas que não compreendem o veganismo e outras tentam entender como sobrevivem aqueles que não comem carne. A sua avó, ou seus pais, devem fazer inúmeras perguntas sobre o tema.

Afinal, como alguém vive sem carne, frango, peixe, ovos, leite, iogurte e queijo? “Mas que maluquice”, é o que costumamos pensar em um primeiro momento. Olhar para a questão vegana com empatia e respeito pode te ajudar a compreender o tema, mesmo que você não concorde.

Vitor Ávila, militante antiespecista (conceito que explicamos a seguir) e criador de conteúdo no YouTube, explica que dialogar com as pessoas sobre veganismo exige uma análise das diferentes camadas sociais. Conversar com o feirante do bairro, com um colega da universidade ou com um parente mais velho exige estratégias de comunicação diversas.

Ele, que já tentou dialogar com trabalhadores em uma fazenda de leite e pessoas de diferentes espectros políticos, atesta que nem sempre é fácil. “Varia muito de caso a caso. Eu tento alinhar meu discurso com os valores e o contexto de vida da pessoa com quem eu estou conversando“, explica.

Você sabe o que é especismo?

Dificilmente as pessoas costumam fazer perguntas para fenômenos que já estão naturalizados na sociedade, como as questões ligadas à alimentação. Aliás, por que consumimos carne e qual o motivo dela ser tão frequente no prato do brasileiro? A resposta é complexa e há muitos fatores que ajudam a compreender isso, mas um deles é o especismo.

Em um breve resumo, podemos dizer que o especismo é a valorização do ser humano enquanto espécie superior em relação aos demais animais. É o sistema de opressão baseado na espécie. Não é uma posição individual, é algo sistêmico“, explica a cozinheira e militante antiespecista Sandra Guimarães. 

Ela, que é integrante da União Vegana de Ativismo (UVA) e atuante em movimentos políticos e sociais em Paris, cidade onde mora, destaca que esse sistema cria uma estratégia de valorização das vidas de acordo com a espécie. “O especismo justifica e legitima a opressão de todas as espécies pelos seres humanos“, defende Sandra. 

Veganismo não é só dieta

A cultura e história da alimentação mostram que a diversidade de comida no planeta beira o infinito com diferentes plantas, povos e tradições culturais. Por isso, é provavel que um prato tradicional do povo Yanomami na Amazônia seja completamente diferente do que o povo Anishinaabe no Sul do Canadá costuma consumir.

“Não existe apenas uma forma de existir e de se alimentar”, explica a militante antiespecista Bárbara Miranda. “As dietas variam de lugar pra lugar no mundo e mostram que não existe apenas uma alimentação correta. Sendo assim, o veganismo não pode ser incluído como dieta e visto apenas como tal. Não é sobre o que se come, mas sobre o que se deixa de comer e a motivação por trás disso”, acrescenta.

Ela, que é host dos podcasts Outras Mamas e Hora do Abacate, tenta desmistificar e apresentar perspectivas plurais sobre o veganismo. “Se a pessoa argumenta que o ser humano está no topo da cadeia alimentar, existem argumentos cientificamente comprovados que dizem o contrário“, defende. “E aí não é sobre o fato ser verdadeiro ou não, mas sobre se a pessoa está aberta ao diálogo pra ver as coisas sob outras perspectivas“, conclui.

Ética e consumo no veganismo

Esse discurso ajuda não só a construir uma cultura alimentar baseada no consumo de animais, mas também um processo de exploração dinâmico e complexo.

A atuação do especismo pode ser vista no uso de animais para testes em cosméticos, no incentivo à caça predatória e na extinção em massa da fauna do planeta Terra. Este último, um fenômeno que impacta todo o ecossistema global.

No entanto, quais os caminhos para adotar uma maior consciência ética em relação aos animais? Sandra Guimarães explica que é fundamental ter uma dimensão coletiva do problema e atuar de forma conjunta, em parceria com diferentes atores.

“As pessoas que se opõem ao especismo e buscam construir um sistema de organização social em que o interesse de todas as espécies sejam considerados são antiespecistas. E a estratégia que a gente usa é o veganismo, a prática de solidariedade política com outros animais”, destaca.

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Mercado vegano

Além do não consumo de carnes, leite e derivados no prato, coletivos veganos também se preocupam em não adquirirem produtos testados em animais. Vale lembrar que roupas, botas ou bolsas de couro também fazem parte dessa lista. Mas a prática não para por aí e envolve uma preocupação política com o futuro do planeta, especialmente em sua vertente mais progressista, conhecida como Veganismo Popular.

Nesse sentido, há um maior apoio a produtos agroecológicos, à moda sustentável e circular, à agricultura familiar e o respeito a um ritmo de vida que esteja em sintonia com o bem-estar do planeta.

Hoje, 70% do que comemos no Brasil vem da agricultura familiar. São essas pessoas que nos alimentam”, define Sandra Guimarães. 

Ainda assim, você já deve ter visto no supermercado alguns produtos considerados veganos nas prateleiras. Talvez um tofu, um queijo de castanha de caju, leite de amêndoas ou hambúrguer de soja. Para Vitor Ávila, esse debate sobre o apoio ou não a produtos ultraprocessados veganos é complexo, mas não se pode negar que há uma certa popularização do veganismo a partir deles.

“Dá a impressão de que, para uma pessoa ser vegana, ela precisa comer essas ‘alternativas'”, explica o militante. “Ao mesmo tempo, esses produtos são o primeiro contato de muitas pessoas com uma desmistificação do veganismo, no sentido de a pessoa provar e pensar ‘caramba não sabia que dava pra fazer uma coisa vegana tão parecida com o que eu já estava acostumado a comer'”, acrescenta.

Para ele, é importante ter a consciência de que novos produtos vegetais ultraprocessados no mercado não resolverão o problema do especismo. Tampouco fará com que todas as pessoas se tornem veganas. “No entanto, isso precisa ser feito sem uma demonização irracional“, justifica.

Veganismo e outras pautas

Além da defesa de uma pauta focada na sustentabilidade e que apoia uma transição ecológica no planeta, o veganismo é e precisa ser um parceiro para as diferentes transformações sociais em curso no Brasil. É o que avaliam os ativistas entrevistados para esta matéria.

Para Sandra Guimarães, os movimentos veganos precisam ser companheiros importantes para ações de soberania alimentar, valorização da cultura alimentar, repartição justa da terra e de combate à fome. Além disso, o veganismo contribui para a melhoria na saúde da população e é, segundo a militante, a única maneira de frear a catástrofe ambiental, o colapso climático e a extinção em massa de espécies.

Ela, que cresceu na periferia de Natal, capital do Rio Grande do Norte, mostra que uma alimentação vegetal é muito mais prática e saudável do que parece, especialmente no Brasil. A abundância de frutas, vegetais e verduras ajudam a contribuir para uma cultura alimentar mais próxima dos alimentos produzidos no território onde as pessoas vivem.

O futuro que eu quero é vegano, mas não tem ultraprocessados.  Tem vegetais frescos e sem veneno na mesa de todas as pessoas, independente da classe social“, conclui Sandra. 

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