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Até que idade devemos brincar?
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Ao longo da nossa educação, vamos deixando, aos poucos, o brincar de lado conforme avançamos nas séries escolares. Mas será que isso é algo só para crianças? O lúdico tem um valor enorme para que possamos aprender, desde muito cedo, a nos relacionar melhor com a gente e com o outro. Entenda o quanto isso ainda está presente na nossa trajetória, mesmo adultos

Nós quatro desenhamos um enorme quadrado na areia da praia. Entramos no espaço que delimitamos e começamos a brincadeira. As regras eram simples: se alguém tocasse sua cabeça, você estava eliminado. Ganhava quem ficasse por último. Quando entrávamos no nosso ringue improvisado, esquecíamos da praia, do mar e das pessoas ali perto. A cada partida, virávamos lutadores de sumô, robôs, nos transformávamos de melhores amigos em inimigos mortais. Mas, quando eu saía, voltava para o mundo real e me preocupava, ainda que só um pouco, com o que os outros estavam pensando ao ver quatro jovens adultos brincando como crianças.

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Qual o problema de brincar como criança? Ao longo da vida, vamos sendo obrigados a, aos poucos, substituir as brincadeiras por outras atividades. O faz de conta de escolinha se transforma em ir para a escola de verdade ou “dos maiores”, e o mesmo acontece com os jogos sobre profissões, sobre ter uma casa. É lugar-comum dizer que deixamos de brincar quando crescemos, ou melhor, que deixar de brincar se torna uma necessidade para que a gente faça, cada vez mais, parte do mundo dos grandes.

Não há problema em brincar como criança

Por trás desse pensamento, está a ideia de que a brincadeira não é séria, ou que ela se distancia do mundo real. Não é verdade. Pensadores muito sérios discutiram a importância do brincar para a infância. Um dos mais importantes foi Sigmund Freud (1856-1939). Em seu livro Além do Princípio de Prazer, ele descreve uma brincadeira que observou em um menino de um ano e meio. Segundo ele, era comum que o pequeno jogasse seus brinquedos em lugares onde não poderia mais vê-los, como atrás de uma cortina.

A descoberta mais importante sobre o sentido da brincadeira veio quando o brinquedo era um carretel, que o menino jogava – sem soltar a linha – e depois o puxava de volta. Na brincadeira, ele balbuciava sons que lembravam as palavras “fora” e “aqui” em alemão. Para Freud, ficou claro que, nesse movimento de vaivém, a criança reencenava os momentos de separação. O carretel cumpria o papel da mãe que ia embora e voltava.

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Mas o que a história do carretel tem a ver com Educação? Ao jogar os brinquedos para longe, o pequeno assumia um papel ativo na separação e, com isso, aprendia lições valiosas: como a possibilidade de que aquilo que vai embora volte ou que, mesmo com a separação, ele ficará bem. Do mesmo jeito, ao longo da infância e pelo resto da vida, vamos usando as brincadeiras para aprender sobre muitas outras coisas.

Brincar nos leva a momentos únicos

É pela brincadeira que podemos viver episódios importantes, trocar posições e compreender as situações de maneira mais profunda. Em uma entrevista com Marie Claire Sekkel, professora do Instituto de Psicologia da USP, em 2018, ela me deu um exemplo sobre o que isso significa. Ao brincar de papai e mamãe, e interpretar o papel de uma mãe brava, a criança pode reviver uma situação que despertou nela sentimentos marcantes, como medo ou tristeza. Muitas aprendizagens podem se dar, portanto, pela brincadeira, sobretudo no início da vida, quando boa parte das aprendizagens está relacionada a entenderas difíceis regras de funcionamento do mundo: de como se constroem as relações ou funcionam os dias.

Brincar, cuidar, educar

Quando os bebês estão em casa, quase sempre têm um espaço de interações e possibilidades de brincadeiras. Mas é cada vez mais comum que eles passem – já desde os primeiros meses – longos períodos em instituições de Educação Infantil. As creches surgiram no século 19 com o objetivo de garantir que as crianças estariam seguras, alimentadas e limpas enquanto os pais trabalham. Por isso, eram comuns as instituições em que os bebês passavam os dias nos berços com poucos brinquedos.

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Hoje, as descobertas sobre o desenvolvimento mostram que apenas garantir a segurança é pouco, e a cara desses locais tem se transformado. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil definem que as brincadeiras e as interações precisam ser os eixos sobre os quais a rotina das crianças se estrutura. Já a Base Nacional Comum Curricular, documento novíssimo que define os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para toda a Educação Básica, até o Ensino Médio, reforça a necessidade de que elas tenham experiências que permitam que aprendam e se desenvolvam em diversos campos.

A existência desses dois documentos é fundamental para combater uma outra tendência: a chamada escolarização da Educação Infantil. Com a ideia de que é preciso educar as crianças, surgiu a proposta de replicar o formato das escolas tradicionais nessas instituições, inclusive com sugestões para alfabetizá-las. Os documentos atuais ressaltam a importância de que a infância seja respeitada e que o tempo da criança seja usado para aquilo que mais lhe traz prazer e oportunidades de aprendizagem: as brincadeiras. Em uma contação de história, em momentos de desenho, ou tentando aprender mais sobre seus animais favoritos, os pequenos podem aprender muito sobre a língua escrita e diversos outros temas.

Nunca vamos parar de brincar

Mesmo quando vamos crescendo e precisamos abrir mão das brincadeiras, não deixamos de brincar. Vamos reinventando nossas maneiras, como numa resistência contra o mundo que tenta nos impedir. Sempre tive dificuldades com conflitos e reconciliações. Tinha – e ainda tenho – medo de brigar. Depois de compreender o sentido das brincadeiras, entendi melhor a relação que tinha com um amigo. Com ele, eu constantemente tinha falsas discussões e brigas, nascidas de implicâncias que nós fazíamos só por diversão. Ter vivido isso foi fundamental para que conseguisse lidar quando de fato entramos em conflito.

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Algo parecido acontece quando flertamos, contamos piada, escrevemos ou recorremos a figuras de linguagem como
comparações e metáforas. Esse jeito de escapar para um mundo imaginário e vivenciar experiências novas é a maneira que encontramos de brincar. Apesar dessas estratégias serem incríveis e saciarem em parte nossa necessidade de viver experiências lúdicas, nada substitui uma brincadeira intensa, como um pega-pega na praia, como se tivéssemos voltado à infância.

Então, respondendo à pergunta que está no título deste texto, a gente nunca deveria parar de brincar. É algo que sempre irá nos acompanhar, só que com novas regras.

Wellington Soares é jornalista formado pela Universidade de São Paulo. Trabalhou por seis anos na produção de conteúdos para professores da Educação Básica. Atualmente, descobriu-se professor e dá aulas, mas segue escrevendo e ajudando organizações do terceiro setor a produzir conteúdos sobre Educação.

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