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Mudança de hábito
Matt Ragland
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Sei que pode parecer estranho o fato de termos começado o texto aqui, nas páginas finais. Mas fizemos isso justamente para causar um desconforto em sua maneira habitual de ler, caro leitor. Para você perceber que até para alterar um hábito tão trivial, como a leitura, tivemos que indicar onde começaria esta reportagem com setas, números grandes e outros recursos visuais para você não se perder no caminho. Porque a maneira mais lógica que o cérebro entende de ler seria a de simplesmente virar a página. Pois se aprendemos desde pequenos a ler sempre virando uma página depois da outra, não podemos exigir da nossa mente uma facilidade em se adaptar a uma nova forma de leitura repentinamente. A verdade é que nossos hábitos não passam de padrões de comportamento que o cérebro associa. Uma vez associados e compreendidos, alterá-los pode demandar um grande esforço da massa cinzenta. E, em anos de evolução, nossa mente foi treinada para evitar qualquer esforço que pareça desnecessário – e, a princípio, mudar a lógica da leitura pode parecer para ela algo realmente sem necessidade, a não ser que você consiga se convencer do contrário. (Mas isso é um assunto para alguns parágrafos adiante.)

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O cérebro é bem conservador para esse tipo de coisa. “Ele não quer gastar esforços para aprender a mesma coisa de uma forma diferente; ele prefere usar esse esforço para aprender coisas novas”, afirma o neurocientista Iván Izquierdo, do Centro de Memória do Instituto de Pesquisas Biomédicas da PUC-RS. Dessa forma, os padrões são ótimos para o cérebro, pois permitem que as coisas sejam feitas sem exigir uma “energia extra” para analisarmos, entendermos e mudarmos. Aqui vai um exemplo: um estudo feito pela Universidade de Cornell, nos EUA, colocou algumas pessoas para assistir a um filme com o pretexto de avaliá-lo no fim, antes de ele estrear nos cinemas. Os pesquisadores deram pipoca de graça a todos os espectadores. Alguns ganharam um balde “médio”, outros um balde tamanho família – ambos exageradamente grandes, quase impossíveis de serem comidos inteiros por uma pessoa normal. Os baldes foram pesados antes do início da sessão e, depois, ao fim do filme. O resultado foi que as pessoas comeram quase toda a pipoca – as dos baldes grandes ingeriram 53 por cento mais pipocas que as pessoas com os de tamanho médio. Um detalhe importante que fazia toda a diferença: a pipoca foi estourada dois dias antes, para ficar bem murcha. A questão, então, é que as pessoas não ingeriram por prazer, nem para saciar a fome (metade do balde daria conta disso). Elas devoraram pelo desejo de acabar com a porção que lhes foi dada. Não importa se já estavam satisfeitas; quanto maior o balde, mais elas comeram. 

Isso indica que, na maioria das vezes, fazemos muitas coisas sem sequer refletir sobre elas. A questão é que boa parte do tempo estamos ligados a uma espécie de piloto automático. Tirar o pensamento desse modo, portanto, significa assumirmos a direção. E isso requer maior esforço de nossa parte: prestar atenção no caminho, manter a concentração, segurar firme no volante. E nem sempre esse esforço parece realmente valer a pena (quando não enxergamos uma real vantagem nele). Então, nos mantemos presos aos hábitos que já estão aprendidos, e temos uma baita dificuldade de nos desprender deles. “Muitos dos nossos comportamentos diários, na verdade, são mais automáticos do que supervisionados e pensados. E isso pode ser positivo, já que o comportamento supervisionado é a parte difícil da história, e os hábitos automáticos nos acomodam”, afirmam os irmãos e especialistas em comportamento Chip e Dan Heath, autores do livro A Guinada – Maneiras Simples de Operar Grandes Transformações (Editora Best Business).

Razão e sensibilidade

O fato de estarmos atados aos nossos hábitos também tem relação com o fato de eles representarem uma forma de conforto e tranquilidade para a vida cotidiana (passamos 90% do tempo ocupados com nossos hábitos diários). Eles podem sanar nossos anseios à medida que nos mantêm em uma rotina, permitindo que possamos nos sentir mais seguros com a repetição – e sem a insegurança daquilo que não conhecemos. “Muitas pessoas insistem que precisam de seus hábitos (seja o cigarro, a comida, roer unhas, correr no parque ou qualquer outro) para combater o estresse, a ansiedade e a depressão. Na verdade, nós frequentemente enxergamos um hábito como uma forma de automedicação”, afirma a psicóloga Meg Selig, autora do livro Changepower (ou “Poder da mudança”, em tradução livre, sem edição no Brasil). “Os hábitos, até mesmo os maus, podem regular nosso humor, nos oferecendo uma recompensa imediata”, diz. Mas o fato de enxergarmos esses padrões como benefícios imediatos (o cigarro pode acalmar, a comida, saciar etc.) não significa, porém, que eles não sejam nocivos. Muitos dos hábitos que cultivamos podem resultar em grandes prejuízos na nossa vida. “Eles podem tornar-se prisões de sofrimento: hábitos de pensamentos negativos, de comportamentos autodestrutivos, de padrões de inércia difíceis de superar”, afirma a escritora e consultora M.J.

Ryan no livro A Aventura de Viver Seus Sonhos (Editora Sextante). A questão é que temos dificuldade justamente em ponderar os males futuros que eles representam com os benefícios de hoje que podem causar. E nossa mente está mais plenamente convencida dos ganhos a curto prazo do que as perdas que podem vir a perder de vista. E aí entra um embate essencial entre a nossa razão e a nossa emoção. 

Se você tem um compromisso importante bem cedo, trata de colocar o despertador para tocar e assim não correr o risco de perder a hora. Assim que o alarme toca, seu lado racional sabe que é o momento de levantar; já o lado emocional do seu cérebro quer aproveitar para descansar um pouco mais, aproveitando o dia frio que faz lá fora. A decisão de apertar ou não o botão do modo “soneca” fica por conta do lado que falar mais alto: a razão, que faz você pular da cama e se apressar, ou a emoção, que pode fazer você estender um pouco mais o sono e correr o risco de chegar atrasado ao compromisso (ou nem chegar…). O fato é que nossa emoção costuma ter a palavra de ordem nessa relação. Ou, como a analogia defendida pelos irmãos Heath, a razão é o condutor, enquanto a emoção, o elefante. Por mais que a razão ache que está no comando, por vezes o elefante, grande e autossuficiente, nem sempre segue os caminhos determinados pelo condutor, tratando de seguir suas próprias vontades. 

Então, para mudar um trajeto nas suas escolhas, não basta apenas avisar o condutor, é preciso convencer também o elefante, ou seja, nossa emoção, do melhor percurso a seguir para chegar aonde se quer. E essa tarefa nem sempre é fácil. Porque, por mais que você saiba que não deve fumar, comer demais, faltar à academia, ligar para a ex-namorada na madrugada ou evitar falar em público na convenção da empresa, sua emoção pode levá-lo a fazer exatamente o contrário. “Uma mudança só é realmente possível se você apelar aos dois lados: o condutor é quem cuida da direção e do planejamento, e o elefante é quem te dá energia”, escrevem Chip e Dan Heath. Do contrário, você acaba pensando em uma coisa e fazendo outra oposta. Porque nosso lado emocional nos impele em direção ao prazer, à recompensa, e nos afasta da dor, do esforço. Como uma situação nova pode representar uma insegurança, algo que não conhecemos, voltamos à zona de conforto, aos velhos hábitos. “É por isso que tantas vezes nos sabotamos – nosso cérebro emocional ignora a decisão do nosso cérebro pensante em favor desse tal prazer imediato ou da sensação de segurança”, explica M.J. Ryan. “Se você quer mesmo cumprir suas decisões, essa informação é indispensável. Você precisa ter suas emoções como aliadas se quiser realmente mudar.”

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No controle

Está bem, é preciso manter as emoções sobre controle para poder alterar nossos padrões. A chave está em envolver seus sentimentos na mudança que quer operar. É preciso encontrar formas de alimentar sua própria motivação. O primeiro passo talvez seja pensar arduamente sobre aquilo que quer mudar – e qual seu plano para isso. Muita gente escorrega em transformar seus hábitos por não levar essa questão tão a sério, ou de forma mais específica. “A motivação precisa ser baseada em fatores intrínsecos, com algo que realmente inspire a pessoa a mudar. E, ademais, a um plano específico que inclua o que fazer quando vencido pela tentação ou como tornar seu ambiente mais propício às mudanças”, diz Meg Selig. Afinal, um dos maiores erros que cometemos quando seguimos uma meta é não ser específico o bastante. “Eu quero perder uns quilos”, pensamos. Mas quantos queremos perder? Estudos mostram que é mais fácil se sentir motivado quando temos um objetivo determinado na cabeça. As revistas que prometem dietas para perder 4 quilos em duas semanas sabem disso. Quanto mais números e fórmulas, mais tendemos a acreditar, porque parece ser científico, testado. 

Ao comentar com uma amiga que estava entrevistando especialistas e lendo livros e livros para escrever esta matéria, ela me disse: “Me manda depois para eu ler, estou cansada de não conseguir mudar meus maus hábitos”. Os maus hábitos dela se resumem a uma baita desorganização, que faz com que esteja sempre atrasada, perca coisas e viva “transtornada e ansiosa”, como ela mesma define. “Várias vezes, ao chegar ao trabalho supercorrida, chorei dentro do carro me odiando por ser assim”, desabafou. “Ninguém acredita que eu vá chegar no horário e acabam não me levando a sério. E sempre sou motivo de piada por perder as coisas. Já perdi cartão de crédito, celular, chave do carro, de casa…”. No caso dela, assim como de muitas pessoas, o mau hábito já virou uma característica da personalidade. “A pessoa passa a se enxergar dessa forma e isso se torna parte da sua identidade, o que dificulta ainda mais na mudança”, diz Meg. Propus a ela o desafio de tentar começar a mudar enquanto eu apurava e pesquisava sobre esse assunto até escrever a matéria (o que demorou cerca de um mês). Liguei no dia que estava fechando o texto para saber como andava a mudança. “Comecei arrumando a casa e meu guarda-roupa, minha bolsa, minha mesa.. Em seguida fiz uma agenda pessoal, então passei a me disciplinar para anotar tudo. E fiz uma lista com cinco coisas que não tolero mais, como chegar atrasada ou minha bagunça”, contou. 

Duas coisas ajudaram no início nessa transformação. A primeira foi o fato de ela ter entendido que o processo de mudança é difícil. Quanto mais realistas as pessoas são, mais sucesso elas tendem a ter. “Por saber das dificuldades, a pessoa se esforça mais. Ela espera ter que trabalhar duro, então já se prepara para isso”, avalia a psicóloga. Outra questão – e talvez a mais importante até aqui – tem relação com o fato de ela querer mudar e se convencer da necessidade disso. A partir do momento em que o padrão de atrasar ou ser tão desorganizada passou a atrapalhar sua vida, ela decidiu que precisava modificar a forma como vivia. Sem essa percepção tão simples quanto pessoal, a mudança fica só no plano das promessas

Isso explica, aliás, por que o mundo se tornou um celeiro de lamúrias de gente reclamando que quer mudar, que deseja ser diferente. A questão é que muitas acham que deveriam mudar, mas não se convenceram de que querem isso de verdade. “Quando a pessoa se propõe a isso, mas percebe que a não-mudança pode ser mais benéfica, ela desiste, e termina com uma sensação de fracasso, sendo que no fundo ela tentou se adaptar a uma mudança que nem de fato queria”, explica Denis Zamignani, coordenador do Núcleo Paradigma de Análise do Comportamento. Existem alguns comportamentos que são valorizados socialmente, como parar de fumar, comprar uma bicicleta para ir ao trabalho, seguir os bons costumes. “Mas nem sempre elas querem isso de verdade, o que causa um sentimento enorme de inadequação”, diz. Por isso, é preciso ponderar se sua mudança é motivada por algo que é intrínseco, uma motivação realmente sua, ou por aspectos sociais externos com os quais você nem sempre concorda. Independente do caso, o importante é aceitar sua vontade. 

“Nossas crenças sobre nós mesmos e a natureza de nossas habilidades é que determinam como nós interpretamos nossas experiências e que podem definir os limites para o que nós realizamos”, afirma Carol Dweck, professora de Psicologia na Universidade de Stanford. É por isso que, quando queremos criar novos hábitos ou mudar os antigos, nosso aliado mais importante é a atenção aos nossos comportamentos. Temos de tomar consciência sobre o que estamos ou não fazendo, seja em direção à transformação ou até à permanência dos padrões – se essa for nossa vontade. Estar no controle é o fator mais importante para definirmos as rotas do caminho e chegarmos bem ao fim dele. Seja seguindo a ordem da lógica, seja pulando algumas páginas.

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