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A importância das batalhas de poesia
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Por meio das rimas, jovens da periferia têm encontrado um canal para amplificar a sua voz e olhar para a própria produção cultural como algo de valor

Ele respira arte e questiona a realidade de periferias como o Jardim São Carlos, bairro da zona leste de São Paulo, onde nasceu e vive até hoje. Com os pais, aprendeu a importância das lutas sociais e políticas. Com o irmão mais velho, herdou o gosto pelo rap. Seu sonho: mostrar sua mensagem para cada vez mais pessoas.

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A oportunidade surgiu durante uma edição da Virada Cultural, quando a cantora e atriz Roberta Estrela D’Alva perguntou quem ali tinha três poesias autorais. Lucas Afonso gritou no meio do povo: “Eu!”. Não sabia direito do que se tratava, mas se arriscou a participar. Desde então, nunca mais saiu do mundo das batalhas de poesia, conhecidas como slam. Com uma antiga namorada, fundou o Slam da Ponta. E no ano seguinte foi semifinalista da Copa do Mundo de Slam, em Paris. Atualmente, Lucas, MC e slammer, faz faculdade de musicoterapia e organiza diferentes projetos que envolvem a poesia.

Café com Lucas Afonso

Quantas pessoas já passaram pelo Slam da Ponta nesses quatro anos de existência? 

São mais de 150 pessoas por ano. Normalmente fazemos o slam uma vez por mês, com uma média de 15 poetas. Vem gente de outras comunidades. Até o ano passado, realizávamos sempre na Cohab, em Itaquera. Este ano, a proposta é fazê-lo em ocupações da cidade. Estamos experimentando levá-lo para outros espaços, como ocupações de moradia, onde não tem lazer, muito menos poesia.

Você trabalha com poesia em outras frentes?

Sim. Comecei a organizar oficinas de poesia e atualmente estou trabalhando com jovens em medida socioeducativa, de 12 a 17 anos, que entraram em conflito com a lei. Muitas vezes, eles estão em liberdade assistida. Eles são superparticipativos. No ano passado, fiz oficina de poesia também no Hospital Psiquiátrico Pinel. Foi algo inimaginável. Eu me surpreendi com as mensagens trazidas pelos jovens. Isso nos faz ver que a oficina de poesia, o slam, é um detalhe de algo muito maior.

No coletivo Filhos de Ururaí, você leva a poesia para além da periferia. Como é isso?  

Ururaí é o nome indígena do nosso território, pois aqui era uma área indígena. Somos três poetas de São Miguel Paulista que, um dia andando de trem, tivemos a ideia de fazer poesia. Produzimos um vídeo, que viralizou, e decidimos formalizar isso no coletivo. Primeiro começamos com intervenções dentro de trens e metrôs, fazendo poesia nos vagões. Depois fizemos saraus em São Miguel. E fomos indo além. 

Como foi representar o Brasil na Copa do Mundo de Slam?

A gente nunca tem a real dimensão de até onde pode ir com a poesia. Não pensava que poderia ir para a Europa num torneio mundial, com poetas de 30 países. Foi uma baita responsabilidade. Mas entendi que a questão não era ganhar. Estar lá já era uma vitória. Quando eu poderia sair de São Miguel Paulista e ir para a França? Essa possibilidade não existia, mas existiu pela poesia. Fui até a semifinal. Percebi a importância de ouvir o outro, mais do que simplesmente mostrar o que eu tinha a dizer. A gente não vê o outro poeta como inimigo. Enxerga o humano que está ali.

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Do que falam suas poesias?

Eu me transcrevo. Falo sobre mim, meu território e meu povo.

O que os jovens buscam nas poesias?

Eles estão à procura de um canal para suas vozes. É uma cena dominada pela juventude, pelos alunos do Ensino Médio. Para alguns, o slam é como um jogo de futebol. Eles participam e voltam para casa com a vitória ou a derrota. Mas eu vejo como uma celebração, um momento de se encontrar, trocar ideias, se fortalecer e descobrir um novo jeito de se organizar coletivamente. O slam é uma ferramenta do fazer coletivo, de construir junto, de ouvir o outro. Tem gente que passou a vida invisível e se encontra ali, com o microfone na mão durante três minutos, com todo mundo olhando e dando atenção. 

Qual a importância das batalhas de poesias na periferia?

Um dia eu estava na escola e a professora de português me chamou a atenção na frente da turma. Fiquei bem constrangido. Ela disse que eu só mexia com coisas erradas, que não queria saber de nada e questionou como eu iria sustentar a minha namorada. Respondi que ela não ia precisar de ninguém para sustentá-la, já que era tão inteligente quanto eu.

No ano passado, recebi uma ligação de uma professora do CEU Parque São Carlos. Ela me disse que eu estava na apostila de português do oitavo ano e me mandou a foto de uma matéria que saiu na Folha de São Paulo sobre a minha ida à Copa do Mundo de Slam. Os alunos viram um exemplo de vitória por meio da poesia. Pode ser um estímulo para essa molecada. Para que eles vejam que há outros caminhos na vida. Nas quebradas existem muitas portas abertas para coisas erradas. 

Qual a importância da cultura que vocês produzem?

Vira e mexe, as escolas da periferia me chamam para fazer uma apresentação. A juventude precisa encontrar um canal para se colocar no mundo e saber que a nossa voz tem importância, nossas memórias e histórias. Assim como as que são contadas nos livros. Até entender algumas questões dos nossos antepassados que a gente não encontra nos livros de história, mas contribuem para o nosso entendimento sobre a vida. Acho que é muito isso: manter memórias vivas. 

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