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Avós, mães e filhas da terra
Daniel Wood
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Elas nutrem e são nutridas pela mãe terra. Elas parem e dão à luz a meninas e meninos da aldeia. São cacicas, xamãs, artesãs. Mulheres à frente de decisões em suas tribos e nos centros políticos, onde reverberam vozes femininas em prol de direitos e demandas. Watatakalu Yawalapiti, uma das lideranças indígenas no Alto Xingu, norte do estado de Mato Grosso, é uma delas.

Em 2018, Watatakalu compartilhou seu conhecimento sobre a diversidade de desenhos e significados do grafismo indígena em uma oficina na CASA MANUAL. Na ocasião, ela ainda respondeu dúvidas e curiosidades que surgiram sobre como é ser mulher indígena no Brasil. Uma vasta e diversa cultura que, no entanto, ainda é desconhecida.

Tem gente que acha que não existe indígena, que não existe uma pessoa que mora dentro de uma oca, que a floresta faz a água brotar

Segundo dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram identificadas 305 etnias e um total de 274 línguas. A atual população auto declarada indígena, e presente nas cinco regiões do país, é de 896 mil pessoas. Sendo a distribuição entre homens e mulheres equitativa. “Tem gente que acha que não existe indígena, que não existe uma pessoa que mora dentro de uma oca, que a floresta faz a água brotar. Tem quem ache que a água mineral vem pronta na garrafinha”, conta.

Força feminina

Filha do cacique Pirakumã Yawalapiti, Watatakalu e sua irmã Ana Terra sempre tiveram o apoio do pai. Um dos poucos homens da aldeia Tuatuari a incentivar suas filhas a terem a mesma educação e respeito que os homens. “Meu pai apoiava a gente desde novinha. A gente não entendia e meu pai falava que todo mundo tinha que ser igual. Sempre nos deu apoio porque ele sempre acreditava que a gente era guardiã da nossa cultura, que éramos a continuação do nosso povo”, recorda.

O preconceito dos homens da tribo de Watatakalu perpetuava-se em tradições patriarcais que as isolavam. Motivo que levou a criar junto com Ana Terra, e outras índias da aldeia, a Casa da Mulher, em 2016. Um espaço onde elas poderiam compartilhar conhecimento, falar sobre dificuldades, fazer artesanato e outros saberes manuais. Afinal de contas, no espaço onde os homens se reuniam, elas não eram bem-vindas. E se acaso uma delas visse a flauta, instrumento sagrado guardado naquele espaço, ela poderia ser estuprada coletivamente.

Juntas, elas enfrentaram o medo e o olhar dos homens da tribo para criarem o próprio espaço. Dessa forma, não precisariam mais se reunir sob as árvores, nem sofrer as intempéries do clima. Para isso, o cacique Pirakumã foi quem desenhou o projeto das filhas. No entanto, ele faleceu antes de as mulheres da tribo erguerem a estrutura.

Respeito e união

Logo depois do falecimento do pai, as irmãs e a mãe foram rechaçadas pelo irmão, que se auto nomeou cacique e renegou as iniciativas tomadas pelas mulheres. Segundo Watatakalu, ele disse que as pessoas da tribo respeitavam muito mais ela e Ana Terra do que ele. O que para o novo cacique era inadmissível. “Minha mãe queria que ele se orgulhasse da gente e não que achasse que a gente tinha só que ralar mandioca, porque meu pai não nos ensinou isso”, conta.

“No entanto, quando minha mãe falou isso, ele foi para cima dela, quis bater nela e Ana Terra o segurou. Uma pessoa que bate na mãe, o que vai fazer com outras pessoas? Ele expulsou minha mãe da aldeia por causa de poder”. Depois disso, Watatakalu tentou conversar com o irmão, mas sem qualquer mudança de comportamento por parte dele, resolveu que também sairia da tribo junto com a mãe e a irmã para criar uma nova aldeia regida pelo matriarcado.

Enquanto as três cacicas constroem a nova aldeia, depois de serem expulsas em 2018,  elas moram em aldeias próximas e de familiares. Mas já projetam um novo espaço com uma Casa das Mulher em outros moldes. “Quando criamos a Casa da Mulher não era para que os homens se ofendessem, nem ficassem com raiva das filhas e das esposas. Mas antes precisávamos desse espaço. Agora, na nossa aldeia haverá uma casa de todos. A ideia é que outras aldeias também criem um espaço próprio para mulheres e homens se reunirem e se sentirem bem-vindos”, explica.

Queremos fazer uma revitalização da língua, da nossa cultura. mostrar nossa cultura para o não indígena conhecer e respeitar.

Como existem 16 povos no Alto Xingu, o objetivo é que ela e Ana Terra propaguem a ideia de que cada aldeia dê seu próprio nome, e na própria língua, para o local onde compartilharão saberes, realizarão fazeres manuais e poderão criar uma escola. “Na nossa aldeia o nome será Umatalhi, que significa união e respeito. Queremos revitalizar nossa língua e nossa cultura. Mostrar nossa cultura para o não indígena conhecer e respeitar. Porque aquilo que a gente não conhece, a gente não respeita. Então, vamos dividir e compartilhar nosso conhecimento. É isso que falta.”

Um novo tempo

Em março, Watatakalu e outras líderes criaram a página Movimento das Mulheres do Xingu, no Facebook, em que publicam textos e fotos sobre suas ações e como vivem. São mulheres das etnias Mehinako, Yawalapiti, Waurá, Kamayurá, Aweti, Kuikuro, Kalapalo, Nafukuá, Matipu, Kawaiwete, Yudjá, Tapayuna, Kisedje, Ikpeng, Trumai e Narowôto. “Com línguas, costumes e organização diferentes umas das outras, mas com o mesmo objetivo: fortalecimento e garantia do direito da mulher”, descrevem na fanpage.

Watatakalu é uma espécie de pequi, fruto espinhoso do Cerrado. Mas a tradução deste nome, em português, é “liberdade”. “Meu nome me chama para tudo o que eu faço”. E assim vive, persiste e brota essa mulher, mãe e líder indígena.

Porque aquilo que a gente não conhece, a gente não respeita

Vídeo: Daniel Wood / Casa Dobra
Texto: Maju Duarte
Produção: Rede Manual e Casa Dobra


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