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Linguagens que se cruzam: sintonia entre poesia e programação
Arquivo pessoal / Soraya Medeiros
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Soraya Roberta exibe um sorriso sincero, acolhedor e que transmite a sua determinação e força de vontade. A doutoranda em Ciência da Computação pelo Centro de Informática (CIn) da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE) trilhou diferentes caminhos até chegar nas terras do frevo, da dança do Coco e do sotaque particular dessa terra.

Recentemente, o rascunho do seu livro “Meu Primeiro Print“, um projeto que reúne em e-book alguns dos seus poemas produzidos em linguagem algorítmica, foi lançado. “Resolvi juntá-los e divulgar para quem quisesse também contribuir com a ideia. Penso que a arte e a educação juntas tem poder revolucionário até mesmo na construção de algoritmos”, conta Soraya.

Poesia presente na coletânea “Meu Primeiro Print”, de Soraya Medeiros (Imagem: reprodução)

O termo “Print”, no título do livro, faz alusão ao nome de uma função usada em uma linguagem de programação chamada Python. Essa função serve, basicamente, para exibir mensagens na tela ou enviá-las para outro dispositivo, como imprimir dentro de arquivos de texto. Os poemas são baseados nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) e tratam de temas relacionados à gênero, feminismo, antirracismo, entre muitos outros.

A equidade de gênero ainda é um problema dentro da área de tecnologia. De acordo com uma pesquisa realizada pela consultoria global de tecnologia Thoughtworks, as mulheres representam 20% das equipes de trabalho na área de tecnologia, embora ocupem 60% dos espaços acadêmicos relacionados ao setor, segundo o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).

Não por acaso, Soraya encontrou muitas reações negativas, críticas e questionamentos sobre a qualidade do seu trabalho, embora esse incômodo nunca a tenha paralisado, pelo contrário, sempre a fez buscar motivação e conhecimento para dar prosseguimento aos estudos e pesquisas.

“Acho que fazer a minha tese sobre algoritmos de discurso de ódio de cunho sexista e produzir um podcast sobre arte e código, paralelamente, é uma forma de eu sinalizar que existe sim uma luz no fim do túnel e que a arte pode converter o ódio em poesia”, conclui.

Programação e poesia

Soraya sempre teve a poesia como uma prática constante durante toda sua vida, desde a infância, na cidade de Jardim do Seridó, até hoje, em que desenvolve seus estudos como pesquisadora. “Minha tia me incentivou muito na área da literatura porque ela era professora de português na Educação Básica. Meu pai tem esquizofrenia e ele sempre usou a criação de versos rimados pra narrar sobre sua vida, a nossa região do Seridó Potiguar e a natureza”, conta.

O sonho da mãe, que consegue ler e escrever com certa dificuldade, era ver a filha em um futuro diferente do dela, com acesso à educação e ao letramento. “Eu cresci em um cenário bem difícil financeiramente e tendo que lidar desde cedo com a questão da saúde mental dentro de casa. Um sonho da minha infância era ter acesso a um computador, mas nem televisão, geladeira e telefone nós tínhamos“, lembra Soraya.

O envolvimento com a computação se intensificou no ano de 2011, quando Soraya descobriu que poderia ter acesso a computadores – algo que sempre sonhou – se conseguisse ser aprovada para cursar o ensino médio no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). Em 2012, seu sonho foi realizado e Soraya passou a cursar um técnico integrado em informática, mas seu primeiro computador veio anos depois, quando conseguiu comprá-lo a partir de economias feitas quando recebia uma bolsa de pesquisa para o desenvolvimento de softwares livres.

“Eu nunca tinha ouvido falar sobre algoritmos. Foi um choque ter que aprender tudo aquilo porque eu realmente não entendia, não era algo cotidiano como matemática ou as provas de português que eu já tinha estudado ao longo dos anos”, conta. Logo no primeiro ano do ensino médio, seu professor de literatura desafiou a turma a produzir um novo gênero textual que envolvesse a computação.

A ideia de Soraya na época foi a “Poesia Compilada”. A pesquisadora explica que quando um código é escrito, não sabemos quem está por trás dele, assim como nos poemas, que há um eu lírico, assim surgiu a ideia de unir a poesia e a programação em um único gênero textual, que, apesar de estranharmos em um primeiro momento, os dois têm muita coisa em comum.

“Cada pessoa tem sua forma de escrever um algoritmo porque ele responde a resolução de um problema, e um poema pode ser escrito de forma distinta  por inúmeras pessoas porque cada uma tem sua forma de enxergar o problema, mesmo com seus vieses”.

A partir dessa ideia, surgiu o manifesto literário Poesia Compilada, que além de um site, também está disponível no Instagram.

Soraya tem cabelos cacheados pretos, óculos de grau, pele branca, batom vermelho e sorriso no rosto. Ela trabalha com programação, poesia e algortimos Foto: Arquivo pessoal/Soraya Medeiros

Poesia e algoritmos por aí

Soraya também passou a produzir um podcast chamado “Making Art With Code“, que debate a relação entre arte e algoritmos.

“Desenvolver um podcast tem me ajudado a perceber que eu não estou só; que existem inúmeras pessoas também trabalhando com essa temática de arte e computação“, enfatiza. Atualmente, Soraya investiga técnicas para mitigar de forma automática discurso de ódio nas redes sociais, um projeto que exige dedicação e cálculos matemáticos.

Por isso a ideia do podcast também surgiu para “mostrar o outro lado dos algoritmos enquanto tentamos apagar esse fogo que este ano já começou com tudo no Brasil. Talvez unir arte com computação seja uma pílula que tenhamos que tomar enquanto nós cientistas criamos ferramentas e formas de mitigar o ódio, ao menos nas redes”.

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Inspirações em Paulo Freire

Uma das grandes referências para Soraya é o professor e patrono da educação brasileira Paulo Freire. O seu contato com o educador começou ainda na infância, quando uma tia, que também era professora, a incentivou ter contato com as obras do pensador, embora ela achasse tudo entediante (o que era compreensível, Soraya era apenas uma criança na época).

No ensino médio, uma professora de educação física a presenteou com uma coletânea de livros de Paulo Freire, um divisor de águas na trajetória acadêmica da pesquisadora. Em 2016, quando foi reprovada em uma disciplina da graduação em Sistemas de Informação, Soraya tomou a iniciativa de levar conceitos de computação e programação para as escolas de ensino básico. “Entre 2016 e 2020, já tínhamos publicado cerca de 8 artigos, formado 4 turmas de alunos do 6° ano na cidade de Jardim do Seridó, participado de várias conferências, lives e entrevistas.”

Mas a iniciativa não era suficiente para resolver os problemas visualizados por Soraya, havia uma falta de preparo dos docentes em trabalhar com esses temas em sala de aula e por isso era necessário haver um projeto semelhante para a formação de professores. “Eu voltei até às escolas com o intuito de formá-los e acabei saindo de lá com uma proposta de mestrado e com inúmeros problemas que apenas em 2 anos seriam insuficientes de serem resolvidos”, conta.

Hoje, a pesquisadora criou uma campanha online de financiamento para que professores e outros profissionais possam atuar no projeto e difundir a ideia em professores de todo o país, incluindo também aqueles que trabalham com a Educação de Jovens e Adultos (EJA), semelhante ao trabalho que desenvolveu durante sua pesquisa de mestrado.

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