Além da fotografia, Sebastião Salgado deixa legado ambiental
Com a fundação do Instituto Terra, em 1998, fotógrafo se dedicou à reconstrução da Mata Atlântica ao lado da sua parceira de vida, Lélia Wanick Salgado. Mais de 3 milhões de árvores foram plantadas em um exemplo de ambientalismo
“Essa mata é jovem, ainda precisa de muita água. Mas daqui a 10, 15 anos, quando o crescimento se estabilizar, tenho certeza de que teremos uma bela cascata aqui de novo.” Essa frase de Sebastião Salgado está eternizada em uma reportagem sobre esperança na edição 226 da revista Vida Simples, de dezembro de 2020. Pelo tom, já dá para perceber o olhar ambiental do fotógrafo, que morreu em 23 de maio de 2025, aos 81 anos.
Em vida, ele captou pela lente da sua câmera momentos difíceis de traduzir em palavras. Na tentativa de descrevê-los, as letras escapam pelas mãos. No entanto, as fotos sempre causam impacto, emocionam e despertam reflexões internas profundas. Guerras, êxodo, desigualdade, exploração, pobreza extrema, populações abandonadas: mazelas de um planeta registradas em preto e branco.
Mas para além das obras editoriais, Sebastião Salgado também deixou um legado cheio de cor. Especificamente verde.
A semente de um sonho
(Foto: Leonardo Merçon/Instituto Terra) Casal plantou sementes na terra e inspiração nas pessoas
Em 1998, uma semente foi plantada. Um sonho semeado. Um futuro imaginado. Naquele ano, Sebastião Salgado e sua parceira de vida, Lélia Wanick Salgado, iniciaram o restauro do terreno da antiga fazenda da família com o plantio de árvores: uma forma de recuperar a biodiversidade da Mata Atlântica. O casal dava o primeiro passo para materializar o sonho de restaurar o ecossistema do bioma e transformar a bacia hidrográfica do Rio Doce.
Pertinho da virada do milênio, nascia na cidade de Aimorés, em Minas Gerais, não apenas esse sonho ou uma pequena muda de árvore, mas também o Instituto Terra – exemplo concreto de ação ambiental na Mata Atlântica, bioma reduzido a cerca de 12% da sua extensão original.
O território recebeu o título de RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural), concedido de maneira inédita a uma área degradada mediante o compromisso de restauração. Área degradada como tantas outras no Vale do Rio Doce e diversos locais Brasil afora.
Cá estamos em 5 de junho de 2025, data marcada todos os anos pelo Dia Mundial do Meio Ambiente. Com a dor da sua morte ainda tão recente, o momento é propício para homenagear Sebastião Salgado e sua herança deixada para a natureza.
Depois de 27 anos da fundação do instituto, mais de 3 milhões de árvores foram plantadas e cerca de 7 milhões de mudas nativas nasceram no viveiro da sede. Uma jovem floresta de 709,87 hectares ressurgiu, recuperou nascentes do Rio Doce e trouxe de volta aves, répteis, pequenos mamíferos e até onças-pardas.
(Fotos: Instituto Terra) Antes e depois de parte da área reflorestada
Coletividade e visibilidade
Sebastião e Lélia não fizeram nada sozinhos. Plantaram a semente no solo e dentro de cada pessoa que ajudou no processo de restauração de parte da Mata Atlântica. O Instituto Terra sempre contou com o suor de voluntários e o dinheiro de doações. No total, o instituto já capacitou mais de 200 técnicos em restauração ecossistêmica. Por lá, também já passaram cerca de 150 mil visitantes que saem transformados pelo legado ambiental.
Débora Didonê é jornalista, permacultora e gestora do movimento Canteiros Coletivos, localizado em Salvador, na Bahia. Fundada em 2012, a organização atua na articulação e mobilização comunitária para criar, recuperar e transformar áreas verdes de convívio.
“O coletivo promove encontros para que pessoas e grupos de diferentes territórios se reconheçam como transformadores dos próprios espaços. A iniciativa valoriza a recuperação de áreas verdes, de espaços públicos e de convivência por meio do plantio e da arborização. Entendemos que os moradores são cogestores dos lugares onde vivem. Das cidades, das vilas, dos seus territórios. Tudo em coletividade”, diz.
(Foto: Reprodução/Instagram) Ação do Coletivo Canteiros na implantação de área verde de convívio em Salvador
Débora enxerga o legado de Sebastião Salgado como uma importante forma de dar visibilidade ao tema e às inúmeras ações de regeneração de ecossistemas realizadas diariamente por organizações em diferentes regiões do Brasil – não apenas na Mata Atlântica, mas em todos os biomas. “Os projetos regenerativos em cada bioma do país merecem a atenção necessária para serem replicados. Essa geração pode ser mais intensa nessa perspectiva ambiental, que é urgente.”
Ela também explica a importância do processo de reflorestamento. “Quando você regenera um ecossistema, há a retomada do espaço pelas espécies do bioma. Você traz de volta as espécies, os alimentos e as condições que elas precisam para se reproduzir e dar continuidade ao aumento da floresta.”
A bióloga Camila Zveiter acrescenta que o ecossistema regenerado está adaptado ao clima e à altitude locais. Além disso, afirma que não é apenas uma lógica ecológica, mas também de herança.
“Pensando no futuro e na preservação da Mata Atlântica, é fundamental para que as próximas gerações possam entender o que ela é, o que foi e o que ainda pode ser. É um trabalho de extrema importância. Um trabalho de formiguinha, mas que se tornou uma referência. Porque, de pouquinho em pouquinho, você constrói um mundo diferente. Você conscientiza as pessoas sobre aquilo que é realmente importante.”
Um planeta esgotado
Os exemplos estão Brasil afora. No entanto, o tempo corre contra: os recursos naturais estão perto de se esgotarem. Isso não é novidade, é um tema discutido há muito tempo. Mas o relógio não para. O amanhã já é o futuro. Os elementos do planeta têm um limite para suportar tanta intervenção. Assim como Sebastião Salgado foi um exemplo ao investir no reflorestamento, outras pessoas que possuem recursos financeiros precisam enxergá-lo como inspiração para colocar em prática esse tipo de iniciativa.
“Existe um processo de regeneração, mas, se o uso dos recursos naturais for violento e agressivo a ponto de não respeitar o tempo e as condições dessa regeneração, isso se torna nocivo e tóxico. Vai nos levar, de fato, à extinção dos recursos do planeta. E isso significa extinção de vida, de espécies e da própria possibilidade de continuidade da vida no planeta como a conhecemos”, ressalta Débora. “Por isso, iniciativas como a do Instituto Terra, idealizado por Sebastião Salgado e sua esposa, são absolutamente essenciais.”
Camila nos dá um exemplo: “Se pensarmos em São Paulo mesmo, há bairros que são muito mais verdes, e essas regiões se tornam mais agradáveis de se viver. As pessoas buscam esses lugares, mas muitas vezes não se preocupam em preservar o que já existe.”
Em resumo, toda a questão de preservação reforça a importância de valorizar áreas verdes, seja em ambientes urbanos ou rurais. Ao mesmo tempo, existe uma contradição: há uma valorização da natureza, mas ainda falta ação para preservá-la. A conscientização precisa surgir justamente desse paradoxo e de exemplos como Sebastião Salgado.
“Se você deseja uma cidade mais verde, uma rua, uma praça, um bairro, um mundo melhor, é preciso começar a refletir sobre o fato de que não se pode simplesmente desmatar ou destruir o meio ambiente em nome do crescimento industrial e econômico do país”, ressalta a bióloga.
Necessidade de políticas públicas
A preservação do meio ambiente que ainda resiste e a regeneração dos biomas não podem ficar somente nas mãos de instituições, voluntariados e doações de pessoas físicas e jurídicas. Também são necessárias políticas públicas caminhando paralelamente.
“Vivemos um momento muito delicado hoje. Marcado por um forte processo de desconstrução do licenciamento ambiental. Enfraquecer o licenciamento é um caminho totalmente inadequado para garantir a continuidade de uma vida saudável e possível neste planeta”, afirma Débora.
“Essa desconstrução caminha junto com o aumento dos eventos climáticos extremos: ondas de calor intensas, chuvas torrenciais, grandes inundações e incêndios devastadores. Por isso, é fundamental que as ações de reflorestamento estejam acompanhadas de uma reconquista das legislações ambientais. Só assim será possível manter vivo esse legado”, complementa.
Débora reforça que a floresta não é inatingível. Se ela não contar com mecanismos de proteção e resiliência diante das instabilidades climáticas, perde sua capacidade de resposta. “Quando o corpo da floresta diminui, seu poder de gerar umidade e de manter o equilíbrio climático também enfraquece.”
Galeria de fotos
Confira abaixo registros do próprio Sebastião Salgado do comecinho do Instituto Terra:
(Fotos: Instituto Terra/Divulgação)
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