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Rita Monte: “O feminino é visionário e inovador por essência”
ANDREA SCAGLIUSI
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Existe uma inteligência muito sofisticada regendo cada mulher. Quando me dei conta de que habitar um corpo feminino era ser o canal da criação na Terra (que vai muito além de fazer bebês!), passei a honrar e a valorizar ainda mais essa minha existência feminina. É quase como um regresso, uma rememória desses poderes. Anos depois conheci Rita Monte, escritora e terapeuta de mulheres em transição, e senti uma conexão imediata com essa percepção.

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Rita carrega uma sensibilidade valiosa que desperta novos olhares para o que é o feminino, essa potência que não se aprende em manuais, mas que se sente, no corpo, num lugar profundo. Formada em psicossíntese e Fenomenologia Goetheana, desde 2006, ela já trabalhava com desenvolvimento e expressão de potencialidades, mas, em 2014, decidiu se dedicar exclusivamente a mulheres.

Neste ano, lançou seu livro Memórias do Feminino – Narrativas de liberdade de mulheres do século XXI, uma obra que evoca um novo sentir para temas como maternidade, ancestralidade, desejo, prazer, fertilidade, parceria entre homens e mulheres.

O que é ser mulher no contexto em que estamos hoje?

Não há um lugar normativo que diga o que é ser mulher agora ou o que era ser mulher em 1980. Mas dentro de mim eu sinto. E não é o meu amadurecimento, mas os novos símbolos em que eu consigo me mirar. Símbolos de uma feminilidade que não me oprime, que não me torna objeto, impotente, menor, infértil. Esses símbolos estão começando a ficar mais visíveis e falados entre mulheres.

E tocam uma fonte arquetípica, sensível, espiritual. E eu sinto como? Com o corpo, voltando para ele. Não é conceitual, é sensorial.

E o que isso significa?

É quando alguém que se identifica como mulher, que nasceu com útero ou não, diz “eu sinto que tenho uma expressão feminina”. Como esse corpo me desenha? Para as que nasceram com útero, isso fica mais fácil, pelas qualidades físicas e sutis no corpo dessa pessoa.

Várias mulheres que olham para essas qualidades se descobrem cíclicas, férteis sempre. Menopausada ou não. Tendo filhos ou não.

Por que menstruar ainda é visto como um problema?

Na abordagem terapêutica da menstruação, as dores ligadas a menstruar existem, mas são sintomas. Quando a mulher não tem espaço e tempo para ritmar a sua vida em cima do ritmo do ciclo menstrual, a menstruação vira um problema. Mas, veja, não é a menstruação que é um problema: é uma construção estrutural que tira a mulher da possibilidade de aproveitar o ciclo e de descansar como parte da produtividade. Não posso criar linearmente, ascendentemente o tempo inteiro. Isso não é próprio da vida.

Morrer e renascer, sim. E mulheres têm isso regendo o ritmo interno, para o bem e para o mal. Para o mal, quando nos sentimos amaldiçoadas por esse ritmo. “Nós, mulheres, somos vocacionadas para criar. Ter milhares de óvulos é ter sementes que apontam visões, intuições, aquilo que queremos materializar no mundo” Aí é muito natural ouvir “eu odeio menstruar”. Eu digo que entendo, sei de onde isso vem. E digo que, se você quiser abrir a possibilidade de deixar de odiar, isso significa uma mudança em todas as suas relações.

E mulheres que vivem a pressão de ter filhos ou não?

Essa norma de gênero diz que você vai se realizar como mulher quando você for mãe, e isso vira uma prisão.

Tanto antes quanto depois da maternidade. A sociedade cria um padrão do que é ser “a mulher”, branca, magra, anda de salto, é boazinha, sorridente. E a maternidade vira mais uma dessas normas. “Olha, seu tempo biológico está acabando.” Mas vejo que, nessa construção autêntica de identidade, a maternidade está sendo ressignificada com um lugar de escolha muito consciente do que significa criar, gestar, adotar uma criança, ser anfitriã de uma nova pessoa no mundo. O que significa na minha vida ter essa responsabilidade? É por aí…

Como a maternidade se torna uma potência

Útero é matriz da vida. Maternidade, essencialmente, é estar no olho do mistério da criação de uma pessoa. Não é menos que isso. E não estou romantizando, estou trazendo essa memória. Uma pessoa que não existia passa a existir e ela veio por meio de uma mulher. E essa força vai fazer coisas comigo.

Vai me trazer para o centro da minha vida, primeiro me deslocando, primeiro falando “opa, cadê eu?”. E nessa experiência de “cadê eu?” é que vou me encontrar muito mais.

É um grande chamado, um chacoalhão sem igual. Um dos chamados mais contundentes para ancorar no feminino, para mudar toda a minha posição, identidade, amor.

Você diz que enquanto sucesso for sinônimo de adequação ao padrão, trairemos nossos desejos. O que quer dizer?

Não fomos autorizadas a desejar, então isso “causa”. Não é esperado que a gente se coloque. E bancar o nosso desejo gera desconforto. Muitas se sentem culpadas em dizer não, seja em um relacionamento, seja com a família, no trabalho. Em qualquer situação em que o “não” possa causar um conflito. E não quero dizer briga, mas conflito porque agora a minha vontade existe.

Qual a conexão dos ciclos com a capacidade de criar?

Para as mulheres que fizeram as pazes com seus ciclos, elas conseguem se sentir não só parte da natureza, mas a natureza em si. Começam a sacar que também podem se criar a partir de si mesmas. Uma semente contém uma árvore inteira e podemos ver nossos óvulos como sementes. Se eu tenho milhares de sementes, isso significa que a minha fertilidade está para além de fazer bebês. E criar vira uma cooperação com o mistério, porque nada se cria sozinho. Entendemos que não precisamos fazer, saber, controlar tudo.

E qual é a lógica do feminino para trabalhar e criar?

Ele cria em ciclos. Sintoniza com algo que é muito intuitivo, ainda sem forma. Preciso estar ancorada, tanto com meu útero, quanto com um canal sutil, para receber inspiração. É a fase da lua nova, da menstruação. Começo descansando porque sei que vou expandir depois. Em seguida, vou checar essa inspiração no mundo e fertilizar isso com outras pessoas; é a lua crescente.

Na lua cheia, tem trabalho, esforço, materialização. Até passar tudo na peneira, que é a lua minguante, hora de se perguntar o quanto eu fui leal à minha inspiração, à minha visão, e o quanto eu me traí. E purificar isso de novo, na lua nova. Metade do ciclo é expansão e a outra metade, contração. No trabalho do feminino tem descanso, tem momento para refletir sobre o que foi feito. O feminino é visionário e inovador por essência.

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