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Você no seu quadrado
Maria Victoria Portelles
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A campanha eleitoral para a presidência dos EUA em 2000 foi exaustiva e acabou sendo decidida judicialmente, de tão apertada. No livro Dentro da Floresta, o jornalista americano David Remnick mostra que o candidato Al Gore saiu esgotado disso tudo. Tony Coelho, diretor de campanha na época, disse: “Gore não tinha paciência ou talento de manter contato com as pessoas, diferentemente de (Bill) Clinton”. E um ex-assessor completou: “Gore precisa de um descanso depois de um evento. Clinton sairia revigorado, porque lidar com pessoas era natural para ele”. Depois de finda a campanha, o candidato derrotado só queria paz e silêncio. Essa atitude foi interpretada como desprezo, a atitude de um homem “frio e isolado”.

Pela descrição, afinal, Gore é introvertido e nunca deveria tentar a sorte em um meio que exige habilidades extrovertidas intensas como é a política. As pessoas que participaram de sua campanha, inclusive, estranharam quando, depois da derrota, ele preferiu ir para o seu canto e refletir, em vez de dar a cara para bater publicamente. Isso foi interpretado como covardia, um sinal de que Gore estava no lugar errado. Estava mesmo?

Ideal da extroversão

Quando pensamos em lidar com pessoas, logo vem a imagem de alguém que conquista a todos, uma pessoa com charme e uma doce lábia. Essa mesma imagem se aplica ao bom gestor, ao líder e a uma ideia geral de pessoa bem-sucedida. É seguro dizer que a extroversão é o modelo a ser seguido no mundo atual. “Hoje abrimos espaço para um número limitado de estilos de personalidade”, diz a escritora americana Susan Cain, no livro  O Poder dos Quietos (editora Agir). 

Introvertida confessa, Susan Cain aponta a existência de um “ideal da extroversão”, um conjunto de valores que passou a vigorar no século 20. “Historicamente”, diz Susan em entrevista à VIDA SIMPLES, “esse ideal começa com o surgimento dos grandes negócios.” Antigamente, era considerado bom ser uma pessoa reservada, introspectiva. Agora as coisas mudaram e há um culto a quem é “mais magnético e carismático”, diz ela. Talvez por isso a atitude de Al Gore tenha causado estranhamento, já que ele não se encaixa no padrão de um político ideal ou bem-sucedido. E talvez por isso ele tenha fracassado em sua campanha, não é mesmo? Afinal, um introvertido não consegue ser bom gestor. Consegue?

O título do livro de Susan já entrega seu propósito, que é o de mostrar que sim, os introvertidos têm suas vantagens, apesar de sofrerem com as exigências de um mundo eminentemente extrovertido. Voltemos a Al Gore. Fracassado em 2000, ele foi eleito deputado quatro vezes e cumpriu dois mandatos como senador. Hoje dá palestras pelo mundo sobre aquecimento global. Ganhou um Oscar com seu documentário Uma Verdade Inconveniente, em 2007. Um introvertido de sucesso em um mundo de extrovertidos.

“Sorria, meu”

Cain se propôs a entender como o mundo passou a valorizar a extroversão e a idealizar seus valores. O evento eleito como marco dessa cultura da extroversão é um livro publicado em 1936 que ganha edições até hoje. Quinze milhões de cópias depois, a obra Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, escrita por Dale Carnegie, ainda é referência para quem busca se integrar ao mundo dos extrovertidos.

Dando conselhos como “sorria”, “lembre-se dos nomes das pessoas”, Carnegie cristalizou com sua escrita a percepção de que somente os mais falantes e cativantes se destacam.

Assim, criou-se um cenário que favorece aqueles que “se sentem confortáveis se expondo”, no qual as “escolas, ambientes de trabalho e instituições religiosas são desenhadas para os extrovertidos”, atesta Susan Cain. Já reparou que os escritórios não têm paredes ou mesmo baias? Calcula-se que 70% dos ambientes de trabalho sejam assim nos EUA.

Por outro lado, o número de pessoas que se declara introvertida nos EUA oscila entre um terço e metade da população. Na melhor das hipóteses, estamos incentivando quem tem dificuldades em se expressar a evoluir e se juntar à turma dos falantes e amigáveis. Mas isso pressupõe que todos os que são introvertidos querem mudar. E que ser introvertido é uma característica negativa. Se isso não for verdade, estamos deixando de apreciar um traço de personalidade que não só deveria ser respeitado como tem muito a ensinar. 

Mal estar

O psicanalista carioca Joel Birman concorda com essa afirmação e vai além. Ao colocar como superiores os valores da extroversão, estamos também desprezando outros valores e colocando-os como inferiores. Em seu livro Mal estar na Atualidade – A Psicanálise e as Novas Formas de Subjetivação (editora Record), Birman diz que “o autocentramento atingiu limiares impressionantes e espetaculares”. Hoje “o sujeito vale pelo que parece ser, mediante as imagens produzidas para se apresentar na cena social”, afirma o autor.

Quem não consegue se adequar não sofre somente com seus colegas de trabalho, mas também internamente. A frustração ao não corresponder às expectativas sociais cria ansiedade crônica e permanente.

Isso não significa, porém, que a extroversão é a melhor maneira de viver. Em O Poder dos Quietos, Susan Cain buscou dados de diversas pesquisas psicológicas e neurobiológicas que mostram que o “ideal da extroversão” é um valor, não um fato científico. Como, por exemplo, um estudo da Universidade da Califórnia, que descobriu que os introvertidos têm uma tendência maior a serem criativos. Ou ainda um outro que mostrou as habilidades de chefes introvertidos quando no comando de uma equipe extrovertida. Quando deixamos os introvertidos usar sua natureza a seu favor, eles conseguem liderar perfeitamente bem.

Ser introvertido não significa ser avesso a outras pessoas ou a compromissos sociais. Introversão é diferente de timidez. Valéria Rivellino Lourenzo, psicóloga e membro da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), explica que esse tipo de pessoa “sente-se bem e valoriza seus momentos sozinha”. O tímido sofre com a exposição ou até mesmo com a ideia de exposição por ter receio do julgamento do outro”, diz ela. Já o introvertido busca a paz, o silêncio e a solidão por opção, por gostar disso, não por medo.

O que devemos fazer, então, para não reprimir os introvertidos e conseguir o máximo deles? E no caso de quem é introvertido, como a pessoa pode aproveitar os pontos fortes para desenvolver melhor suas capacidades? Primeiro, é necessário encarar a introversão como característica, não como algo a ser “resolvido”. Valéria Lourenzo alerta que extroversão não é algo que se aprende, mas “uma característica que trazemos ao nascer”. Portanto, pode-se tentar melhorar alguns aspectos tendo um comportamento mais extrovertido, mas ele não deve ser regra.

Extrovertidos gostam de se expor; os introvertidos precisam de tempo para pensar e planejar. Gostam de programas sociais, mas com poucas pessoas, e de conversar, mas sobre assuntos significativos. Observam atentamente o mundo ao redor. Não se trata, portanto, de desvantagens. Pelo contrário. “Atualmente, com as novas pesquisas sobre o comportamento introvertido, muitas vantagens têm sido enumeradas, entre elas a concentração e a criatividade”, afirma Valéria Lourenzo. “O introvertido é mais reflexivo, forma valores mais arraigados, é menos infuenciável e tem grande tendência a tomar decisões acertadas do ponto de vista lógico”, completa a psicóloga. Quem não gostaria de ser assim?

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Falar demais

Em muitos momentos da vida, o ditado popular “a palavra é de prata, o silêncio é de ouro” se aplica com exatidão. O que nos faz soltar palavras ao vento, mesmo quando o melhor seria ganhar a medalha de ouro do silêncio? O psicanalista Joel Birman identifica essa necessidade de falar com a “sociedade do espetáculo”, termo consagrado pelo filósofo francês Guy Debord. A sociedade ocidental se baseia em uma valorização extrema do indivíduo e de tudo que o constitui. Para ser aceito e fazer parte dela, espera-se que saibamos falar bem e sempre e, principalmente, que falemos de nós mesmos. 

Por isso topamos com tantas opiniões, reclamações e confissões feitas em público. Seja nas redes sociais, seja em ambientes de trabalho. Joel Birman arma: “O cuidado excessivo com o próprio eu se transforma assim em objeto permanente para a admiração do sujeito e dos outros, de tal forma que aquele realiza polimentos intermináveis para alcançar brilho social”. Ou seja, fazemos de tudo para nos fazer notar como indivíduos. Por isso, muitas vezes, falamos demais. 

Não há, porém, um limite claro que nos mostre quando estamos exagerando. Essa medida vem do bom-senso. Será que estamos deixando de prestar atenção nas opiniões dos outros, nos sentimentos de quem nos importa, por sempre querermos ter o direito à palavra? “Nem sempre a prontidão e a rapidez são mais importantes que a reflexão, a calma e a concentração”, diz a psicóloga Valéria Lourenzo. Vale a pena, então, considerar se não estamos falando antes de pensar, se nossas respostas não servem apenas para preencher um “espaço vazio”. Talvez sejamos rápidos demais ao dar respostas, quando poderíamos simplesmente pedir um tempo para pensar e dar uma resposta mais tarde

Deixe o quieto

É importante, então, deixarmos quietos os que são quietos. E é preciso criar espaços para que vivam confortavelmente, fazendo proveito de seu potencial. A solidão, afirma Susan Cain, pode ser um “catalisador da inovação”, já que mantém a mente concentrada nas tarefas a serem cumpridas.

O que é melhor, afinal? Conformar-se com um mundo que espera que sejamos simpáticos, ótimos oradores, ou tentar impor a solidão ao ritmo frenético de trabalho sob o qual vivemos? Felizmente para todos, o mundo está começando a aceitar a introversão. Mas o ideal, mesmo, é que todos possam exercer suas peculiaridades sem constrangimentos. Os mais falantes, que falem; os mais retraídos, que tenham espaço para pensar sozinhos e em paz.

Uma última dúvida ficou. Como se sente Susan Cain, a escritora introvertida, ao dar entrevistas? Incomodada? “Não, adoro conversas individuais”, diz. Aposto que mais constrangido ficou o repórter introvertido, que sempre se vê nervoso ao fazer entrevistas, mas que está aprendendo a lidar com isso. Aos poucos. E sozinho.

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