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O que aprendi com meus filhos na UTI
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João e Zeca ficaram 41 dias internados. Nesse tempo, a mãe deles entendeu o que é viver cada momento de maneira única e, principalmente, a se abrir para receber carinho e afeto

Sete meses de gestação de gêmeos e a bolsa estoura. Assim começa o meu primeiro contato com um lugar que eu só conhecia de longe, quando visitava as maternidades: uma UTI Neonatal. Era para lá que meus meninos, José Carlos  e João Miguel, deveriam ir logo que chegassem a esse mundo, e isso já já ia acontecer.

Nocentro cirúrgico, durante a cesárea, perguntei aos médicos se poderia vê-los quando nascessem e ouvi que isso dependeria de como estariam os sinais vitais dos bebês. Ouvi o primeiro choro às 9h52 e logo me mostraram meu filho, por frações de segundo, nas mãos da pediatra. Dois minutos depois escuto o choro mais forte, e também de longe pude olhar meu outro filho. Nas últimas semanas, eu já havia compreendido que, quando nascessem, precisariam de cuidados especiais. Mas acho que saber disso nunca significa estar preparada para não receber seus bebês no colo quando eles chegam a este mundo.

Descobri que estava grávida de gêmeos no início de 2016, sem ter nenhum histórico na família. Apaixonei- me pela ideia de uma gestação gemelar e li artigos, sites, depoimentos, livros, e também conversei com muitas mulheres abençoadas como eu que geraram dois bebês ao mesmo tempo. Tudo estava indo muito bem; bebês saudáveis e crescendo além do esperado. Fizemos nosso chá de fraldas e com 28 semanas e quatro dias veio o primeiro susto: contrações fortes e uma internação inesperada para segurar os dois meninos, que pareciam querer vir ao mundo antes da hora.

Viva de novo

Tive alta sob a condição de que eu deveria ficar em repouso absoluto. Isso foi um choque para mim. Sempre fui bastante independente e de repente eu estava em uma cama da qual não podia levantar para nada. E nossa pequena Sofia, uma garotinha de 4 anos, precisando de cuidados. Ela levava uma mesinha para o meu quarto e assim podíamos fazer as refeições juntas, eu na cama e ela ali pertinho. Nossa família e grandes amigas foram mobilizadas para me ajudar e garantir o funcionamento da casa. Apesar de ter sido uma situação difícil, eu senti que aquilo foi importante para unir todos nós. “Filha, obrigada por me deixar participar da sua vida assim, eu me sinto viva de novo”, me disse a minha mãe, que estava sempre comigo.

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Tudo caminhava bem, respeitando as recomendações médicas, até que precisei de uma nova internação. Desta vez não sentia as mesmas dores de antes, mas a situação era mais delicada. Ao todo, foram 11 dias desde a primeira contração até o rompimento da bolsa.

Você sempre idealiza como serão seus filhos. Mas, quando passei mal, tinha medo de imaginar detalhes, como unhas ou cabelos. E, no momento em que o João e o Zeca nasceram, eu já fiquei feliz por tê-los visto, e também escutado o choro. Meus meninos vieram de 30 semanas com 1,590 quilo e 39,5 cm e 1,630 quilo e 39 cm. Parecia tão pouco peso, mas logo descobri que eles nasceram bem: vários outros que já tinham passado por ali haviam chegado ao mundo com pouco mais de 600 ou 900 gramas.

O toque

Não imaginava o que era vivenciar uma UTI Neonatal e como aquele corredor do hospital faria parte da minha vida – testemunhando esperança, medo, alegria, choro, pânico, conquistas e fé em um dia não precisar mais atravessá-lo e tocar a campainha daquela porta de vidro fumê. Uma sala fria,  porque o ar-condicionado precisa se manter ligado o tempo todo, e várias máquinas apitando e ligadas às incubadoras – onde pequenos seres lutam para viver.

Depois do parto, meu primeiro desafio foi ficar em pé nas visitas, pois eu havia passado 11 dias em absoluto repouso e minha pressão caía quando tentava me firmar de pé. Precisei de cadeiras de rodas e queria pegar os meninos, mas o máximo que podia fazer naquele início era colocar a minha mão pelas portinhas das duas incubadoras para tocá-los por 15 minutos cada um, três vezes por dia. Eram os minutos mais rápidos da minha vida. Dizia o quanto eu os amava, contava a eles que tinham uma irmãzinha, cantava bem baixinho, e eles sentiam. Eu e meu marido fazíamos cafuné – eles nasceram bem cabeludinhos. João e Zeca seguravam nossos dedos e com o nosso carinho eles se movimentavam. Pequenos movimentos que significavam tanto…

Berços vazios

Nos primeiros dias, voltar para casa era difícil, mas eu queria muito estar com a minha filha, que não me via andar havia muito tempo. Mas, com o passar do tempo, essas despedidas dos bebês foram ficando muito duras; meu desejo era levá-los trancados comigo. Tentava passar toda a força que eu tinha para os dois, mas, assim que cruzava a porta da UTI, eu desabava a chorar. Pedia para ter forças para mais um dia. Foi quando eu aprendi a viver o hoje, a apreciar o agora. Porque o que importava era sempre a situação deles naquele dia, naquele momento.

Outro desafio era entender tantos dados técnicos sobre saturação de oxigênio, pausa respiratória, soro parenteral, funil, acesso umbilical, acesso no pé ou na mão, e outros tantos termos que eu não conseguia decifrar. Aos poucos isso começou a fazer parte do nosso dia a dia, apesar de parecerem palavras desconexas em momentos em que nós só queríamos saber: “Eles melhoraram de ontem para hoje?”. As respostas eram por vezes tão técnicas que, quando ouvíamos um “estável” entre elas, ao menos entendíamos que eles não haviam tido uma piora.

Aquela imagem bonita da mãe amamentando os filhos foi substituída por uma bombinha elétrica, muita massagem, muita água, muita dor no começo, muita fé, muita determinação. Eu e as outras mães nos reuníamos em uma sala ao lado do lactário para podermos tirar leite. Eram momentos em que a força de uma ajudava a outra.

O melhor da vida é viver

A primeira vez que sentei ali soube que uma das mães havia dado a luz a gemelares e apenas um estava vivo. “A sua dor está em um nível avançado”, foi a única coisa que consegui verbalizar naquele momento. Passávamos horas juntas. Ouvíamos as histórias do passado, as da atualidade e compartilhávamos o sonho de não precisarmos mais tocar a campainha da UTI para deixar o nosso leite. Conseguíamos rir juntas da vida para tornar aquela peregrinação mais leve. E nos tornamos muito amigas. Temos grupo no WhatsApp, compartilhamos medos, avanços. E sábado passado a gente se encontrou. Foi aí que tive a chance de conhecer pessoalmente a mãe que me acostumei a chamar de meu anjo da guarda. Eu só pude me internar naquele hospital porque a última vaga havia sido liberada por essa mãe que teve alta com seus dois meninos.

Nos 41 dias de UTI, de repente as notícias, que eu lia diariamente, foram substituídas pelos boletins médicos. O Facebook deixou de existir. O WhatsApp era visto o dia que dava. A vida ganhou mais significado em todos os sentidos, porque aprendemos a observar detalhes jamais imaginados. Vimos nossos filhos começarem a respirar sozinhos, perderem peso quando o que mais queríamos era que ganhassem, e entendemos que cada um tem o seu tempo para tudo. Eles, que nasceram com dois minutos de diferença, nos mostraram que o melhor da vida é viver o hoje, e cada um irá amadurecer no seu ritmo. Pude pegá-los pela primeira vez quando completaram 12 dias. Meu marido só pode pegá-los com mais de 21 dias, que foi quando começaram a usar roupinhas de prematuros.

Esperanças de ficar tudo bem…

As minhas televisões passaram a ser os dois monitores onde acompanhava a saturação do oxigênio dos meninos e o batimento cardíaco. Eu tinha até um frio na barriga em pensar que em casa não teria esses equipamentos. Nunca imaginei que dois aparelhos poderiam me deixar ao mesmo tempo feliz e preocupada. Tivemos dia de um estar saturando 100% enquanto o outro fazia uma pausa respiratória e precisava de atendimento para lembrar de respirar.

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O Zeca escolheu o horário de visita, em dois dias seguidos, para fazer isso e me deixar com os olhos arregalados! E foram dois momentos em que eu estava sozinha, sem o Paulo, meu marido. O João também roubou a cena algumas vezes. Em uma delas, enquanto eu fazia com o Zeca o Mamãe Canguru (projeto do hospital em que a mãe fica de sutiã e o bebê, pelado, em contato com o corpo e o cheiro dela).

Naquele dia, que era o aniversário deles de 1 mês, eu tive a sensação de que o João não iria sobreviver. A equipe médica veio reanimá-lo, achei melhor sair dali, e me senti perdida, sem chão, nem teto. Eu não sabia se ele estava vivo. Lembro de esperar no carro com meu marido, chorando muito. Foi a pior sensação do mundo. Até que uma enfermeira nos encontrou e disse que estava tudo bem, que ele havia voltado para a incubadora. Depois de 48 horas, pude segurá-lo novamente.

Pessoas no caminho

Minha experiência, como de tantas outras mães de UTI, não serve para sentirem pena, nem para pensarem que somos coitadas. Apesar de não ser uma jornada fácil, vivenciamos dias de muita oração e recebemos muito amor. Tivemos dias tensos. Tivemos dias de muita alegria. Dias de alegria com um filho e muita preocupação com o outro. Fomos para casa rindo, mas também chorando. Celebramos as conquistas dos bebês que estavam junto com os meninos e ficamos apreensivos quando eles tinham intercorrências. Conhecemos pessoas incríveis. Dividimos a nossa vida com desconhecidos que, de repente, se tornaram as pessoas com quem eu mais convivia naqueles dias. Fizemos novos amigos que com certeza continuarão por toda a nossa existência.

É uma experiência que muda nosso jeito de ver o mundo, de tratar as pessoas e de processar tanta informação diariamente. Nunca imaginei ter filhos na UTI, mas aos poucos percebi como tudo tem um significado único para meu amadurecimento como mãe, mulher e ser humano.

Durante esses 41 dias, refleti muito sobre o mundo em que vivemos, no qual expomos a vida na rede social e não sabemos o nome dos nossos vizinhos. Compartilhamos a felicidade e deixamos trancadas as nossas frustrações, medos e tristezas. Meus filhos me ajudaram a compartilhar mais do que me privar. Quebrei paradigmas. Quando me dei conta a minha história já era conhecida na escola da minha filha, no meu prédio, na papelaria, no cabeleireiro, na farmácia, no posto de gasolina, na gráfica digital e na lanchonete natureba em frente ao parque.

História de todos

E eu, que sempre quis privacidade de tudo, percebi como era bom receber o carinho das pessoas. Eu, que sempre defendi que o melhor do Brasil são os brasileiros, percebi que estava fechada nos muros da minha alma e do meu condomínio. Aprendi que compartilhar problemas ajuda muito a amenizar a dor e nos proporciona momentos únicos quando recebemos afeto de onde nem esperamos.O trajeto diário para a maternidade, que era perto de casa, me fez refletir como era bom encontrar as pessoas no meu caminho. Se estava com pressa, elas entendiam e diziam: “Vai lá levar o seu amor para eles”. Quando tinha tempo, entre um momento e outro no hospital, escrevia boletins e mandava para as pessoas. E elas me escreviam de volta, às vezes me ligavam ou mandavam mensagens. Eu vi como é importante a gente compartilhar.

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Depois que Zeca e João nasceram tive a certeza de que a nossa história não pertencia apenas a nós, mas a todos que dedicaram alguns minutos do seu dia para rezar pela minha família, mandar uma mensagem carinhosa, enviar boas energias. Aprendi que a troca acontece se abrimos a porta da casa e da vida. Lógico que sempre guardarei segredos e manterei certa privacidade, mas as janelas ficarão abertas para a luz e o amor entrarem.

Renata Veneziani tem 36 anos e é mãe de Sofia Maria, 5 anos, José Carlos e João Miguel, 9 meses. Estudante de pedagogia, jornalista, otimista, sonhadora e que agora vive um dia por vez.

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