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Voluntariado: espaços de inclusão e aprendizagem
Cristi Tohatan
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Nas mais diferentes religiões, a coletividade e o voluntariado são elementos fundamentais para as comunidades e organizações funcionarem em harmonia, afinal, somos seres interdependentes e que dificilmente conseguiríamos sobreviver sozinhos em um lugar. Da mesma forma, não só na espiritualidade, mas no próprio funcionamento da sociedade, somos influenciados diretamente pelas pessoas que nos despertam para o mundo e para aquilo que sempre sonhamos, mas tivemos medo ou receio de conquistarmos.

Ao mesmo tempo, também podemos ser essas pessoas, que inspiram, motivam e são agentes de transformação do planeta, seja em um projeto comunitário, na integração de pessoas pertencentes a diferentes culturas ou desenvolvendo iniciativas inovadoras em regiões empobrecidas. Em O menino que descobriu o vento (Netflix), a história do jovem William Kamkwamba é contada pelo seu invento que revolucionou a economia local do vilarejo onde vivia no Malawi, turbinas eólicas que possibilitaram a irrigação do território e a sobrevivência da lavoura – afetada pela seca – na época (2001).

Usando árvores de goma azul, partes de bicicletas e materiais coletados em um ferro-velho local, William criou um equipamento inovador que gerava energia a partir do vento, o que lhe rendeu prêmios e uma bolsa para estudar na Dartmouth College, nos Estados Unidos.

Histórias como essa nos levam de volta ao início do texto, alguns poucos parágrafos atrás, onde lembramos da coletividade como um motor de transformação insubstituível para a sociedade. Mas como podemos fazer parte disso? Há diferentes caminhos, trajetórias e possibilidades para sermos agentes ativos no mundo que queremos construir. Sem culpa, podemos contribuir com o tempo e os recursos que temos disponíveis – afinal, temos tarefas a cumprir, família, amigos e outras limitações -, em um “trabalho de formiguinha” que vai dando forma a uma nova sociedade construída pelas mãos de muitas pessoas.

Camilla Lifer e a arte em parede

Motivada pelo voluntariado e experiências de trocas culturais, Camilla Lifer mal pode esperar por ter uma oportunidade do tipo durante a sua adolescência. Aos 18 anos, data em que finalmente poderia realizar um intercâmbio para outro país, Camilla – que hoje mora na cidade de Fortaleza – foi até o México por meio de um programa de voluntariado, a AIESEC, um projeto internacional que une jovens estudantes em experiências globais.

Ah, vou viajar e contribuir com o mundo ao mesmo tempo em que eu viajo“, foi esse o pensamento da artista na época em que decidiu deixar o Brasil para ser professora de artes no voluntariado em que havia se inscrito. “Quando eu retornei [do México] foi um processo natural em que voltei a desenhar, sem ter muita intenção de trabalhar com aquilo”, conta Camilla, que havia deixado essa paixão um pouco no escanteio durante a adolescência.

Foi em 2018, um ano após o voluntariado no México, que a jovem decidiu – de forma despretensiosa – criar um Instagram onde compartilhava suas artes e desenhos, ainda com um pouco de timidez e com medo do que as pessoas poderiam achar. Mas não deu outra, logo as pessoas começaram a perguntar quanto custavam as suas produções e onde encontrá-las.

Apesar de já ter percebido na época que isso poderia se tornar um negócio, Camilla só veio despertar para o trabalho artístico em 2019, quando fez um segundo voluntariado para Moçambique. Na época, ela havia trancado o curso de arquitetura e urbanismo na universidade onde estudava e precisava buscar o seu propósito. “Eu senti uma vontade de ser útil para o mundo”, conta a artista, “eu poderia ir para um lugar dessa vez que as pessoas nunca vão”, explica ela sobre como decidiu Moçambique para ser a sua casa durante dois meses.

Camilla está sentada no chão olhando para um mural escrito "seu corpo é o seu maior bem, ele reflete a alma" Foto: Arquivo pessoal

Naquele momento, o país estava devastado pelo ciclone Idai, que matou mais de 1.000 pessoas e afetou a vida de centanas de milhares no país e em outros lugares, como Malawi, Zimbábue e Madagascar. Lá, Camilla pode atuar como voluntária às pessoas atingidas pelo desastre, especialmente em um orfanato para crianças e adolescentes da região onde morou.

Apesar das companhias e das amizades que se formaram na região, a artista também encontrou grandes desigualdades sociais, como a concentração de renda nas famílias moçambicanas mais ricas e os déficits no tratamento de água, que quase sempre representavam um risco ao consumo, especialmente em um momento em que a infraestrutura do país estava afetada pelas condições climáticas.

Ainda assim, foi ali onde Camilla decidiu voltar para o Brasil com algo decidido em sua vida: trabalhar com arte em parede. “Eu me senti vibrando muito forte, apareceram certezas na minha vida que eu nunca tinha enxergado antes“, conta entusiasmada. E a diferença entre o México e Moçambique na vida dela? “O México foi o despertar da arte em mim e Moçambique foi tipo ‘nossa quero trabalhar com isso de fato‘”, acrescenta.

Para ela, um pouco do que viveu nos dois países ajuda nos seus contornos e estilos no desenho, “eu sinto que toda vez que a gente vive uma coisa nova o nosso traço muda, porque a arte é muito aquilo do que a gente é“, conta Camilla.

Uma das coisas das quais não se esquece é o contato com o estudante Rubem, que vivia no orfanato em Moçambique. Com deficiência visual e sentindo-se distante dos demais, Camilla decidiu unir o jovem ao desenho, que aos poucos foi se integrando ao processo e dando forma àquilo que sentia.

Hoje, a artista atua na cidade de Fortaleza e seus desenhos podem ser encontrados em diferentes lugares e espaços da capital cearense, que reúnem, cuidadosamente, todos os seus aprendizados e vivências no Brasil, México e Moçambique.

Rabiscos em folhas de papel A4 com diferentes cores. Desenhos produzidos por Rubem, com quem Camilla viveu durante o seu voluntariado em Moçambique. Foto: Arquivo pessoal

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As experiências de pessoas com deficiência na sociedade nem sempre são das melhores, há muito preconceito, lugares pouco preparados para atenderem as suas necessidades e pessoas com visões ainda muito conservadoras sobre inclusão e espaços de convivência e aprendizagem que reúna diferentes perfis. Foram essas inquietações que fizeram surgir a ONG internacional Friendship Circle, com a visão de promover o convívio social entre crianças e adolescentes com quaisquer deficiências e jovens voluntários.

A iniciativa chegou ao Brasil pelas mãos de Beila Schapiro, que atuava na educação regular, mas, com um diploma de educação especial, sentia que faltava uma inclusão efetiva às pessoas com deficiência. “O ambiente estruturado da escola é um facilitador para a convivência diversa e heterogênea, mas dificilmente as crianças e jovens com deficiência têm um círculo de amizade estabelecido“, explica Beila. Ela, que conheceu os fundadores nos Estados Unidos, decidiu trazer a iniciativa para São Paulo e integrar jovens e crianças com deficiência, “algo que à primeira me pareceu assistencialista, poderia se tornar filantrópico. Uma transformação pra hoje, e pro amanhã também”, afirma.

“A convivência com pessoas com deficiência realmente transforma. Com o desenrolar da convivência, vislumbramos jovens voluntários abertos, respeitosos e cada vez mais empáticos”, explica Beila, que aponta também para as tranformações que ocorrem na vida dos familiares dos jovens que participam das iniciativas do projeto no Friendship Circle. “Com esta convivência quebramos diversos paradigmas e barreiras, como atitudinais, emocionais e culturais. E o preconceito e o capacitismo acabam por se reduzir“, acrecenta a fundadora da ONG no Brasil.

É assim com o voluntário Felipe Len, que se inspirou na mãe, voluntária há oito anos, e hoje faz parte do FC em São Paulo. “Eu sempre acompanhava ela nos eventos, então conhecendo um pouco do projeto, desde pequeno tive vontatade de participar, mas não tinha idade suficiente”, conta Felipe que, aos 14 anos começou a fazer parte das atividades. Hoje, com 16 anos e estudante do ensino médio, o jovem vai uma vez a cada semana na casa do Tom Tom, um amigo que conheceu por causa do projeto.

“O Friendship Circle me deu a oportunidade me tornar um herói. É muito legal parar para refletir o quão impactantes são as atitudes de alguém que está disposto a realmente ajudar”, conta Felipe. “Eu tenho um sentimento de dever cumprido toda vez que chego na casa do Tom Tom e me deparo com um sorriso verdadeiro“, explica o jovem, que neste ano teve a missão de produzir um vídeo para a confraternização da equipe do Friendship Circle em 2022. “O mais lindo foi ver a reação das crianças e adolescentes ao se verem no vídeo. No final vários quiseram subir no palco, agradecer e dar seus depoimentos”, explica o estudante.

Felipe Len e Tom Tom estão dentro de um carro e olham para a câmera. eles são brancos e olham sorridentes para a câmcera. voluntariado Felipe Len e Tom Tom, amigo que conheceu a partir do Friendship Circle. Foto: Arquivo pessoal

A entrada na organização precisa passar por algumas etapas, como a apresentação da proposta da ONG, uma capacitação com os jovens voluntários, além de compreender o tempo disponível e as atividades que cada participante melhor se encaixa. Hoje, há programas como o Amigo em Casa, Amigo Virtual, Círculo de Inclusão, Clube do Aniversário, Dia da Alegria, entre outras atividades. “O Friendship trabalha incansavelmente para que a inclusão da pessoa com deficiência seja elevada ao status da ferramenta mais poderosa de desenvolvimento social“, explica Beila Schapiro.

Hoje, Felipe Len atua junto com um amigo, Allan Cohen, no projeto Figurinha para Todos. “Ao ver o alto custo das figurinhas e a alegria da brincadeira de colecionar, ele [Allan] criou o projeto para dar essa oportunidade para crianças que não tem condições de comprar”, conta Felipe. “Acredito que essa nossa parceria no Friendship, nos trouxe esse olhar solidário, a vontade de ajudar e a consciência de como fazer o bem faz bem“, conclui o jovem.

Para Beila, o papel do Friendship Circle hoje vai desde a superação do capacitismo até transformações importantes na vida dos participantes. “Os benefícios por parte das pessoas com deficiência são quase que incalculáveis. Vão além da superação de barreiras e capacitismo”, explica Beila. “Tornam-se protagonistas, pessoas empoderadas para ocuparem seus espaços na sociedade”, conclui.

“Tive um aprendizado gigantesco com Friendship. Minha relação com o Tom Tom, fez eu me transformar como pessoa na sociedade. Sinto que sou mais responsável, empático e que tenho uma mente mais aberta”, é o que diz Felipe em uma de suas respostas sobre a sua atividade no Friendship Circle.


E você, conhece outras iniciativas ou projetos de voluntariado pelo país?  Conta para a gente nos comentários.

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