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Cultive as suas amizades
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Meu melhor amigo caminha comigo pela vida já há mais de 15 anos. Lembro bem quando nos conhecemos: a escrita e a profissão de jornalista fizeram nossas palavras se encontrarem e permanecerem juntas até hoje. Temos histórias e aventuras suficientes para escrevermos um livro, passando por momentos tristes e chegando até conquistas importantes, comemoradas um ao lado do outro.

E não há, no entanto, nada especificamente grandioso que o faça ganhar esse título de melhor amigo. Tento pensar se houve algum momento certeiro, alguma coisa bonita, forte, capaz de justificar essa amizade. Mas, além da afinidade e das memórias, não me recordo de mais nada para te contar aqui, agora. Talvez tenha uma coisa: na nossa amizade não existem cobranças.

Elas nunca existiram. Podemos ficar dias ou até mesmo meses sem conversar, e isso não diminui o carinho que sentimos um pelo outro. Quando nos falamos ou nos encontramos, é como se nunca tivéssemos nos separado: ganhamos de volta todas as horas que construíram nossa distância. Isso acontece, acredito eu, porque aprendemos a cultivar nosso afeto e nosso respeito, mesmo diante desses intervalos de presença.

A essência das amizades verdadeiras – e o segredo para elas permanecerem além do tempo – é justamente a compreensão de que nem sempre vai dar para falar ao telefone todos os dias. Ou escrever grandes e-mails contando notícias. Ou ainda marcar encontros semanais para rever a vida. Sempre achei que os amigos verdadeiros moram nos espaços mais preciosos da gente.

E isso não quer dizer que estaremos fisicamente juntos o tempo todo: cada um precisa existir em suas individualidades, para cumprir o papel de somar na vida uns dos outros. Mas aí você pode estar se perguntando agora: como cultivar as amizades sem ter essa proximidade diária, sem olhar nos olhos e dividir abraços frequentes?

Estar perto não é só físico

Talvez a resposta para essa pergunta não seja minha, mas do roteirista Ismael Caneppele. “Estar perto não é físico. Nunca foi. Nunca será”, ele escreveu. E eu concordo. Às vezes, por diversos motivos, não conseguimos mesmo ser presença física o tempo todo na vida uns dos outros. E isso não significa que somos melhores ou piores amigos, mas que precisamos dos nossos instantes de quietude para só então estarmos inteiros em nossas relações.

O silêncio também faz parte da travessia e ele não tem nada a ver com abandono ou rejeição, mas é importante para nossas amizades (e para nós mesmos) que elas existam com mais leveza.

Os amigos nos ajudam a caminhar pela vida. Com eles, dividimos quem somos e falamos das dores e alegrias.

“Hoje em dia, tudo acabou ficando muito urgente. E, às vezes, é difícil acompanhar a velocidade das coisas”, me disse a psicóloga Bruna Berger. Com os encontros virtuais e a facilidade das redes sociais, essas urgências lembradas por ela parecem ter aumentado mesmo. As mensagens e ligações são canais rápidos de encontro do outro, mas, ao mesmo tempo, podem ser um peso quando acontecem acompanhadas de cobranças ou de necessidades de respostas imediatas.

Vê-se por mim: sou a amiga sempre atrasada em responder aos grupos ou às mensagens nas quais percebo não haver tanta urgência. E quase nunca atendo ao telefone. No entanto, meus amigos sabem que estou aqui, pronta para contribuir como posso e de forma efetiva na vida deles sempre que necessário, seja em forma de palavra ou de escuta.

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Quão rápido eu respondo não determina o tamanho do meu amor. Eu enxergo essas pausas como uma forma de me reservar o silêncio no meio de tantas informações e preservar meu coração inteiro para se dividir nas horas certas. “Um caminho para preservar as amizades de forma saudável é separar o urgente do emergente. Assim, fica mais fácil para cada um de nós manter as conversas no tempo delas”, sugeriu Bruna.

Ela disse que o importante é sempre ter bem claras as nossas intenções dentro de cada conversa, para não deixar fios soltos em nossos grupos de convívio. “Às vezes, podemos até combinar com os amigos de nos enviarem sinais sobre mensagens realmente urgentes. Aí, automaticamente ficamos sabendo da necessidade de dar atenção a elas primeiro”, sugeriu Bruna.

Outro caminho possível para criar um ponto saudável em meio às distâncias físicas é nos abrir para entender como é de fato cada um de nossos amigos. Alguns deles, por exemplo, são mais introspectivos como eu, outros mais falantes, e ainda existem aqueles mais agitados e empolgados em contar sobre si. Ter esse entendimento nos dá abertura para sermos claros em nossas possibilidades, nosso tempo e nossas emoções.

E também nos ajuda a encontrar o equilíbrio dentro do nosso dia a dia e dessa presença não física. Sermos honestos é, ainda, a melhor forma de conduzir nossas relações. “Cada amigo tem um papel em nossa vida e talvez isso seja o mais bonito das amizades. Saber que cada um está ali para nos ajudar com alguma situação diferente diz muito sobre quem trazemos junto com a gente pelo caminho”, completou Bruna.

Antes de março do ano passado, ela e as amigas tinham o costume de se encontrar semanalmente para tomar um café e conversar. Depois, com a pandemia e as novidades com as quais aprendemos todos os dias a conviver, os encontros passaram a ser virtuais. Mas não aconteceram com a mesma frequência de antes.

Um pouco pela dificuldade em conciliar horários, outro pouco pela estranheza em manter aqueles encontros funcionando sem os abraços e o calor da presença. Ela disse que, agora, parecemos ter de nos adaptar o tempo todo às novas formas de nos relacionar com essa distância forçada. E isso também pode provocar afastamentos, se não aprendermos a cultivar nossos laços com delicadeza.

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“Somos seres gregários. E, para nós, cultivar as amizades e mantê-las é muito importante”, explicou. Sim, precisamos uns dos outros para dividir alegrias, pesos, sorrisos e dores. Quando isso não existe, sentimos um vazio provocado pela ausência e pela falta de costume em sermos assim, sozinhos.

Por isso, aprender como funciona a nossa rotina e também a do outro é precioso para cultivar as nossas amizades. Lembrando sempre que o respeito e a empatia são as chaves principais das portinhas de nossas relações. Sem esquecer, é claro, os cuidados com o nosso lado de dentro.

Mas nem sempre é possível manter conversas frequentes e encontros periódicos como gostaríamos.

Como se fazer presente

Esse estar presente não precisa ser físico, você já sabe. Mas, às vezes, ele pode até se materializar em pequenos gestos de afeto vindos do coração, capazes de dizer tanto ou mais do que nossas próprias palavras. A designer e artesã Mayara Leão fez desse jeitinho: ela e o companheiro com quem divide os dias materializaram o carinho sentido pelos amigos e o fizeram chegar na porta de cada um deles. “Temos um amigo que vende café em Belo Horizonte. Um dia estávamos em casa e recebemos uma mensagem: ‘desce aqui!’.

Quando fomos ver, tinha um pacotinho de café pendurado em uma árvore com um bilhetinho”, ela contou. Aí começou a corrente: da cozinha da casa dela, saíram pães quentinhos direto para a porta da casa dos amigos, que por sua vez também deram seu jeito de estar presentes, por meio de bolos e biscoitos feitos por eles mesmos, limão colhido do quintal, receitas carregando histórias antigas e familiares.

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“Era sempre algo afetivo, feito por cada amigo ou vindo de algum lugar importante para cada um. Foi divertido porque ficávamos sempre na expectativa do que viria”, lembrou Mayara. E o trabalho da Mayara também tem a missão de entregar afeto em forma de presente: ela faz, manualmente, joias delicadas que, muitas vezes, chegam a cantinho de pessoas que ela ainda nem conhece.

“No começo da pandemia, eu questionei o meu trabalho diante de tudo o que estava acontecendo. Mas, aos poucos, as pessoas foram me mostrando que tinha um propósito ali, de inspirar e levar um pouco de cor e leveza.” Dessas delicadezas, o Projeto Palavra é o que mais tem encontrado outros lares.

A partir de uma palavra escolhida por cada pessoa, Mayara produz colares em papel e resina, para cada um carregar consigo aquilo que sente – ou o que deseja para o outro. “As palavras mais pedidas são calma e coragem. Dizem muito sobre o que precisamos nesse momento”, conta. “Fico feliz quando dizem que é um presente para outra pessoa. É como se também enviassem um desejo e um afeto meu em forma de presente.”

A psicóloga Bruna Berger me lembrou a história d’O Pequeno Príncipe e de como ela nos ensina sobre cativar, sobre cuidar, sobre ter empatia e sobre respeitar o tempo uns dos outros. “O cuidado dele com a rosa, a espera para encontrar a raposa. Tudo isso nos traz de uma forma muito bonita a simplicidade dos afetos e das construções de amizades verdadeiras.”

Uma vez, um colega de trabalho me disse algo que nunca esqueci: amigo é casa, onde a gente entra sem bater. Cuidar de nossas amizades é também cuidar dos nossos lares internos e externos, com todo o amor que trazemos com a gente pela travessia.

Por isso, podemos criar, entre amigos, um espaço de presença sem cobranças, que transcende tempo e espaço.


DÉBORA GOMES tem o costume de não atender ao telefone. Mas tem sempre um ombro à disposição para os amigos repousarem seus sonhos.


*Este texto foi originalmente publicado na edição 231 da Vida Simples

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