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Respeite meus cabelos brancos
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Envelhecer não é se tornar incapaz. Meu caminho, agora, é escolher onde colocar meu tempo em cada escolha

Houve um tempo em que o silêncio tinha lugar de destaque em casa. Habitava meu sorriso de alívio depois de colocar o filho para dormir. Um bebê dormindo é silêncio de vida, pura potência de existir. Mamou, arrotou, fralda limpa, corpo quentinho, dormiu, tudo certo agora, eu pensava. Mesmo sabendo que logo o ciclo recomeçaria.

Filho pequeno é fonte da juventude. Descabelada e de olheiras profundas, a mãe está no auge da vitalidade – acredite.

Digo isso porque envelheci. E foi o silêncio quem veio me contar. O menino cresce, o cotidiano inunda a sala e invade os cômodos, a vida deixa de ser simples – ou nós que deixamos o simples escapar pela janela. Não falo só de fardos pesados ou tristes. O corpo não estressa só com as coisas ruins. “Difícil encaixar um espírito de 15 num corpo de 50”, diz meu amigo Fred. Foi preciso ouvir isso para compreender: até os 49, eu tinha 20 e poucos anos. Precisei fazer 50 para a chave virar.

O fato é que eu e o silêncio ficamos um tempo sem nos falar. Até que ele invadiu minha casa numa manhã de sábado. Acordei com um barulho forte ocupando o ouvido inteiro e barrando o som de fora. Enjoo, tontura e um zumbido ora suave, ora mais forte. A tontura cessou em alguns dias. O zumbido, não mais. No laudo do teste audiométrico, perda severa no ouvido direito. Dessa vez foi o silêncio quem gritou.

A vida me cobrou o tempo que eu havia negado a ela. Médicos, exames, terapia, medicamentos. Mudança na rotina e nos alimentos. E uma janela para encarar o impacto e o significado de tudo isso. Precisei perder o silêncio para dar a ele o devido valor. Hoje o zumbido invade, ameaça, cansa e não descansa. Ele, a cigarra; eu, a formiga.

Enquanto ele canta, eu trabalho. Ou pelo menos tento, aprendo a silenciar o mundo lá fora em nome do que grita dentro.

O cabelo branco assumido sem dramas agora me pede respeito. Sim, a mim mesma. Não tenho mais 20 anos. Nem 30, nem 40. Tenho 50, envelheci. A palavra silêncio cresceu em significado.

Muito mais que ausência de barulho, o silêncio-espaço, silêncio-pausa. Vazio para caber a vida. Envelhecer não significa me tornar incapaz de fazer as coisas. Tampouco é a certeza de que posso tudo. Nunca pude. Meu desafio é escolher o que ver, o que ouvir, onde investir o meu tempo. Envelheci e isso não vai parar. Posso, no entanto, continuar brincando.

Como minha avó me ensinou.


CRIS GUERRA é autora de seis livros, palestrante e acaba de lançar o podcast 50 Crises. Nas redes, traz seus olhares sobre a vida. @eucrisguerra

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