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Botões perdidos: um resgate de pensamentos.
John Salzarulo | Unsplash
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Em uma data qualquer, ela chegou com um presente daqueles que mostram uma conexão mágica entre duas pessoas. Mesmo que nos encontremos pouco, sempre tive muita empatia com Elza, que é tia do meu marido. Ela viu em uma vitrine uma bola de isopor recoberta de botões antigos e, sem saber por que, decidiu que aquilo tinha que ser meu. Muitos, variados e coloridos, estavam distribuídos com arte, de modo que ao girar a bola era possível apreciar como era rico o mundo dos botões de roupa. Eles reinavam quase absolutos até a popularização do zíper.

A compra da tal bola foi uma aventura à parte, pois ela não estava à venda, era decoração da vitrine. Para piorar as coisas, a proprietária do estabelecimento alegava que havia sido feita a partir da coleção de botões que herdara de sua avó, portanto, impossível cedê-la. Não tenho ideia de como conseguiu convencê-la, mas Elza acredita que venceu graças à sua determinação. Sabia que devia levá-la para mim, embora não compreendesse o motivo.

pensamentos e botoes

Ao receber aquela estranha bola, quase desmaiei. Perguntei-lhe se alguma vez havia lhe dito da falta que sentia da “meia de botões” da minha avó. Eu não tinha registro dessa conversa, nem ela. Mas, sabe-se lá, vai ver que ambas esquecemos, já somos meio velhuscas. O fato é que existia uma maravilhosa meia velha, recheada dos mais variados e incríveis tipos de botões, que morava em uma gaveta da máquina de costura da minha avó. Era um desses carpins masculinos, agora encardido, um envoltório feioso que guardava seu tesouro multicor.

Falando com meus botões

Quando criança, fazia qualquer coisa com aqueles botões: composições, classificações, personagens, eles eram bons companheiros da minha imaginação. Posteriormente, quando minhas filhas chegaram à idade de aprender a costurar, usamos alguns deles para fazer olhos e roupas de bonecas de pano. Um belo dia, a meia desapareceu e minha mãe admitiu tê-la posto fora em um arroubo de limpeza. Admito que meus pensamentos foram matricidas, mas fique tranquilo, ela sobreviveu.

Quando Elza se obsedou pela bola, pensou: “A Diana é psicanalista, escuta o que as pessoas só falam com seus botões”. O que ela não sabia conscientemente era que, no meu caso, os botões eram literalmente memórias de infância perdidas, que ela resgatou. Telepatia entre duas pessoas que se gostam? Memória de um diálogo esquecido? O fato é que hoje a bola mora no meu consultório (e não está à venda). Ela me lembra o tempo todo que ninguém perde definitivamente seus botões. Eles voltam de algum jeito, através das mãos daqueles que realmente nos escutam. Afinal, os assuntos sobre os quais “falamos com nossos botões” costumam girar em torno dos nossos “botões perdidos”.

DIANA CORSO é autora do livro Tomo Conta do Mundo — Conficções de uma Psicanalista.

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