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Leitura de banheiro
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Ela nos distrai e nos faz esquecer, por um período breve, que não temos controle sobre nosso organismo e sobre nossa vida

Por que, para tantos de nós, é imprescindível ler enquanto o corpo desempenha suas funções fisiológicas? Já aconteceu com todos: entrar apressado no banheiro e descobrir-se sem nada para ler. Nem um amarrotado jornal velho. É o momento de olhar com apetite para as embalagens dos produtos de higiene, descobrir que o xampu tem Lauril Sulfato de Sódio e o quanto de flúor sua pasta de dentes oferece para a “máxima proteção anticáries”. Melhor a química antipoética que enfrentar o vazio do momento.

Dormir também requer algumas linhas, um pouco de televisão, um trecho de filme já visto. Qualquer coisa que faça companhia sem exigir concentração. Essas frases, páginas antes de o livro tombar, ou as imagens da tela, cujo conteúdo vai ficando longínquo, nos ninam. Recuperam a ilusão infantil de um anjo da guarda, um imaginário escudeiro do sono. Os órgãos prescindem da consciência para suas rotinas de organização, manutenção e faxina. Eles trabalharão alheios a quem somos e ao que queremos.

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Ir ao banheiro é, como dormir e comer, um modo de ser lembrado da nossa natureza. A exigência de ingerir e processar energia a partir do alimento, de eliminar do corpo aquilo que não serve mais, revela nossa condição de organismo, mais um dos tantos que andam por aí. Embora mais complexos que uma ameba, como ela, em síntese nosso percurso se reduz a adquirir e gastar energia, até o momento de se apagar. Nosso corpo nos escuta, mas pouco, certamente menos que gostaríamos. O coração movimentará uma precisa máquina fisiológica, iniciará e cessará seus batimentos, pouco ligado aos quereres do seu portador e ao amor do qual lhe supomos ser sede.

Um consolo bobo

Nada nos confronta tanto com essa insuportável materialidade como os desmandos do eloquente intestino. Ele costuma ser nervoso, opinático, é impossível não levar em conta suas expressões. Podemos até nos rebelar, mas, no fim das contas, sucumbimos a seu comando e tomamos o rumo do banheiro. Palavras — mesmo que as mais esdrúxulas como Hydroxypropyltrimonium Chloride — ajudam a agarrar-se na crença na supremacia da inteligência humana, que supomos que nos distancia de outros seres vivos.

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Distrair-se da nossa materialidade e do quanto nossa fisiologia nos governa, sem que a gente se dê conta disso, é um consolo bobo. Faz parte da petulância humana de alienar-se da condição de organismo automático e passageiro. Mas terrível mesmo não é isso: é descobrir que se está sem óculos para conseguir ler as letras miúdas e acessar a informação imprescindível da fórmula do enxaguante bucal.

Diana Corso é autora do livro Tomo Conta do Mundo — Conficções de uma Psicanalista.

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