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Personagens que escolhemos ser
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A bordo de um barco, em travessia oceânica, logo somos confrontados com o instinto de sobrevivência.  O vento aperta, as ondas ficam grandes, o sono é pouco. A fragilidade de nossa condição aflora. Entre água e ar, dois elementos que não sustentam a vida humana, o verniz de civilização se dissolve. A fina camada de comportamentos politicamente corretos dá lugar ao essencial. Cada um de nós aparece por inteiro, o melhor e o pior, e aí surge o real. Gosto disso e trago este ser cru do mar para o meu cotidiano em terra. Observo que os calos do hábito acostumam o nosso olhar. Facetas minhas antes difíceis de encarar são aceitas e velhos medos tornam-se amigos ou assumem o papel de companheiros. Neste caminho de amadurecimento, a aridez da realidade toma outros tons. A indignação se cansa e um observador menos apaixonado toma forma. Na busca por ser eu mesmo, me questiono: não temos voz na narrativa de nossas vidas? A mesma pergunta vale para a comunidade: com que propósito nos posicionamos? Qual é nossa unidade comum?

Quero dizer que há assuntos sobre os quais nenhum de nós fala. À medida que os anos passam, erguemos personagens, nos adequamos ao socialmente aceito. Com um papel em mãos, damos prosseguimento à cena, como se interpretássemos um personagem. Absortos pela sobrevivência, passamos a vida a gerir consequências, sem escolher caminhos, sem clareza de propósito. É curioso. Acho que vivemos uma verdadeira crise de propósito no planeta. Temos programas de alimentação cuja finalidade primária não é nutrir as pessoas. Temos políticas de transporte em que a premissa inicial não é a mobilidade. O que está acontecendo? Estamos tão focados em remunerar o capital e competir em uma estrutura piramidal que não nos damos conta que, na natureza, não há pirâmides; apenas teias de interdependência. Não existe o topo da cadeia alimentar: ela é um ciclo. Nos achamos os grandes predadores; no fundo, somos todos comida de verme… Nos alternamos entre os papéis de vítima e algoz como tontas marionetes, no morro dos ventos uivantes.

É mesmo um tremendo desafio identificar propósitos em um cenário tão árido, onde tudo pendula entre a ganância e o conformismo. Sem voz em nossas narrativas, a intenção é soterrada e a fala possuída por um encosto tecnológico. Treinados pela mídia, repetimos discursos prontos sem qualquer capacidade de pensar ou julgar de maneira independente e crítica. Olhar esse circo sem revolta ou tristeza, mas, sim, como ele é, me parece ser o único caminho para sair disso. Podemos escolher propósitos, estabelecer missões, assumir a narrativa de nossas vidas, bem como das comunidades que pertencemos. Antes, porém, precisamos ouvir o exemplo de Apolo: conhece a ti mesmo. Confortáveis em nossos sapatos, estamos mais aptos a colaborar, a tecer juntos nossas ideias e não a que nos é imposta. Ajuda, também, a tela limpa do silêncio para poder escolher uma imagem.

Lucas Tauil de Freitas vive na Nova Zelândia com a família. Lentamente circum-navega à bordo do Santa Paz.

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