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Como envelhecer
Paola Viveiros
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Tio Josias ou Jó, como gostávamos de chamá-lo, estava com 82 anos. Era o irmão mais velho da minha mãe. Lembro dele como um homem grande, pouco afeito a palavras gentis. Ria pouco, brincava pouco, abraçava pouco. Era parecido com a minha avó Esther, na aparência e no afeto medido a conta-gotas. Eu não via tio Jó havia muitos anos.

Um dia, minha mãe me ligou e deu a notícia: “Meu irmão Josias morreu na quinta” – era um domingo. Eu não sabia ainda o que falar, quando ela emendou. “Falei com ele na segunda, se despediu dizendo que eu ficasse bem. Ele só estava esperando seu dia de partir. Morava sozinho, porque não queria dar trabalho para os filhos, e passava todo o tempo no apartamento, só esperando… Deixou até mesmo o próprio enterro pago”, contou. “Também, já estava com 82 anos”, finalizou ela, e entramos em outro assunto.

Estar com 82 anos é mesmo pré-requisito para partir? Se tem algo que me dá um baita receio é ir embora com a sensação de que a festa ainda não acabou. Essa, aliás, é uma reação que adoro ver em meus filhos: eles sempre querem aproveitar cada instante (de uma festa, de um passeio) até a última gota. É intenso, o tempo todo. Faz sentido, porque, pra gente, esse é um comportamento normal de quando se é criança. Mas por que a vida não pode seguir assim, intensa, apaixonante, divertida em todas as idades?

Como envelhecer com plenitude?

Não quero esperar o tempo passar para ver a festa, chamada vida, terminar ou, pior, sair antes mesmo de ela se dar por encerrada. Fazer isso pode ter um preço alto: o de não viver. Isso me recorda a poetisa Cora Coralina, que teve seu primeiro livro publicado com quase 76 anos – ela morreu com 96 –, e de uma frase que li e cuja autoria é remetida a ela: “O que vale na vida não é o ponto de partida, e sim a caminhada”.

Cora Coralina, aliás, é só um exemplo entre tantos outros escritores que se dedicaram às palavras depois de… velhos, quando, normalmente ou socialmente, se espera que você se acomode em uma cadeira e conte os dias sentado numa poltrona.

Mas como envelhecer com plenitude, aproveitando o melhor da caminhada, como diria Cora Coralina? A socióloga, jornalista e escritora inglesa Anne Karpf é autora do ótimo Como Envelhecer (Objetiva), que faz parte de uma coleção lançada pela The School of Life, e dá uma pista: para envelhecer bem é necessário falar sobre aquilo que mais nos apavora, enfrentar medos, barreiras dentro e fora da gente. E envelhecer e morrer (os dois juntos, nessa sequência) está entre os temas que mais nos amedrontam.

Encontrar sua melhor versão em cada fase da vida

No entanto, por mais irônico que pareça, se existe algo certo é que vamos envelhecer e morrer. É inevitável. O problema, segundo Anne, é que gastamos energia demais na luta contra a passagem do tempo, e que poderíamos dedicá-la a viver de uma forma mais plena. “Para um grande número de pessoas, envelhecer significa empobrecer, o que, por sua vez, impede os mais velhos de viver os prazeres e a plenitude da vida”, escreve Karpf.

Então, nesta reportagem, não vamos falar sobre como barrar esses processos (não dá). Nem como chegar aos 70 como se tivesse 50. Ou dos métodos para que a passagem do tempo não seja avassaladora para o seu corpo – isso você encontra nas boas reportagens de saúde. O caminho pelo qual optamos aqui é como ser você – ou encontrar a sua melhor versão – em cada fase da vida.

E, para isso, peço licença para usar um dos mais belos exemplos que li no livro de Anne Karpf: “O processo de envelhecimento é tão caricaturado e repudiado que as pessoas mais velhas costumam dizer, surpresas: ‘Não me sinto velha, ainda me sinto como se tivesse 18 por dentro’. Elas ainda têm 18 anos por dentro – e 8, e 28, 38, 48 e 58: todas as idades anteriores não são estripadas pela idade, e sim cobertas umas pelas outras, como anéis no tronco de uma árvore”. Sim, somos como um tronco de uma árvore ou como um bolo em camadas (imagem, aliás, usada lindamente para ilustrar estas páginas), e todas as idades nos pertencem, fazem parte de nós, uma a uma.

Como lidar com o próprio envelhecer?

Mas por que, afinal, temos tanto receio de ver a pele ficar flácida e os cabelos, brancos? Um desses fatores é cultural. E perpetuamos isso todos os dias. Quando se fala em alguém com 70, 80 anos, em geral usamos ícones relacionados a enfermidades: pessoas encurvadas, com olhar triste, solitárias, usando bengala. “As pessoas mais velhas costumam ser identificadas não pelas suas capacidades, mas pelas deficiências”, explica Karpf. Para não ajudar, os artigos de revistas falam sobre “como ficar fabulosa aos 50”. São textos que não nos desafiam, mas tentam apenas nos ensinar como maquiar ou encobrir os sinais da velhice.

A realidade é que a quantidade de pessoas com 80 ou mais só tende a aumentar – estamos vivendo mais. “Esses homens e mulheres passam a ser vistos como um fardo. E, pior, as pessoas não se enxergam como idosos, parece um futuro que não pertence a elas”, continua Karpf. Como vamos lidar bem com o próprio envelhecimento se olhamos para isso com medo e sem admiração por quem já chegou a essa fase da vida? “O envelhecer é um processo que começa no nascimento, nunca cessa e sempre tem o potencial de enriquecer nossa vida”, pontua Karpf.

O tempo não para

Existem algumas maneiras de lidar com isso. Há projetos, espalhados pelo mundo, que mostram que a idade cronológica, muitas vezes, realmente não importa. Um deles é a Generations United, uma organização americana que estimula a colaboração entre gerações. A convivência pode ser um caminho lindo para reduzir as distâncias.

Na prática, eles colocam idosos para conversar com jovens e crianças e, juntos, debaterem soluções para a comunidade. Magic Me, o mais importante organizador britânico de projetos internacionais, reúne meninos e meninas com mais de 8 anos com gente com mais de 60 para realizarem atividades criativas, como música, teatro, fotografia. A ideia é aproximar e fazer com que as pessoas percebam que têm muito a aprender e a ensinar o tempo todo.

Até o momento a ciência ainda não descobriu como evitar que o corpo envelheça ou, se me permite, que o ciclo de vida se complete, num processo de amadurecimento que pode nos transformar em frutas maduras, tenras e doces ou em algo amargo e difícil de digerir. Todos temos esse poder de escolha. O que torna isso difícil é o fato de nossa sociedade supervalorizar a juventude – o que cotuma ser mais perverso para quem vive em torno da aparência. Só que envelhecer não é só um processo fisiológico, é também psicológico, intelectual e cultural.

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