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João Anzanello Carrascoza: onde a escrita nasce
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João Anzanello Carrascoza tem bibliografia extensa. O primeiro texto literário veio ao mundo quando ele era um garoto de 16 anos. Depois disso, caminhou pela literatura infantil e, mais para a frente, pela adulta. Ganhou prêmios importantes, como o Jabuti e o Guimarães Rosa, mas nenhuma honraria fez com que se perdesse do menino que um dia foi.

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João nasceu no interior de São Paulo, em uma cidade chamada Cravinhos. É o terceiro filho de uma família de seis – a mãe, de origem italiana, e o pai, espanhol. Viu o cultivo do café ser substituído pelo de cana de açúcar e cresceu ouvindo as histórias contadas pelo pai e pelo avô: causos, contos do universo folclórico rural e acontecimentos de família.

Isso atiçou em João o olhar curioso e sensível para o mundo, e é por meio desse filtro que ele cria até hoje seus enredos. “Para ser escritor é preciso ser inquieto”, acredita João Carrascoza, que é publicitário e professor universitário. Entre seus livros estão a recém-lançada Trilogia do Adeus (Alfaguara), Diário das Coincidências (Alfaguara) e Aos 7 e aos 70 (Cosac Naify).

Entrevista com João Anzanello Carrascoza

Como a escrita aconteceu na sua vida?

Ela apareceu pela leitura. Numa cidade pequena nada acontece. E quando acontece é elevado à décima potência, como a colocação de um semáforo; um cavalo que ficou empacado na rua. A vida se faz no dia a dia, não no cotidiano que pode opilar a vista, mas naquele que abre para o extraordinário. Existem tantas coisas preciosas ao seu redor que, às vezes, você acha que não tem nada. Tudo é incomum, e no interior a gente via muito isso. Então a escrita, a literatura, aconteceu na minha vida primeiro pela leitura do mundo, depois pela oralidade, ao ouvir as histórias contadas.

Em seguida, quando aprendi a ler, vieram os livros. Minha mãe lia muito e por isso tínhamos muitos exemplares em casa. Eu olhava para aquela estante e pensava: “O que tem nesse negócio?”. Um dia, ela me respondeu que ali havia histórias, e fiquei interessado em conhecê-las. Li poemas, lendas, parlendas, fábulas e me encantava com tudo aquilo. E assim fui me tornando um leitor do mundo, da escuta do universo e da palavra.

Sendo leitor, à medida que lia e ouvia, queria também pôr algo a mais naquelas histórias. E contar para o outro é contar com aquilo que você tem dentro. Então você já conta diferente. Me encantava fazer isso. Eu não sabia, mas já estava escrevendo.

A escrita passa por um filtro individual?

Sim. Várias pessoas podem ler o mesmo fato, sentir de maneiras diversas e relatar de modos diferentes. Porque cada um tem a sua maneira de sentir, pode ser mais ou menos afetado por aquele fato. Isso tem a ver com a sensibilidade diante das coisas. Você faz a sua leitura do mundo e, à medida que você lê o mundo, está o escrevendo em si.

Depois de ouvir as histórias do meu pai, por exemplo, eu relatava aos amigos da escola de outro jeito. Com 12, comecei a escrever poesia, frequentava a biblioteca da cidade para ler poemas porque a escrita do sentimento me interessava. Não era só o factual. Com 16, sentia que podia também contar as minhas histórias e passei a escrever os primeiros contos, que eram contaminados com o olhar lírico da poesia.

Você compartilhava seus primeiros escritos?

Não. Mas logo depois comecei a mostrar para a minha professora de português, a Ruth. Ela me incentivou a escrever. Também compartilhava com minha tia Maria, que tinha a maior biblioteca da cidade. Era uma leitora voraz – quando faleceu, deixou os livros pra mim, num ato de generosidade.

Ela me emprestava livros e me incentivava a escrever. Com 17 anos, ganhei um prêmio de contos em um concurso de Bauru, uma cidade próxima a Cravinhos. Depois fui para São Paulo estudar publicidade, mas nunca deixei de escrever.

Por que publicidade, e não jornalismo ou letras?

Tem um porquê… Meu pai era vendedor de cereais. O agricultor tinha uma produção, como arroz, feijão, milho, e não sabia pra quem vender. Então meu pai ia até as pequenas fazendas e comprava essa produção para, em seguida, vender aos supermercados e armazéns do interior. Quando ele fazia esses negócios, eu e meu irmão mais velho, o Andre, íamos junto. Eu gostava de vê-lo conversar. Ele era um homem muito talentoso com a palavra. E o interessante é que, quando ele chegava para vender, primeiro perguntava sobre aquela pessoa, sobre a família dela, trocava vivências e histórias.

Era comum, por exemplo, ele se tornar amigo delas. Foi assim que nasceu em mim a vontade de trabalhar com algo que eu pudesse vender, mas que também contasse histórias. E, para mim, a publicidade representava isso: vender produtos por meio de histórias. Trabalhei em agências por muitos anos e, no paralelo, seguia escrevendo livros, sem pressa. A cada três, quatro anos, eu publicava uma obra. Mas, quando cheguei aos 47 (João está com 55 anos), decidi só escrever

O mergulho como escritor é recente?

Só como escritor, sim. Tenho me dedicado a isso de maneira mais intensa nos últimos oito anos, além de seguir trabalhando como professor universitário. Longe da publicidade, tenho mais tempo para errar e testar. Histórias mais longas precisam de tempo e de imersão.

De onde brota a inspiração para construir uma história?

Vem da vida. O mundo em que você vive te impacta, te afeta de diversas maneiras. Existe a sua jornada pessoal, que vai mudando, assim como seus textos também. Alguns temas persistem porque são da obsessão do artista, do ser que escreve aquilo, dos embates da vida. A cada instante em que vivemos, o mundo nos dá um lastro de experiência que, se você souber transfigurar, tem história para a vida inteira. Não tem por que inventar. Tá ali no mundo.

O texto nasce?

Isso é uma das coisas mais bonitas. Ele é gerado e nasce. Mas você precisa dar espaço para que ele nasça. Precisa de entrega.

Muita gente tem medo dessa entrega. Você já sentiu isso?

Se você escreve, está se expondo, porque escrever é também enfrentar as zonas obscuras do seu ser. Você tem que acessar a sua área de sombra, puxar tudo que está lá no fundo. E você não conhece tudo o que tem no fundo.
Tem gente que diz que escrever é soltar seus diabos; outros, que é se purificar deles. Para mim, quando você enfrenta temas muito fortes e pesados é como abrir uma porta e não saber o que haverá do outro lado.

E um escritor não pode ter medo de enfrentar isso. A literatura é a invocação da dor. Ela não é mais a dor, porque nunca vai ter a mesma potência que a dor sentida. Evocá-la é uma forma de superá-la e partilhar com o outro a sua condição humana.

O enredo de um livro, mesmo numa ficção, se mistura com a própria história?

Quando sento para escrever, coloco ali todos os dias da minha vida. Tudo o que a vida me deu tem que aparecer em cada palavra.

Quando eu leio e me emociono, vejo nisso um encontro. As pessoas podem mesmo se encontrar e se reconhecer na escrita?

Sim, eu acredito. A literatura é uma espécie de rede de afetos, formada pelas famílias literárias. Se você lê um autor e ele te toca é porque você entra em comunhão com aquele tipo de literatura. Existem outros autores e outros leitores que não entrarão por essa trilha. De certa forma, você está filiado àquele jeito de sentir. É como se você fosse daquela árvore. Isso é uma rede de afetos ou uma família literária da qual fazem parte escritores e leitores.

O que torna um apaixonado pela palavra em um escritor?

Acho que essa pergunta pode se aplicar à arte como um todo. Vale para um músico, um pintor, um escritor. Para ser um escritor é preciso ser inquieto. Você necessita trabalhar com a palavra, com algum elemento do universo do sensível para conseguir seguir. O cotidiano é tão bruto que ele precisa encontrar nesse outro mundo uma forma de união. Se relacionar tem que estar na sua raiz. Só assim ele consegue seguir vivendo

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