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Quanto tempo a gente tem?
TIAGO GOUVEA
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Neste artigo:

Quando criança, eu pensava que o tempo fosse um grande relógio de ponteiros gigantes, que funcionava sem descanso em algum lugar que eu não podia alcançar. Só me dava conta da sua velocidade quando o céu começava a escurecer, anunciando que era hora de parar a brincadeira do dia e me preparar para dormir. Hoje, às vezes ainda me pego pensando nessas proporções do tempo e em suas maneiras delicadas de passar por mim. E, confesso, tento algumas vezes desenhar em minha cabeça formas de aproveitá-lo melhor, diante da realidade do dia a dia.

Compreender que o tempo não é algo palpável, mas que pode se transformar diante dos desafios da nossa rotina é um grande passo para nos entendermos melhor com ele, sem tantas cobranças ou arrependimentos. Afinal, como escreveu Mário Quintana, “a vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são 6 horas: há tempo… Quando se vê, já é sexta-feira. Quando se vê, passaram 60 anos… Agora, é tarde demais para ser reprovado…” Mas será que existe uma maneira mais afetuosa de lidar com o nosso tempo, sem acumular tantas sensações de desperdício?

Para tentar encontrar essa resposta, contei com a ajuda das pequenas Lívia Almeida e Maria Gontijo.

Com 7 e 10 anos, as duas também às vezes pensam em um relógio com ponteiros velozes quando ouvem a palavra tempo, como eu em minha infância. “Se fos- se para desenhar o tempo, eu provavelmente faria um trem-bala, com um maquinista com um relógio grande no pulso”, contou Maria, referindo-se à música “Trem-Bala”, da cantora Ana Vilela.

Quando fazemos algo novo ou mesmo prazeroso, a sensação de tempo é diferente de quando precisamos nos ocupar com algo enfadonho

É que, embora tenha apenas 10 anos, Maria já aprendeu a se dividir entre as brincadeiras, as obrigações da escola, a natação e as atividades que desenvolve na igreja. Seu tempo parece mesmo alcançar a velocidade de um trem-bala. Um pouco diferente de Lívia que, 3 anos mais nova, não experimenta tanto essa pressa. Ela me disse que consegue aproveitar bem seus momentos de folga para brincar, ouvir histórias, passear no parque e distrair o tempo, quase sem perceber sua passagem.

Essa diferença de percepções acontece porque, conforme envelhecemos, damos logo um jeito de preencher nossos espaços vagos com mais e mais tarefas, criando a sensação de sermos úteis diante da vida.

Maria me ensinou que toda essa velocidade que experimentamos hoje vem de uma necessidade antiga de ocupar sempre o tempo, seja com tarefas habituais ou novas descobertas, dando a impressão de dias cada vez mais curtos diante de tantos afazeres. “Eu e minha mãe temos só o domingo para descansar.

Então, é o dia em que fazemos mais coisas juntas e nem percebemos ele passar”, completou Maria.

Em seu livro Time Warped: Unlocking the Mysteries of Time Perception (Tempo Irregular: Descobrindo os Mistérios da Percepção do Tempo, em tradução livre), a psicóloga britânica Cláudia Hammond explica que o sistema de nosso cérebro considera vários fatores, como emoções, expectativas, exigências e sentidos, para registrar a passagem de tempo. Segundo ela, alguns momentos da vida parecem mais longos que outros porque, durante esses períodos, somos expostos a experiências novas.

Isso faz com que o cérebro perceba cada situação com durações diferentes. Algumas vezes, quando estamos fazendo algo muito prazeroso ou divertido, sentimos o tempo de uma maneira mais leve, sem amarras. E, justamente por não focarmos tanto em sua passagem, ele parece voar. “O tempo é outro quando escrevo. Já passei horas escrevendo, já vi dia amanhecer, sem sentir as horas passarem. É uma sensação deliciosa”, explicou a escritora Ana Jácomo.

Para ela, a escrita é um medidor de ponteiros e também uma forma de sentir o tempo de um jeito mais leve, doce e até poético, além de ser um caminho para guardar e preservar memórias. “A palavra é uma forma de preservar os instantes.

Um exemplo disso são as cartas trocadas entre amigos. Os anos passam e é possível fazer uma releitura de épocas pelo contato com tudo o que foi escrito”, disse. Ainda segundo Ana, o prazer que experimentamos em uma determinada atividade, também mostra claramente se algo é bem-vindo ou não para o nosso coração.

Isso explica um pouco aquela sensação que falei há pouco de que o tempo parece caminhar a passos lentos, quando estamos dentro de alguma situação desagradável. Desejamos tanto que ele passe depressa, que nem sequer conseguimos aproveitar determinadas situações. “Precisamos sempre aproveitar o momento. Porque ele não volta. Esse instante que estamos vivendo aqui daqui a pouco já passou e não vai nunca mais se repetir”, disse Maria, referindo-se à nossa conversa.

A questão é que não temos controle em relação aos ponteiros, mas podemos modificar a maneira como vivenciamos cada minuto

E esse aproveitar que ela sugere não precisa im- plicar coisas grandiosas: olhar para o nosso dia com mais leveza e menos cobranças já é uma forma de nos separar dos esgotamentos e encontrar um pouco mais de paz. Cláudia Hammond explica que, quando preservamos nossos momentos de alegria e lançamos um olhar novo para a nossa rotina, buscando mais detalhes ou novidades naquilo que nos cerca, forçamos nosso cérebro a deixar sua zona de conforto e isso, por si só, já muda a sua percepção do tempo.

Conhecer pessoas, lugares, tomar caminhos diferentes ao voltar para casa, agir de maneira espontânea, envolver-se em novas atividades. Todos esses pequenos detalhes, que podem até parecer clichês, têm o poder de mudar a nossa forma de sentir e agir diante do passar das horas.

LEMBRAR-SE DE RESPIRAR

Por aqui, sempre que alguma situação ameaça me amedrontar diante das horas, tento trazer à mente a frase de um amigo, “lembrar de respirar é mantra para não se afogar na tempestade dos dias”.

Muitas vezes, esquecemos que algumas soluções se encontram em nós, no cultivo de uma calmaria interna – e não na velocidade de fora. Deixando nossa ansiedade de lado, perdemos um pouco o desejo de controlar tudo e então enxergamos novas possibilidades diante dos olhos, compreendendo que realmente há um tempo para todas as coisas. Assim, automaticamente deixamos de nos cobrar tanto e temos a chance de viver momentos intensos e prazerosos. “Da mesma maneira que o tempo nos mostra o que não significa tanto quanto pensávamos, ele também nos diz o que, de fato, é precioso”, completa Ana.

A partir do instante em que nos abrimos para as pequenezas da vida e entendemos que são elas que importam, temos a chance de viver de uma forma mais honesta com nós mesmos e com o nos- so tempo. Afinal, como escreveu Quintana ao fim do poema: “se me dessem – um dia – uma outra oportunidade, eu nem olhava o relógio seguia sempre, sempre em frente… e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.” E você? Se lhe fosse dada uma outra oportunidade, viveria as simplicidades ou se prenderia no deslizar dos ponteiros?


DÉBORA GOMES não usa relógio, mas ainda percebe o tempo pelas cores do céu e diferencia muito bem as estações do ano pelo pôr do sol.

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