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O futuro do trabalho
Christin Hume | Unsplash
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A tecnologia deverá transformar as carreiras nos próximos anos. O britânico David Baker traz reflexões que nos ajudam a redimensionar, hoje, a importância do emprego em nossa vida

Qual é a dimensão do trabalho em nossa vida hoje? Provavelmente isso deve mudar nos próximos anos. Com os avanços tecnológicos, é possível que para muitos de nós, daqui a duas décadas, não haja emprego suficiente. A tecnologia naturalmente vem transformando a dinâmica das carreiras: aumentando a produtividade e reduzindo o número de postos de trabalho, criando e acabando com profissões.

Esse cenário, estudado pelo escritor britânico David Baker, cofundador da The School of Life em Londres, nos instiga a refletir sobre como o trabalho tem ocupado boa parte dos nossos dias. Para David, não adianta enxergar a tecnologia como vilã; trata-se de um fenômeno que não pode ser contido.

Ele sugere, inclusive, que os avanços tecnológicos possam nos forçar a reduzir a importância que damos ao trabalho, ao mesmo tempo em que abrimos espaço para pensar no que realmente nos traz alegria, equilibrando também outra áreas da nossa vida. E a gente já pode começar a fazer pequenas mudanças hoje.

Afinal, por que trabalhamos?
Existem vários motivos. Claro, dinheiro é um deles, mas além disso há a necessidade de um senso de preenchimento pessoal e status, e porque a sociedade precisa crescer. Mas é importante pensar que o governo também precisa manter as pessoas ocupadas. Afinal, todos os dias você tem que entrar e sair em um determinado horário. Então é também um jeito de o Estado terceirizar a segurança. Tem gente que pensa que minha visão é cínica, mas é isso o que acontece. Pense: se as pessoas estão descontentes, elas não vão ficar descontentes dentro de casa, elas vão sair para as ruas. Mas, no caso, elas estão presas nos escritórios.

Agimos como se fôssemos trabalhadores antes de tudo?
De certa forma o trabalho é muito importante. É o jeito com que uma sociedade produz coisas. Precisamos comer. Então é necessário que haja quem plante, colha etc. Só que a gente precisa separar “identidade” de “trabalho”. Desde cedo criamos uma identidade conectada ao que fazemos. “O que você vai ser quando crescer?”, perguntamos às crianças.

E aí confundimos o verbo ser com o fazer. Quando você conhece uma pessoa, logo pergunta: “O que você faz?” E por trás dessa questão na verdade está: “Como você ganha dinheiro?” Mas falar assim soa rude, não é? Devemos repensar o quão importante o trabalho é na nossa vida. Você trabalha, mas tem outro hobby, toca piano ou dança. E são áreas igualmente importantes para o ser. Então penso que podemos fazer perguntas diferentes. Às crianças,  “Onde você quer morar quando crescer?”; aos adultos, gosto de começar uma conversa falando sobre como foi o dia, ou acerca das suas viagens recentes. Se você não pergunta logo o que o outro faz, também não cria um julgamento sobre ele e vamos liberando essa ideia de identidade ligada ao que fazemos.

Se você decide trabalhar menos
horas, abre espaço para eventualmente
experimentar uma segunda coisa
que parece mais produtiva e interessante
que a primeira


Como podemos identificar o desequilíbrio entre as áreas da nos
sa vida?
O livro The Three Marriages (Os Três Casamentos, em tradução livre), do escritor David Whyte, reflete sobre o casamento que temos com o trabalho, com o mundo ao redor e com nós mesmos. Como cada casamento precisa receber atenção para ser bom, precisa de equilíbrio entre eles. Podemos descobrir que outros prazeres desconectados do trabalho estão sendo prejudicados, como a família ou amigos. E você pode perceber que o relacionamento que você mais tem negligenciado é aquele que não vai terminar nunca, que é consigo mesmo.

E quando o trabalho está interligado com as outras áreas da vida?
Muitas pessoas não veem diferença entre trabalho e vida pessoal. Mas é uma ilusão achar que esse é um bom jeito de levar a vida. É legal achar que dá para colocar tudo em flow ao mesmo tempo. Mas nada vai fluir junto se só o trabalho ganha. Então você recebe um e-mail do seu chefe no sábado quando está indo jogar bola, e o chefe diz que é urgente, então você liga para ele naquele instante. Para ser honesto, eu respeito quem faz do trabalho uma parte muito importante da sua vida. Mas desde que tenha de fato decidido isso. E eu acho que muitas pessoas não decidiram isso conscientemente. É doloroso dizer que eu quero menos trabalho. Isso significa que eu quero menos status, e menos dinheiro. Mas, se eu faço isso, eu abro mais tempo para a vida, porque o trabalho ocupa um espaço grande. Então abre a possibilidade de fazer um curso ou, por exemplo, ter um filho. E não é porque não somos pagos para fazer essas coisas que elas são menos importantes. Precisamos reduzir o valor que damos para coisas pagas.

E como criar essa mudança?
A mudança vem em dois estágios. Um deles é abandonando algo. O que eu sacrificaria na minha vida para abrir espaço? E algo aparece quando ganhamos esse tempo. Eu trabalho três dias na semana e realmente gosto disso. Posso aprender coisas novas, faço pão em casa, tenho um programa de rádio. Eu tenho tempo para ler, para pensar. A gente precisa de tempo para fazer nada. Esse sacrifício significa dinheiro e também status por estar em um determinado cargo. Mas vale a pena. Porque você pode encontrar dinheiro em outra área ou perceber que não precisava de tanto assim. E olha que curioso: quando pensamos em uma pessoa como boa companhia, a posição que ela ocupa no trabalho não significa nada.

O que pode acontecer se reduzirmos a jornada de trabalho, por exemplo?
Se você decide trabalhar menos horas, abre espaço para eventualmente trabalhar em uma segunda coisa que parece mais produtiva e interessante do que a primeira. E aí a tecnologia também ajuda em muitas formas. Se você tem um trabalho muito mental como atividade principal, sua segunda ocupação precisa ser mais manual. Você pode desenvolver trabalhos manuais e, através da tecnologia, colocar em algum si- te para vender, por exemplo. Sugiro que as pessoas façam pequenos experimentos. Em algum momento eu posso querer reduzir meu tempo de trabalho para colocar esses experimentos em prática. E aí você pensa: “Mas, David, você está maluco, como vou falar isso pro meu chefe?” E, claro, nem todos os chefes vão aprovar que você reduza seu tempo passado no escritório. E, como a situação financeira do país está crítica, muitos temem perder o emprego. Mas esse excesso de preocupação está nos escravizando. Porque, se a gente se preocupa excessivamente em estar em um trabalho que não é bom para nós, então aí estamos nos transformando em escravos. E precisamos buscar alternativas para quebrar essa corrente de escravidão. Claro, isso não vai acontecer de imediato, com crise não vai ser tão depressa encontrar algo. Mas precisamos pensar: “Posso me dedicar menos nesse trabalho? E o que eu posso sacrificar?” No caso, dinheiro. Então me pergunto se posso ganhar menos dinheiro. E reduzir isso, em minha opinião, pode ser mais fácil do que as pessoas imaginam. Muitos de nós gastamos como recompensa por termos trabalhado demais. Eu mereço isso, essa bolsa, esse carro. Mas será que não posso encontrar status em outras coisas? Por exemplo, sendo uma pessoa gentil com os outros? Quando gasto menos também abro mais espaço para conseguir trabalhar menos. A lógica pode ser essa.

Então você sugere conversar com o chefe para reduzir a jornada?
Qual é o problema em pedir? O que pode acontecer é ele dizer não! Ele não vai falar “Nossa, estou tão nervoso com essa proposta que vou te matar!” Se ele fizer isso, ele não é um chefe legal, você não o merece. As pessoas são pagas pelo tempo em que elas passam no trabalho, então isso não é muito motivador. Porque não importa se ela faz um trabalho mais rápido e melhor, se faz isso, recebe mais trabalho, já que é produtiva. E isso é uma punição. Uma dica é renegociar o tempo de trabalho com o valor que você recebe. Em Londres, muitas pessoas têm descoberto que elas podem trabalhar três ou quatro dias, sem perder a produtividade, já que exercem suas atividades mais focadas. Talvez, em tempos de crise onde os empregadores querem reduzir custos com funcionários, possa ser uma alternativa.


A tecnologia sempre mudou nosso jeito de trabalhar?
Não só isso, mas o tipo de trabalho oferecido. E vai mudar mais no futuro. Porque ela vai levar embora muitas das profissões atuais. Dentro de 20 ou 30 anos boa parte daquilo que fazemos será desenvolvido por computadores. E a máquina fará mais rápido e mais barato. A tecnologia não necessariamente substitui as pessoas imediatamente, mas cria outras condições. Por exemplo, quem pensou que um iPhone poderia afetar o trabalho de muitas pessoas da rede hoteleira? O Airbnb é algo que aparece com o iPhone, e reduz o trabalho de quem atua em hotéis.

A falta de vagas poderá abrir a oportunidade de trabalharmos por mais prazer, e não por tanta obrigação? Acho que não só abrirá como forçará para que isso aconteça. Pode ser que tenhamos pouco emprego. E aí tenhamos muito tempo. Eu amo música, e isso me traz felicidade, então eu terei mais horas para estudar isso. Se tivermos mais tempo livre, também poderemos nos envolver mais na política. Ou ter uma família mais feliz, porque ficamos mais juntos. Mas é claro que tem o problema que é o dinheiro. Vai ser preciso repensar a forma de distribuição da renda. Isso é uma questão política. E há regiões extremamente caras para viver, e penso que isso pode gerar alguma migração também. Gente que resolve baixar o custo de vida.

Vamos precisar nos reinventar ainda mais. E como isso pode ser uma coisa boa? Atualmente recebemos qualificações para um trabalho que futuramente pode não existir. Então o sistema educacional precisa de uma reforma. As escolas e universidades precisam sair da posição de fábricas de capacitação. Porque as escolas querem formar para um mercado de trabalho, mas ele logo pode desaparecer. As posições estão em constante mudança: competências de dez anos atrás não são as mesmas de hoje, porque as carreiras estão mudando. No futuro, talvez tenhamos períodos de trabalho. Então você estuda e trabalha com aquilo por um tempo, e depois adquire outras habilidades para outra área. Podemos pensar em vários períodos de “aposentadoria”, de momentos sabáticos. Até as promoções podem ser diferentes. Talvez mais vantajoso seja deixar seu funcionário sair e aprender novas habilidades e poder voltar.

As escolas poderiam trabalhar ampliando a nossa
curiosidade e melhorando a nossa adaptabilidade.
Porque, quando o mundo mudar, teremos mais
capacidade para enxergar oportunidades

Como poderiam ser as escolas e universidades?
A escola poderia ser algo que você faz por diversão, para descobrir o que gosta, e não onde ganha habilidades para o mercado. No Vale do Silício (EUA), o que as crianças vão estudar não é pensar sobre profissões, porque isso vai mudar. Elas aprendem curiosidade. Então vá e estude o que é mais interessante para você hoje. E em algumas escolas americanas é possível cursar uma graduação enquanto também estuda outras disciplinas. O aluno pode constantemente escolher. As escolas poderiam trabalhar ampliando a nossa curiosidade e melhorando a adaptabilidade. Porque, quando o mundo mudar, teremos mais capacidade de ver oportunidades. As pessoas bem-sucedidas são aquelas que eram encorajadas a ser curiosas e com esse senso de se adaptar. Muitas universidades vendem uma promessa que é falsa: dê duro agora e você terá estabilidade no futuro. E não há mais estabilidade. Quando alguém inventa um iPhone e seu hotel quebra por causa do Airbnb, isso não era previsível. Mas quais habilidades você tem dentro de si para responder a isso? Como a sua curiosidade pode mudar o rumo do seu negócio?

A economia colaborativa pode ser uma alternativa para a questão financeira num momento em que pode haver menos trabalho?
Talvez a gente possa trocar atividades por outras. Alguém precisa de um lugar para uma atividade e eu tenho um espaço. Ou eu posso dar aulas de inglês em troca de ficar numa fazenda, por exemplo. A gente se sente desconfortável porque tem todo um status. De alguma forma soa com um status menor eu trocar pelo meu trabalho algo que eu poderia ter pago integralmente. Isso está relacionado à nossa psicologia com o dinheiro. Não é porque algo custou mais caro que vai ser sempre melhor. Olhe para o que você faz gratuitamente pela sua comunidade ou família e observe o quão orgulhoso você se sente. O seu valor não está ligado ao quanto você é pago. O valor da minha vida não é o salário. E muita gente se acha mais importante porque está pagando. Precisamos saber que o nosso poder e o nosso valor estão além do dinheiro.

David Baker é um dos fundadores da Wired, publicação especializada em tecnologia. Também criou a The School of Life, com aulas que falam sobre como podemos viver melhor. Atualmente faz programas para a rádio BBC de Londres

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