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Cerâmica e propósito: histórias que se cruzam
Courtney Cook
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A cerâmica é uma arte milenar presente nas mais diversas sociedades humanas e que, apesar do avanço dos séculos e da criação de ferramentas e equipamentos tecnológicos, nunca perdeu os seus dois principais elementos, as suas grandes marcas: a mão e a argila.

Falar sobre cerâmica, portanto, é trazer a história de vida de diferentes pessoas, é contar sobre política, sociedade, autoconhecimento, emoções e memórias.

Minha avó, que nunca se considerou uma ceramista – mas entrevistando pessoas para essa matéria eu percebi que ela talvez seja uma – sempre produziu objetos de cerâmica, mas por necessidade. É que no século XX, na zona rural de um pequeno estado do Nordeste, não havia tantos recursos financeiros para as famílias, tampouco lugares onde seria fácil encontrar panelas e pratos de ferro ou alumínio em um preço que fosse possível pagar.

Essa pequena introdução é para contar que, por trás de uma técnica e ou de um objeto, há alguém, seja um artista ou uma pessoa que não quer esse rótulo, mas se aventura no mundo da produção artística a partir da argila.

Além de ser uma ferramenta utilizada para produzir nossas necessidades, também a vemos como uma possibilidade de criação de objetos decorativos, e, ainda mais, como uma prática terapêutica, na qual podemos treinar a nossa criatividade, entrar em contato com a terra e imergir em uma experiência de autoconhecimento.

Experiência de autoconhecimento

Foi assim que Tatiana Lucas passou a produzir materiais de cerâmica. Farmacêutica de formação, com 23 anos de experiência na área de farmacologia oncológica, a ceramista passou a trabalhar com esse tipo de arte no início da sua carreira profissional, quando foi motivada por uma chefe a frequentar algumas aulas de cerâmica. Entretanto, naquela época – quando se considerava muito tímida – a prática surgiu como um hobby, uma forma de dividir o seu tempo com o trabalho e outros afazeres do dia.

E assim foi seguindo até esse ano, quando Tatiana foi desligada da empresa em que trabalhava e viu na cerâmica uma oportunidade de não só dedicar mais tempo aos aprendizados, como também uma nova forma de rentabilidade. Decidiu, com isso, fazer uma transição de carreira, porque o seu trabalho como farmacêutica não a cativava mais, especialmente por causa da rotina de trabalho, o ritmo frenético durante a pandemia e as ligações recebidas fora do horário de trabalho. “Eu optei então por investir na minha outra profissão, que é o amor pela cerâmica“, conta entusiasmada. 

A cerâmica entrou de novo pra me ajudar a passar por esse período, que existe outros caminhos, e principalmente outras formas de trabalhar“, explica a ceramista. Influenciada pelo movimento de Art Nouveau, o trabalho de Tatiana se baseia principalmente em relógios e flores, duas coisas que fazem parte da vida de Tatiana. “O relógio vinha muito com esse contar o tempo”, explica a pressa em cumprir prazos e atingir objetivos, já as flores são elementos da natureza pelas quais sempre foi apaixonada e inspiram o trabalho da profissional.

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Trabalho que vibra

Aos poucos Tatiana, que divide o ateliê com uma amiga, foi ganhando espaço e visibilidade onde mora, na cidade de Porto Alegre, especialmente pelas suas marcas artísticas. A admiração pelas flores e pela natureza não é por acaso, a ceramista prefere utilizar cores fortes, porque lembram os biomas e a diversidade de estímulos no ar livre, “as flores na natureza sempre vêm com uma cor vibrante“, explica, “eu não consigo imaginar uma flor de cor pastel”, brinca Tatiana. 

Além de atuar nas redes sociais, a ceramista construiu um site onde comercializa seus produtos, com uma pegada slow e focada na decoração. Depois de um longo ritmo de trabalho intenso, Tatiana se dedica a construir peças contemplativas, um trabalho leve, que conecta as pessoas com a cerâmica. “Eu procuro observar o desenho, o movimento, a planta que desenvolve”, explica ela, que hoje tem mais tempo para observar o crescimento do filho e contemplar a cidade pelas feiras de artesanato que frequenta. 

Arte que movimenta

Leyla Beraldo é ceramista desde quando iniciou a sua graduação em Desenho Industrial no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Paulista, se mudou para o Sul do país ainda jovem. Tem o mar como a sua casa e é a partir dele que se conecta com a cerâmica e as produções das peças que desenvolve.

Seus contatos iniciais com a prática foram em um ateliê, momento em que ganhou algumas bolsas de incentivo universitário para estudar sobre o tema, que foi objeto de estudo de seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso). “Na época eu não tinha todo esse interesse e abordagem de mercado, não era algo popular falar e trabalhar com cerâmica no Brasil”, conta.

E como quase tudo nessa vida nos custa dinheiro e os boletos vão se acumulando na caixa de correio, Leyla se mudou para São Paulo, onde trabalhou como designer na área de e-commerce durante boa parte da sua atuação profissional, embora, é claro, a cerâmica sempre tenha feito parte do seu cotidiano, encontrando algumas brechas entre os dias cansativos depois do trabalho. “A cerâmica era um lugar onde eu encontrava esse refúgio”, explica.

Na pandemia de Covid-19, insatisfeita com o trabalho e com cada vez menos tempo para se dedicar com o que na época era um hobby, Leyla achou por bem largar o emprego e ir em busca do seu propósito: a cerâmica. Uma decisão arriscada, no meio de uma crise sanitária, mas que já há um tempo estava insustentável conciliar suas vontades e interesses com um trabalho que não cativava mais a ceramista.

Sem muitas expectativas, Leyla decidiu se inscrever para uma bolsa no Public Ceramics Auction & Ranffle em parceria com o ateliê Gasworks para estudar na cidade de Nova York. Não deu outra, a ceramista foi uma das cinco pessoas selecionadas entre os 100 inscritos que concorriam às vagas, e a partir daí foi uma correria que envolveu arrumar as malas às pressas, comprar passagens e ainda o bônus de ter que fazer uma quarentena no México, já que ainda estávamos com restrições sanitárias mais sérias.

Conexões humanas

Talvez uma das principais diferenças da cerâmica com outras expressões artísticas e tipos de artesanato é a sua conexão com a terra, o território, a ancestralidade e as pessoas que ali dividem um mesmo espaço. Leyla, que sempre esteve um pouco deslocada, porque nunca quis ter um ateliê, sempre esteve mais inclinada para a sala de aula, defendendo os processos intuitivos e de criatividade, onde cada ceramista imprime nos objetos as suas subjetividades, embora também exista muita técnica e estudo por trás.

“Tem um processo muito intuitivo, de conexão com o material e eu gosto de pensar na cerâmica dessa maneira mais intuitiva”, explica Leyla. É por isso que boa parte das suas inspirações vêm do lugar onde cresceu. “Eu faço brincos e acessórios que tem a ver com essa temática do mar”, conta, “me aproxima com aquilo que me fortalece“, acrescenta. 

Ela explica ainda como os modos de fazer cerâmica estão conectados ao redor do mundo, já que, embora ceramistas do México e do Brasil não se conheçam, as maneiras de manusear a argila, de desenhar os objetos e estar em contato com a terra são muito próximas.

Já o processo criativo com as mãos é uma poderosa ferramenta que não se esgota em termos de criatividade e está, segundo a ceramista, muito presente na cultura brasileira, onde as ferramentas – que muitas vezes são caras – são substituídas por outros objetos improvisados, unhas, dedos e assim por diante. “Quanto mais você aprende que as suas mãos são as ferramentas necessárias pra vc fazer qualquer coisa dentro da cerâmica, a sua capacidade de evoluir dentro dos processos na cerâmica é muito maior, porque você cria intimidade com o material“, explica. 

É uma relação também de total aprendizado e trocas de conhecimentos entre professores e alunos, ceramistas mais experientes e a nova geração. Ninguém sabe tudo – nem deveria saber – e cada um se complementa em uma tarefa coletiva de perpetuar a arte por mais séculos. “Tudo na cerâmica permeia esse olhar para a conexão com o humano, com a natureza. Observar o tempo, quando você está produzindo uma peça, você tem que está observando como ela se comporta. Então assim, são processos que não se findam, enquanto você tá ensinando também aprende“, defende Leyla.

Para a ceramista, o contato com a argila e o barro não se esgota, é repleto de espaços, brechas, elementos criativos e possibilidades infinitas de criação e manuseio de uma peça antes de chegar o resultado final.

O que estou fazendo demora muito tempo pra fazer, talvez a vida toda. A cerâmica é isso, é um ciclo que não termina, enquanto você não coloca o barro no forno você pode refazer aquela peça mil vezes“, conclui.

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