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Um novo olhar para o trabalho
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O brasileiro Thomas Eckschmidt lidera uma nova maneira de perceber os negócios, cuja essência é o entendimento de que o lucro não deve nos mobilizar. A nossa função no mundo, sim

Thomas Eckschmidt tem sobrenome difícil de pronunciar – e de escrever. Mas o sorriso no rosto é fácil, assim como o constante brilho nos olhos. Ele lidera um movimento que, num primeiro momento, parece difícil de entender, principalmente para quem não se interessa por economia ou gestão de negócios: capitalismo consciente. Capitalismo o quê? Consciente. Um movimento que vem ganhando o mundo e tem como um de seus principais divulgadores o brasileiro Thomas, que tem sobrenome alemão, mas nasceu por aqui, em terras paulistanas, numa casa na zona sul da capital, com quintal e vários bichos de estimação, de tartaruga a cachorro. 

Engenheiro, formado pela Faculdade de Engenharia da Universidade de São Paulo, a Poli, casado, pai de uma adolescente, Thomas se encantou pelo tal capitalismo consciente, um novo olhar sobre os negócios, menos focado no lucro e mais nas pessoas e no bem comum, há quase dez anos, quando começava a empreender em uma startup – depois de galgar posições em multinacionais diversas e passar boa parte do seu tempo fora do Brasil. “Um dia, dei de cara com um artigo sobre capitalismo consciente assinado pelo americano John Mackey, fundador da Whole Foods, uma das principais redes de supermercados dos Estados Unidos, que comercializa produtos naturais. Quando li, pensei ‘nossa, é isso o que a gente faz na nossa startup e eu não sabia.”

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O capitalismo consciente

Brilho nos olhos, Thomas descobriu que haveria um evento sobre o tema, nos EUA. “Liguei para o organizador e disse que queria participar, falar sobre a minha experiência com capitalismo consciente no Brasil. Ele riu na minha cara. Foram várias conversas até que me chamaram para participar do evento – não para palestrar, mas para saber mais sobre o tema. Aceitei.” O tal evento aconteceu em 2010, e reuniu 80 líderes de grandes empresas, que já tinham um olhar voltado para esse jeito de olhar os negócios. Chegando lá, Thomas, novamente com brilho nos olhos, deu de cara com um homem, que ele não fazia a menor ideia de quem era. “Ele disse que tinha a impressão que nos conhecíamos e, como no meu período de atuação em multinacionais, fui apresentado para muita gente, achei que fosse possível que nos conhecêssemos daquele tempo.

Então fomos tomar um café e bater papo. O café durou três horas, com conversas diversas em que eu contei muito do que estava fazendo no Brasil.” Horas depois, ao olhar o material impresso do evento, Thomas reconheceu, então, seu mais novo amigo, aquele com quem tinha tomado café. Era nada mais, nada menos que John Mackey, da Whole Foods. “Foi ótimo não saber quem ele era, porque falei sobre o meu negócio não para vendê-lo, mas com o coração, e acabamos ficando amigos”, conta. Foi assim que começou a mergulhar no capitalismo consciente, tendo como mentor John Mackey em pessoa.

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A partir de então, Thomas se tornou um dos responsáveis por trazer esse movimento para o Brasil, foi um dos fundadores do Instituto do Capitalismo Consciente por aqui, compartilhou essas ideias no TEDx, deu incontáveis palestras, escreveu livros e criou curso, que ministra dentro e fora do país. O que lhe move? “Acredito que, quando transformamos as pessoas, mudamos o mundo.” É sobre esse movimento de mudança, das pessoas, das empresas e do mundo, que ele compartilha a seguir.

Entrevista com Thomas Eckschmidt

O que é, afinal, o capitalismo consciente?

É a forma natural de a gente fazer negócio, aquela em que cada um reconhece o seu próprio talento. Quando alguém vai começar um negócio, raramente pensa “vou fazer o maior negócio do mundo”. Ele começa para fazer algo melhor, para a sua vida ou para uma comunidade inteira. Essa é a essência do capitalismo. Usar o seu talento para atender a uma necessidade – da minha rua, bairro, comunidade, cidade, país, mundo –, que pode, inclusive, nem ser financeira. O objetivo de uma empresa não é gerar lucro, mas valor para uma sociedade.

Não estou dizendo que o lucro não seja importante, mas o capitalismo só para produzir e consumir não faz mais sentido, porque vivemos num mundo de mais abundância. Vou dar um exemplo do meu negócio. Entre 2006 e 2007, comecei a empreender, depois de quase dez anos só atuando em multinacionais, porque eu queria um desafio e, ao mesmo tempo, algo que me trouxesse liberdade, que eu não ficasse preso num escritório. Foi assim que iniciei um negócio, junto com outros sócios, de rastreabilidade de alimentos, do produtor ao consumidor. A crença era que o caminho do resultado dependia de cada um de toda a cadeia produtiva.

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Se o produtor vende algo contaminado, o distribuidor também está vendendo algo contaminado, assim como o supermercado e, no final disso, o consumidor fica contaminado e doente. Se fazem uma pesquisa e descobrem que aquele alimento determinado está contaminado, aquilo é proibido de ser vendido e todos perdem: produtor, distribuidor, supermercado. Ou seja, o caminho do resultado depende de todo mundo. E a gente começou a liderar um movimento de transformação, rastreando cada pedacinho do processo. O problema é que, no mundo dos negócios, com o tempo, desviamos desse propósito do capitalismo, de reconhecer o talento de cada um e a função disso no mundo.

Por quê?

Porque passamos a olhar demais para o nosso ego e acabamos saindo do caminho da nossa crença.

Hoje ter um propósito, independentemente do tipo de empresa, é importante?

Sim. Todo mundo quando começa um negócio tem uma causa, um propósito, quer algo melhor para si ou para o entorno, para o outro. Um pipoqueiro tem um propósito. Se você perguntar para ele por que está fazendo aquilo, ele vai dizer que é para ganhar dinheiro. Mas se você insistir, investigar e fizer uma série de “por quês” para ele, no fundo é para ser mais feliz, para cuidar da família. Você não precisa querer salvar o planeta do aquecimento global. Salvar-se da miséria é um propósito profundíssimo.

Mas além do propósito você também precisa trazer pessoas para perto de você. Criar um ecossistema forte. Por exemplo, no caso do pipoqueiro, ele pode trazer alguém que venda algodão-doce, e outro que ofereça bebida. Você perde de um lado (em vendas), mas ganha de outro (criando mais oportunidades). O terceiro ponto é criar uma cultura que fortaleça a causa. Porque qualquer um pode te copiar, mas ele não consegue reproduzir o comportamento coletivo a favor da causa. O último ponto é a liderança. O que o mobiliza não pode ser o próprio umbigo ou apenas o bônus que vai receber. Quando o líder faz parte da causa, o incentivo dele aumenta a causa. É um dividendo emocional.

Dá para manter seu propósito mesmo quando o negócio, pequeno ou grande, precisa sobreviver?

É muito fácil você esquecer sobre qual o seu propósito quando precisa sobreviver ou está passando por uma crise. Quando você está nessa fase, só pensa em como ganhar dinheiro e não em como criar um potencial, um movimento, uma ideia. E, dessa forma, todos os outros pilares acabam se perdendo. O propósito, a geração de cultura, tudo se dilui. E, sem se dar conta, você mata o seu negócio. Então, mesmo diante das dificuldades, isso é algo que precisa ser lembrado sempre: por que você faz o que faz?

Mas é cada vez maior o número de pessoas insatisfeitas com o que fazem. Como lidar também com essa falta de propósito individual?

Isso está acontecendo exatamente porque as empresas não estão vivendo seus propósitos. Quando a semana de trabalho termina, é preciso se questionar: o que eu fiz esta semana, as decisões que tomei, estava alinhado com o propósito do negócio? Ou eu fiquei desviando, fazendo coisas nada a ver com isso? Essa clareza você tem que ter no cotidiano. É como meditar. Meditação é algo muito difícil. Você precisa praticar sempre. E as mudanças em você serão percebidas muito aos poucos. É um cultivo diário. No capitalismo consciente, você não pode desistir de suas práticas, do seu propósito, porque os resultados não estão sendo imediatos. É o dia a dia, é não perder de vista o motivo de você estar ali.

Os resultados, muitas vezes, não são rápidos, imediatos. Mas eles acontecem. As primeiras pessoas que começaram a empreender, há séculos, se preocupavam em acumular porque vinham de tempos de muita miséria. E então só pensavam em ganhar dinheiro para que não faltasse para a próxima geração – foi assim que surgiram as primeiras famílias milionárias no mundo. Só para você ter ideia, os primeiros sobrenomes eram sociais, ou seja, eles nasceram a partir da função social que a pessoa exercia. John Baker era o John padeiro. E foi esse mundo de escassez que abriu espaço para um de abundância, que vivemos hoje. 99% das pessoas, hoje, têm mais do que seus pais tinham com a mesma idade: mais informação, acesso, estudos. Então o questionamento não é mais o dinheiro, mas como me relacionar com o mundo em que vivemos.

Você me parece otimista em relação ao futuro…

Não sei se sou otimista. Mas eu vejo muita gente precisando de uma luz e, muitas vezes, essa luz é mostrar como despertar o talento de cada um. Porque o sistema, hoje, destrói o talento. As pessoas sabem, hoje, que não podem confiar na empresa como um lugar seguro. O Google fez um estudo, chamado Projeto Aristóteles. Eles estudaram 180 projetos para entender o que faz alguns deles darem certo e outros não.

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Eles descobriram que o sucesso independe da experiência, da capacidade técnica, do conhecimento adquirido, das amizades. O principal é ter um ambiente de segurança psicológica. É dessa forma que as pessoas produzem muito além do esperado. É o oposto do que as empresas fazem em momentos de crise, que é cortar e criar um ambiente de insegurança porque ninguém sabe se vai ser demitido amanhã, ou até quando vai seguir acumulando mais e mais trabalho. A empresa leva à falência emocional do funcionário.

Você fala sobre negócios e tem uma alegria presente. De onde vem isso?

Eu falo com o coração. E, quando converso sobre aquilo que me apaixona, disparo com as palavras. Tem gente que me pergunta: você só trabalha? E digo: não, eu não trabalho. Só faço o que amo. Acho que essa é a grande diferença. É você descobrir o que te encanta. Às vezes eu entro num flow (fluxo) de produção. Meu primeiro livro, sobre rastreamento de alimentos, escrevi em apenas três dias. Foram 72 horas de trabalho. Eu encontrei meu propósito pessoal. Mudar as pessoas, mudar os líderes, mudar o sistema e, assim, mudar o mundo.

➥ Para saber mais sobre o tema: http://bit.ly/trabalhoeeconomia

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