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Menos carne, mais vegetais
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Nunca foi tão importante discutir o consumo de animais. Dos pontos de vista social, moral e sustentável, é preciso repensar como a carne vai parar no prato

A recente escalada nos preços da carne nas prateleiras brasileiras não é apenas um assunto de economia internacional. Por trás das questões que tratam das relações comerciais e de exportação, o preço maior da picanha é  um tema espinhoso porque expõe algo mais urgente. O sistema de produção pecuária está mais suscetível do que imaginamos. Se o efeito imediato de uma crise em um único país pode colocar o consumo alimentar de carne à prova, é porque precisamos pensar como a cadeia precisa ser transformada. “É um indício de como as pressões daquilo que consumimos no prato estão alheias às nossas vontades”, explica Gustavo Guadagnini, diretor da organização The Good Food Institute no Brasil. Precisamos tomar as rédeas para decidir o que vamos escolher comer — e como.

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No caso da carne, mais do que nunca. Os maiores problemas que cercam a produção nos últimos anos são consequência direta do tamanho da escala à qual se precisou chegar. E a que custo: o uso intensivo de antibióticos na pecuária para dar conta da quantidade de animais para consumo, por exemplo, tem selecionado bactérias mais  resistentes, como no caso das gripes suína e aviária e de contaminação de rebanhos. Esse problema tem sido alertado por alguns órgãos de saúde mundial como uma grande preocupação de risco de declínio também da população humana — não estaríamos prontos para uma epidemia nesse nível.

Desiquilíbrio social

Antes, tínhamos um método de produção animal que alimentava uma certa quantidade de pessoas. “Hoje, o mundo está muito maior, e esse método claramente já não está funcionando”, alerta Guadagnini, cujo trabalho é fomentar uma cadeia de produção que apoie indústrias que visam eliminar o uso de ingredientes com origem animal.

Previsões de órgãos como a ONU estimam que seria preciso aumentar em cerca de 70% a produção de carne para atender a uma população que tende a beirar 10 bilhões de pessoas — número estimado de indivíduos que o planeta atingirá até 2050. Se pensarmos que em alguns países, como a China, esse consumo está em franco crescimento,  temos uma equação ainda mais difícil de resolver. “É inviável se pensarmos que a produção que temos hoje já está longe de ser sustentável”, ele afirma. Entre muitos problemas já conhecidos — sociais, ambientais, morais —, o mais racional deles é matemático: para criar animais, é preciso alimentá-los. Para as calorias geradas por um pedaço de carne, é preciso que esse animal consuma uma quantidade muito maior dela.  No caso do frango, a proporção calórica é de 1:10.

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Hoje, a maior parte dos grãos e calorias produzidos no nosso sistema de alimentação está destinada para o metabolismo dos animais, segundo o especialista. E isso provoca um impacto enorme no planeta: não somente com relação aos recursos naturais, claro, mas principalmente em termos sociais, já que nem todos terão acesso aos mesmos pedaços de bife no futuro, algo que tende a aumentar o desequilíbrio social — e a um altíssimo custo, natural e financeiro. “O consumo de carne se tornou uma questão moral antes de ser sustentável ou alimentar”, Guadagnini pondera. E é sobre esse dilema que precisamos nos debruçar mais do que nunca.

Mesma comida, novas tecnologias

Embora tenhamos consciência do efeito que um filé pode ter no nosso prato, ainda é uma minoria que está disposta a mudar seus hábitos alimentares — principalmente o de abolir os animais de suas dietas. O que uma nova geração de produtores propõe é que o mercado possa entregar a mesma comida que as pessoas estão acostumadas a comer, mas com outra tecnologia: ou seja, com uma nova maneira de produzir, (quase) sem o uso de animais — seja em opções com base vegetal ou até de tecidos cultivados, que ainda deve levar alguns anos para se tornar comercialmente viável.

O primeiro caso se tornou corrente no mercado hoje e invadiu as prateleiras e os menus de restaurantes no mundo todo. Os produtos plant-based, como são chamados, são feitos com vegetais e, na maioria das vezes, tentam emular produtos originalmente à base de carne. O processo é conhecido como biomimetização, quando os elementos são substituídos pensando em como reproduzir uma mesma fórmula. É como no caso de um hambúrguer: as mesmas proporções de proteínas, gordura animal e aminoácidos são mantidas, mas usando vegetais para isso. Com o avanço das tecnologias, o resultado tem ficado surpreendente: muitos hambúrgueres plantbased têm textura, sabor e cheiro muito parecidos com um burger feito de carne.

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A startup Fazenda Futuro trabalhou por anos para lançar no mercado o seu Futuro Burguer, em maio de 2019. “Fizemos nove versões até chegar ao primeiro resultado”, explica Marcos Leta, fundador da marca. “Tudo começou com um grande aprendizado e entendimento da própria carne bovina e seus componentes – aminoácidos que compõem a proteína animal, cadeias lipídicas que proporcionam sensação de gordura, compostos voláteis provenientes do sangue bovino, até a caramelização dos açúcares presentes na carne”, explica.

Uma revolução no sistema

O sucesso do lançamento foi estrondoso: além de estar presente em hamburguerias famosas, os hambúrgueres passaram a ser vendidos em supermercados, esgotando-se em algumas lojas. Em três meses, a startup foi avaliada em US$ 100 milhões no mercado — uma prova de como investidores estão de olho no futuro da carne, e no tamanho que esse segmento pode chegar. Como também acontece na indústria de aparelhos eletrônicos, em que versões melhoradas são lançadas anualmente no mercado, recentemente, a Fazenda Futuro lançou a versão 2.0 do seu hambúrguer, com alguns aperfeiçoamentos (redução de calorias, sódio e gorduras, por exemplo). “Desenvolvemos novas tecnologias capazes de aprimorar cada vez mais o produto. E enquanto não há como evoluir a carne animal, o contrário se aplica muito bem à carne de plantas. Nós estamos no início e vivendo intensamente uma verdadeira revolução no sistema de produção de carne no mundo”, diz Leta.

Uma questão de sustentabilidade

Especialistas concordam que o atual consumo animal é insustentável. O futuro da carne deve ser puxado pela carne vegetal com cada vez mais tecnologia aplicada. Assim será possível chegar a um volume que permita que ela seja mais barata que a carne de origem animal. Isso não significa que a carne que conhecemos vai desaparecer
completamente. Embora estimativas afirmem que o setor de carnes alternativas está em pleno crescimento, elas ainda representam pouco no mercado global de proteína. Devem atingir de 10% a 20% desse mercado em 2035, um número considerável, mas ainda pequeno se comparado com os números gerais.

“Estamos vendo a indústria de carnes se movimentar lançando seus próprios produtos, fazendo investimentos e se posicionando nesse mercado”, diz Cristina Leonhardt, analista e engenheira de alimentos, que trabalhou por anos no segmento. Ela acredita que a tendência dos plant-based é se normalizar numa aceleração menor.

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“Ela continua crescendo, mas menos drasticamente do que nos últimos dois anos. Uma hora a ‘moda’ passa e ficam os consumidores que estão realmente atentos a questões animais e ambientais”, ela prevê. Para Cristina, aliás, um dos maiores ganhos desse novo momento é termos iniciativas que tragam maior transparência para a
mão do consumidor — e que irão separar as empresas entre “as que estão atrás da cortina de ferro” e “as que estão dispostas a se expor”, como ela diz. “Não existe mais desenvolvimento e inovação que atendam apenas a uma parte do que o consumidor espera”, diz. “Quem vai se tornar a base desse mercado tende a ser uma turma mais consciente, que lê rótulo, quer saber da procedência de tudo que consome.”

Um consumo mais consciente

Na gastronomia, esse movimento tem ecoado com mais força também, com a sustentabilidade passando a dominar as cozinhas. Nos restaurantes, chefs têm dado destaque aos pratos feitos com vegetais. O intuito é reiterar seu papel como exemplos de ma mudança de comportamento alimentar de seus clientes.

Na Vila Madalena, em São Paulo, o Corrutela, do chef César Costa, é um restaurante que nasceu com um conceito de fazer compostagem de todos os resíduos e usar energia renovável. Tudo é feito para poupar os recursos naturais. Por isso, desde a abertura, a carne servida ali não passa de 10% a 20% do menu. “Essa é a porcentagem do que eu acredito que a gente deva comer de proteínas animais nas nossas refeições”, afirma Costa. Nas suas receitas, os peixes são de cardume grande (que estejam em abundância) e a carne é orgânica — e vem de gado criado solto. “Eu acredito que a carne no futuro, assim como todos os recursos naturais, vai ser repensada”, diz.

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Para o chef do Corrutela, a carne pode ser a grande chave de mudança para um consumo mais consciente da nossa comida. Seja com um steak tartar ou um hambúrguer de origem vegetal.


Rafael Tonon é jornalista gastronômico e tem tentado fazer mais receitas com vegetais em casa, diminuindo o seu consumo de carne.

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