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Faça as pazes com seu corpo
Rodolfo Sanches Carvalho | Unsplash
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Aceitar nossas formas com mais carinho e enxergaa beleza que existe em nós melhora a autoestima e nos permite aproveitar a vida com mais alegria

Eram três calças. Uma por cima da outra. Primeiro, eu colocava uma legging fio 110. Por cima, outra legging, de elastano e algodão. Por fim, o jeans sem strech , cuidando milimetricamente para que o cós das calças de baixo não denunciassem o meu genial truque. Eu seguia com afinco esse hábito todas as vezes em que ia sair. Era o único jeito – na minha cabeça, claro – de conquistar as pernas grossas que o meu biótipo nunca me permitiu ter, mas que eu desejava com toda a força do universo. Parece um tanto surreal (e ridículo) que alguém possa ter feito isso, mas foi o que eu fiz por um razoável tempo, independentemente do clima. No frio (mais tolerável), ou no verão de rachar, derretendo por dentro. Como muitas mulheres, meu sonho era ter outro corpo.

Especialmente outras pernas. Hoje sei que não havia nada de errado com elas, mas eu não estava contente. Só alguns anos depois é que fui capaz de amá-las como são, ainda que elas permaneçam longas e finas como sempre foram. Hoje penso quanto tempo e energia de vida eu desperdicei por me ver de forma tão distorcida. Essa pequena história particular é um exemplo de que no fundo não importa se ter pernas longas está na moda ou não. Se as pessoas acham bonito ou não.

Escondemos o que julgamos imperfeito
em nós sem refletir sobre quantas

oportunidades de viver bem são perdidas
por causa da reprovação ferrenha
e da autocrítica

Porque quem tem que gostar, de verdade, somos nós mesmos, seja lá qual for a nossa aparência. Estar em paz com as suas formas é como permitir que a vida possa seguir em frente e você se tornar capaz de aproveitar as oportunidades sem medo do que vão achar sobre o seu corpo. O mágico de tudo isso é perceber que, independente do que você desgosta (O peso? O nariz? As pernas? A barriga? O cabelo? Pode escolher), é possível reverter o desfecho sem se meter em dietas mirabolantes e frustrantes ou tratamentos que causam sofrimento em vez de liberdade. O grande segredo, que eu já vou entregar logo no começo, é mudar o seu olhar sobre si mesmo.

Você talvez não vá terminar de ler este texto se sentindo o rei ou a rainha da autoconfiança. Mas, se a beleza está nos olhos de quem vê (e eu realmente acredito nisso), qualquer um pode experimentar se olhar de uma nova forma. E enxergar o belo que verdadeiramente existe. Quer tentar?

Felicidade imperfeita

É comum acreditarmos que só quando tivermos o corpo perfeito é que seremos felizes. A partir desse instante, vamos começar a desfrutar a vida, a usar aquela calça de número diferente, guardada há tempos e que compramos como “incentivo” para caber nela depois da dieta. O biquíni terá vez para ir à praia sem receio dos olhares tortos que nos envergonhem pelas celulites. Ou que só depois da progressiva é que teremos dignidade para andar com os cabelos ao vento.

No meu caso, a minissaia seria usada apenas quando a circunferência das minhas coxas fosse maior. Mas isso não parece justo com a vida, nem consigo mesmo. Se esperarmos pelo corpo perfeito, é possível que nunca nos olhemos no espelho sem procurar um defeito aqui, uma imperfeição ali.  Por que tanta insatisfação? As inglesas, segundo um estudo do Centro de Pesquisas sobre Aparência da University of The West of England, já manifestam descontentamento com a forma física aos 7 anos. Insatisfação que chega a acompanhar parte delas até os 80. É como passar a vida toda em guerra com você mesmo.

E por que isso acontece? A sociedade e a mídia exercem, querendo a gente ou não, uma pressão para que estejamos dentro de um padrão estabelecido como bom ou adequado. Parece altamente imoral e fracassado que você esteja acima do peso. Que não dome os cachos com um bom alisante. Inspirada por estudos já realizados em outros países, a nutricionista Maria Fernanda Laus, do departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da USP, realizou uma pesquisa que compara o nível de satisfação dos entrevistados antes e depois de terem tido contato com padrões de beleza veiculados pela mídia.

Homens e mulheres foram divididos em dois grupos. Um deles foi exposto a imagens de modelos que representam um ideal de beleza segundo a mídia. O outro grupo apenas viu fotos de objetos neutros, como um balde ou relógio. O resultado apontou que, entre o primeiro grupo, 37,5% das mulheres e 59% dos homens selecionaram um corpo diferente do que desejavam antes da visualização das imagens. Entre as mulheres, 80% delas escolheram uma silhueta mais magra. No grupo das fotos neutras, nenhuma alteração aconteceu. “Por um tempo, a questão da identidade humana estava muito mais ligada a campos como carreira, religião ou família. Mas hoje o que impera é o corpo, o culto à imagem e a aparência”, observa Luciana Conrado, médica dermatologista e membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia.

Esses padrões do corpo sem imperfeições perturbam não só mulheres, mas também homens, que constantemente se queixam de pouca massa muscular ou da barriga saliente. É uma insatisfação geral e uma cobrança sem fim. “Tudo parece ligado às aparências, é mais importante o que vamos mostrar aos outros, esquecendo do que nós sentimos por dentro”, observa Sophie Deram, nutricionista francesa e autora do livro O Peso das Dietas. Além disso, criamos uma relação de consumo com a beleza e, assim, o corpo passa a ser visto como produto, cujos “defeitos” precisam ser corrigidos e controlados – o que não deveria ser verdade.

Foi observando a frequência de pacientes que chegavam ao seu consultório com queixas de imperfeições (que ao olhar médico eram mínimas, quando não imperceptíveis, ou, no fundo, apenas características nossas) que Luciana Conrado escolheu o tema do seu mestrado no Instituto de Psiquiatria da USP: o Transtorno Dismórfico Corporal. “Todos nós podemos ter algum aspecto da nossa imagem de que não gostamos, mas não podemos deixar de viver por causa disso. A pessoa que sofre do transtorno tem uma distorção da própria imagem, o que em muitos casos a atrapalha a levar uma vida social e a realizar atividades que seriam prazerosas, mas que são evitadas por não querer expor o que ela enxerga como defeito”.

O descontentamento pode estar no nariz, nos seios, nos bíceps. Quem tem o transtorno sofre de uma preocupação exagerada com algo que a maioria das pessoas nem notaria, mas que nelas parece haver apenas deformidade. Além de evitar situações em que o “defeito” ficaria evidente (como ir à praia), ela também tenta camuflar aquilo que causa sofrimento, como o uso de roupas largas – no meu caso, as três calças que eu vestia para disfarçar algo que não tinha nada de errado; só não era como eu queria.

Buscar a comparação, muitas vezes
em padrões inatingíveis de beleza,
quase sempre resulta
em frustração. E, aos poucos,
vamos minando nosso amor próprio

Ainda que não existam causas padrão para que se desenvolva o comportamento, muitos especialistas consideram o impacto das influências culturais sobre nós, muitas vezes originadas na infância ou adolescência, momentos frágeis da nossa personalidade e autoestima. Uma família que dá ênfase a conceitos estereotipados de beleza, e parentes ou pessoas próximas que fazem comentários sobre a aparência podem favorecer o desenvolvimento do transtorno.

É na adolescência, inclusive, que surge outra questão física: a preocupação com o peso, quando o corpo passa por transformações mais evidentes. “É muito importante que os pais ajudem os filhos a crescer em paz com os alimentos e felizes com o próprio corpo”, aconselha Sophie Deram, que tem ganhado destaque por suas ideias sobre nutrição. Ela propõe que, antes de reclamar por causa do nosso peso, a gente se questione por que queremos tanto emagrecer: tem a ver com ser saudável ou é apenas por interesse estético?

Quem tem um peso adequado ao seu biotipo, mas não se sente satisfeito com as medidas, pode iniciar um ciclo de efeito sanfona ao obrigar o corpo a perder mais e mais quilos de forma não saudável. “O recado que recebemos de todos os lados – jornais, revistas, televisão, vizinhos – é que nosso corpo é modelável, que podemos ter o tamanho e a aparência que desejarmos e que isso é só uma questão de controle e investimento, o que não é verdade. Isso só gera frustração e angústia”, diz Sophie. Quem não está feliz com o que apontam os ponteiros da balança precisa saber que, ao contrário do que se postula, emagrecer está longe de ser só uma questão de fechar a boca e fazer exercícios. E de que basta ter força de vontade

ou disciplina. “Comer tem a ver com as suas emoções, com sentimentos de prazer e de culpa, da forma que você se relaciona com a comida”, observa. Por isso, querer emagrecer de forma radical se transforma em uma agressão ao organismo. Aí, o cérebro vai aumentar a fome, e fazer você armazenar gordura, na tentativa de protegê-lo da escassez de comida. Isso explica porque 95% das pessoas que fazem regimes restritivos não só voltam ao peso de antes como, muitas vezes, ganham mais quilos. “Fazer dieta estressa o corpo, e influencia o metabolismo.  Para emagrecer, é preciso comer com prazer, com tranquilidade”, alerta a nutricionista.

A apresentadora americana Oprah Winfrey é um exemplo de quem lutou contra a balança (e contra a própria beleza) durante décadas até compreender o valor de ser única e desfrutar com gratidão do corpo que possui. “Ainda tenho a ficha que preenchi para o primeiro nutricionista com quem me consultei, em 1977. Eu tinha 23 anos, pesava 67 quilos, vestia tamanho 42 e me achava gorda. O médico me prescreveu uma dieta de 1.200 calorias por dia e em menos de duas semanas perdi 4,5 quilos. Dois meses depois, tinha ganhado 5,5 de volta. Assim começou o ciclo de descontentamento, de luta contra o meu corpo. Contra mim mesma”, conta ela em seu livro O Que Eu Sei de Verdade  (Sextante). Oprah também descreve a primeira vez em que se olhou no espelho sem colocar a autocrítica em ação.

“Tive uma sensação calorosa de gratidão pelo que via. Meu cabelo trançado, meu rosto limpo, sem nenhum traço de maquiagem. Meus olhos brilhantes, vivos. Disse a mim mesma: ‘Este é o corpo que lhe foi dado – ame o que você tem.’ Então comecei a amar verdadeiramente o rosto com que nasci: as linhas que já estavam debaixo dos meus olhos aos 2 anos de idade ficaram mais profundas, mas são as minhas linhas. O nariz largo que aos 8 anos tentei afinar prendendo-o com um pregador de roupas e colocando uma bola de algodão de cada lado para dormir é o mesmo nariz do qual aprendi a gostar. Os lábios grossos que eu costumava puxar para dentro sempre que sorria são os mesmos que usei para falar com milhões de pessoas todos os dias – meus lábios precisam ser grossos”.

O importante é olhar
para nossos traços e silhueta
e enxergar tudo isso como algo
único e especial. E apreciar
o que temos de mais belo
em nós mesmos

Oprah nos propõe lançar um olhar afetuoso sobre nós, um olhar de compaixão em relação às características que nos causam dor e tristeza, mas que representam quem somos – e que nos possibilitam desfrutar da vida. Enxergar o corpo como um veículo que nos permite sair, conhecer pessoas, viajar, namorar, saborear, sorrir, caminhar e se divertir é entender que ele não serve apenas para estar “bonito”. É claro que cuidar de si é importante, mas para viver mais e melhor. E não para nos encaixar em uma forma que nos tem sido imposta. Também devemos, sobretudo, questionar o que é a beleza, afinal. Porque dentro do nosso padrão atual, beleza só vale se for branco e magro. E isso precisa ser desconstruído já. Há beleza em todos nós, em cada um de nós. Mesmo que queiram nos vender e impor o contrário.

O próximo passo é tentar não se depreciar todas as vezes em que se olhar no espelho. Quem propõe o exercício é a professora de ioga Tamara Queiroz, que também passou por um longo processo de aceitação da própria imagem até libertar os fios cacheados das chapinhas e progressivas. “Se ao olhar uma foto sua você sempre faz algum tipo de comentário que diminua a própria imagem, você está se depreciando. E o mesmo acontece quando, ao receber um elogio pela roupa bonita que está vestindo, você sempre diz algo do tipo ‘comprei na liquidação’, ou qualquer outra resposta que se oponha a um elogio recebido. Se você fica encabulado, apenas sorria ou diga um obrigado”, diz. Policiar-se a cada vez que tiver uma observação destrutiva sobre você já é um grande passo para fazer as pazes com o espelho. Comprometa-se nesse exercício por dois ou três dias. Estenda para uma semana. Aos poucos, incorpore isso ao seu dia a dia. E também não deprecie quem você considera estar fora de forma. Porque se temos receio do que vão pensar sobre nós, é porque também julgamos as outras pessoas.

Ser você é ser livre

Encarar as nossas diferenças como particularidades que nos tornam mais especiais sem se importar com o que os outros acham traz alívio. Segundo o escritor americano Neale Donald Walsch, autor da série de livros Conversando com Deus , “enquanto estiver preocupado com o que os outros pensam a seu respeito, você pertence a eles. Só quando deixa de buscar a aprovação externa você se torna dono de si mesmo”. Depois de dez anos lutando e se machucando na busca pela cura do vitiligo, a designer Bruna Sanches passou a valorizar as manchinhas que carrega nas mãos. “Eu tinha tanto medo das pessoas não me aceitarem que praticamente me apresentava assim: “Oi, meu nome é Bruna e eu tenho vitiligo”. Ela descobriu a doença aos 18 anos, depois de uma mancha clara surgir no canto da boca.

Na última década, tentou muitos tratamentos para se livrar das marcas que ganhou. Além de pomadas e remédios, fez fototerapia e laser, mas os tratamentos não apresentavam melhoras reais, apenas mais dor e sofrimento. Ela chegou até a cogitar um enxerto de pele. “Quando contei para o meu namorado sobre essa alternativa, ele ficou triste. Disse que o vitiligo não significava nada perto da pessoa que eu era e ele amava. E que ficava mal em me ver ser machucada por mais um tratamento”, conta. “Um amigo meu disse que não vê manchas, mas desenhos lindos e únicos”, diz Bruna. Sinal de que o que vale é mesmo o olhar.

Valorizar e respeitar as diferentes belezas
sem estereótipos nos ajuda a conquistar a
autoconfiança para viver em
paz conosco e com o mundo

Buscar um corpo perfeito dentro dos estereótipos a que estamos acostumados a enxergar é como se trancar em uma prisão. Se finalmente o conquistarmos, viveremos em uma luta para mantê-lo. E, se perdermos, voltamos ao estágio inicial de frustração. Porque tudo pode mudar, por algum acontecimento ou pela simples passagem do tempo que nos modifica. Paola Antonini é uma jovem

modelo de 21 anos. “Perfeita” dentro dos padrões mais clássicos de beleza. Magra, dona de um sorriso bonito, e popular, com muitos seguidores no Instagram. No final de 2014, enquanto colocava as malas no carro para a viagem de ano novo, foi atropelada e prensada no para-choque por uma motorista que dirigia embriagada. No hospital, a notícia: a perna esquerda precisou ser amputada. Agora, a prótese que dá lugar à perna continua cumprindo a função em seu corpo.

Paola posta fotos na praia, andando de skate. Veste calça, saia, short. Usa bota, sapatilha. “Em um mundo onde a beleza padrão tem prevalecido, quem sabe não são justamente nossas imperfeições que nos tornarão pessoas diferentes e únicas? A vida passa muito rápido e o que importa é o que realmente somos e quem temos ao nosso lado”, reflete Paola.

No fim, tudo isso não é para você achar que não deve cuidar de si, nem ajustar o que pode melhorar. E, sim, dizer que os pontos fortes podem sempre se sobressair. Que tal esquecer as comparações e experimentar se olhar com amor, enxergando a beleza de ser único e especial? Uma hora a mágica acontece. Porque a beleza está mesmo nos olhos de quem vê.


DÉBORA ZANELATO é editora chefe de Vida Simples. Aprendeu a gostar das pernas finas e hoje se sente linda usando saia com sandália.

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