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O que fazer quando as expectativas são quebradas?
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Era uma manhã de domingo da minha infância, quando saí com meu pai e minha irmã com as expectativas de andar de bicicleta. Fomos a uma praça que ficava a alguns quarteirões de casa e, pela primeira vez, eu me sentia segura para andar sozinha, sem as rodinhas que ajudavam a sustentar a bicicleta e também sem a mão firme de meu pai segurando a garupa por todo o trajeto. E assim, nessa sensação de liberdade e independência, fui: sem medos, dando inúmeras voltas enquanto minha irmã ainda aprendia a pedalar. Mas, em um momento de descuido, perdi o equilíbrio, me embaracei nos pedais e caímos, a bicicleta e eu.

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Como em um flash, primeiro pensei em maneiras de me levantar dali, já que os ralados no joelho começavam a arder e eu não tinha força suficiente para sair. Depois, passado um período curto de impotência, quando meu pai chegou para ajudar, ainda me sentia acuada, mas logo estava de pé novamente.

Lembro que, na época, senti um misto de tristeza e decepção, pois tudo o que eu queria naquele dia era voltar sã, salva e vitoriosa para casa, além de inteira com minha bicicleta. Não me recordo quantas vezes mais pedalei ao ar livre depois daquele dia, mas hoje, entre um pensamento e outro, ainda me encontro com aquela sensação ansiosa de “deu tudo errado” e, subir de novo em uma bicicleta, só mesmo se forem aquelas ergométricas das academias.

Enxergar além da decepção

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Às vezes desejamos tanto que as coisas aconteçam de uma maneira que, quando elas saem do campo dos nossos  planos, nos sentimos mal, desapontados, raivosos com o mundo. E o pior: chateados com a gente mesma. Nessa dança de tombos reais e desacertos imaginários, adquirimos feridas mais profundas que os ralados dos meus joelhos e batemos de frente com o lado negativo das frustrações, nos perdendo dos aprendizados que também moram dentro delas.

Sim: a gente tem a chance de aprender até com aquelas coisas que se desenham diante de nós de uma forma inesperada e que, a princípio, nos causam tanta dor. “A frustração é um convite a mudar um pouquinho a rota. E ir testando novas possibilidades, novas oportunidades para se chegar de fato àquilo que se quer concluir”, me explicou a terapeuta Ana Paula Maciel.

No ano passado, ela foi convidada, de uma maneira não muito delicada, a mudar um pouquinho a sua direção. Ela me contou que, após um problema grave de saúde, que a prendeu por dias em um quarto de hospital, sua vida virou completamente de ponta-cabeça e, diante da frustração de também perder o emprego em um momento tão frágil, Ana Paula se viu de frente com a dúvida entre permanecer na inércia e se entregar à dor ou começar algo novo e se abrir para o aprendizado que a vida lhe apresentava.

“Eu percebi que aquela era uma chance que a vida me dava de enxergar além da decepção e recomeçar.”

Aceitar-se

Logo, ela iniciou uma jornada de autoconhecimento e buscas internas, que resultou no trabalho que realiza hoje: o de auxiliar outras pessoas a compreender suas emoções e anseios por meio da terapia e da meditação. A frustração e a impotência diante da perda do trabalho que exerceu por tantos anos serviram como um degrau que Ana subiu para chegar a um território que já a habitava. Bastava só um empurrãozinho para acessá-lo e entrar em um modo de maior realização pessoal e profissional.

Ela me disse que um dos principais pontos para evitarmos esses momentos de frustração é nos fazermos perguntas simples diante dos nossos planos, como: “o que eu quero é realmente isso?” ou “eu preciso mesmo disso em minha vida?”.

“Às vezes a gente se empenha tanto e cria uma expectativa tão grande diante de uma determinada situação que não presta atenção se é isso que faz pulsar o nosso coração.” Quando nos conhecemos e nos aceitamos como somos, entre todas as nossas limitações e imperfeições, temos uma maior probabilidade de responder a essas perguntas sem tanto medo ou dúvidas. E assim não lançamos expectativas em terrenos tão desconhecidos para nós.

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Jogo de acertos

Foto: Unsplash

Compreender que as coisas nem sempre vão sair daquela forma como idealizamos é uma das partes fundamentais nesse processo de acolher as nossas frustrações. Quando entendemos que não existe certo ou errado, mas sim maneiras diferentes de ver, sentir e encarar um caminho, automaticamente deixamos a ansiedade um pouco de lado e passamos a seguir com menos expectativas e mais ações. Em vez de resmungar e reclamar dos obstáculos e daquilo que não aconteceu como idealizamos, devemos nos lembrar de seguir adiante e apreciar com calma as dificuldades que se apresentam diante de nós.

“É importante também ter a consciência de que fez tudo o que podia para alcançar determinado objetivo. Isso ajuda a perceber que não há algo certo ou errado, e a não nos prendermos tanto aos resultados”, aconselha Ana.

Afinal de contas, temos sentimentos diversos dançando em nós o tempo todo, e por isso mesmo é tão importante estarmos atentos também aos nossos limites e parar um pouco de condenar tudo que sai da linha dos nossos planos.

Ser mais gentis com nós mesmos, cobrar menos pontos de excelência em nosso dia a dia e aceitar que as coisas precisam ter o seu tempo de amadurecer é também dar uma chance para nossos olhos enxergarem os acontecimentos por um prisma menos turvo, mais leve e que sempre esteve ali, ao lado das nossas expectativas.

E que provavelmente só não vimos antes porque, na maioria das vezes, estamos ocupados demais nos prendendo à ansiedade do que precisa acontecer e nos esquecemos de perceber o que já está acontecendo em nossa vida. Nos frustramos por aquilo que “perdemos” e deixamos de admirar a beleza da travessia em nosso momento presente.

Abra espaço para outras chances

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Quando fazemos esse exercício pequeno de enxergar diante de nós as imensas possibilidades de um mesmo caminho, tendemos a nos frustrar menos e a ver com mais clareza todas as oportunidades. “Eu vivi momentos de muita preocupação e ansiedade quando deixei meu país e vim procurar uma nova chance de vida no Brasil. Achava que as coisas não dariam certo e me frustrava quando elas realmente não davam, porque eu não abria espaço para as outras chances”, me contou Javier Daniel.

Enquanto organizava os poemas que escreve e distribui em praças de Belo Horizonte, ele me contou que há quatro anos chegou a terras brasileiras com a mãe e as duas irmãs, em busca de melhores condições de vida.

Na Venezuela, país de onde vieram, a crise levou-lhes o emprego, a casa e parte da esperança, mas ainda lhe deixou o amor pelo papel e pelas palavras. Quando chegaram aqui, foram se reconstruindo e hoje aprenderam mais sobre a força que mora dentro deles.

Perdemos tudo o que tínhamos e por muitos dias só lamentei o que nos aconteceu, sem pensar em lados bons. Um dia minha mãe acordou e disse: nós precisamos viver  o presente como se ele fosse mesmo um presente”, me contou Javier.

“E aí entendi que o que para mim parecia estar errado, parecia o fim, era mais um jeito de começar de novo, de uma forma também generosa.”

Pedras no caminho são ensinamentos

Às vezes a estrada vai mesmo ser mais tortuosa, com mais buracos e curvas do que quilômetros de constância. Mas o  importante é estarmos cientes de que, no fim das contas, quando nos empenhamos por um bem maior e ouvimos aquela voz interna que nos conduz pelos bons caminhos, a linha de chegada se torna só um detalhe que certamente vamos alcançar sem tantas lamentações e, claro, no tempo certo.

Todas essas pedras que atravessam o caminho da nossa realização e da construção da nossa vida se tornam ensinamentos preciosos, que vão nos fortalecendo durante toda a travessia e completando nossos espaços internos.

A meditação auxilia bastante a manter essa noção de equilíbrio entre os sentimentos”, pontuou Ana Paula. “Pausar, respirar, dar descanso aos pensamentos, tudo isso ajuda também a acalmar ansiedades e desligar a voz das expectativas.”

O lugar das emoções

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Ter em mente qual o papel de nossas emoções na condução dos nossos objetivos é também fundamental para nos  mantermos em equilíbrio. Assim como nossas expectativas, elas (as emoções) fazem parte de nós, do que sentimos e da materialização dos nossos desejos.

Eu entendi que, para conseguir mudar e continuar, eu precisava atingir a minha emoção”, pontuou a diretora da NeuroConecte, Adriana Foz. “Eu não poderia fazer qualquer mudança importante se não contasse com a força emocional que todos nós temos, que também é única e de extrema potência.”

Ela é psicopedagoga, neurocientista e autora do livro Frustração (Benvirá). Nele, Adriana nos conduz por um caminho de mais clareza sobre o que sentimos, apontando que uma das alternativas para lidarmos melhor com as nossas frustrações é compreendê-las e encontrar a capacidade de reconfigurar as nossas emoções.

Quando comecei a me exercitar, a fazer todas as terapias que são necessárias para a gente se reabilitar, chegou uma hora que vi que  parei, estacionei. Parecia que meu corpo e meu cérebro não avançavam e comecei a ficar muito deprimida”, me contou. Aos 32 anos, Adriana foi surpreendida por um Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico, o pior e mais grave tipo de AVC.

Após sair do hospital, ela precisou reaprender a falar, a se movimentar, a sentir e a viver de uma maneira completamente diferente. “Eu queria ser aquela antiga Adriana e não estava conseguindo entender que precisava ser uma nova antiga Adriana. Não dava para ser mais aquela de antes do AVC”, disse.

Essa reconfiguração que ela sugere consiste em treinarmos nossas competências emocionais, como a perseverança, a empatia, a intuição e a gentileza. “Batizei esse treino de Plasticidade Emocional. É como se pudéssemos aliar o entendimento das emoções a aprendizados que podem recuperar ou modificar o nosso desempenho.”

Faça planos

Todo esse caminho só nos conduz para uma região mais segura e verdadeira quando nos conhecemos e aceitamos o  que e como sentimos, sem julgamentos, durezas ou asperezas.

Estabelecer planos possíveis, fazer coisas que tenham propósito, que realmente tragam algum sentido para a vida e exercitar a compreensão certamente nos permitirão respirar de uma forma mais leve diante das turbulências e viver em mais harmonia.

“Envolver a emoção nas minhas atividades, no meu aprendizado, foi muito importante. E com certeza foi o diferencial para eu ter tido um salto qualitativo de reabilitação e do entendimento de tudo isso na minha vida”, completou.

Liberte as expectativas

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Ao aprendermos a lidar melhor com nossas emoções, vamos mais uma vez entender que as expectativas também precisam se acomodar em nós e nos libertar de nossos julgamentos. Esperar que as coisas aconteçam de uma determinada forma é algo inerente a nós, às nossas vivências, objetivos e metas. E isso, de forma alguma, deve ser eliminado da nossa vida.

O grande desafio é aceitar com amor que nem tudo vai sair como planejamos e que isso não quer dizer que devemos deixar de ter desejos, mas que podemos ser mais flexíveis com nós mesmos e dar o tempo  necessário para que as coisas aconteçam como devem ser. Aquela ideia de que devemos entrar para a faculdade logo após sair do ensino médio, ou de que já deveríamos ter nos casado aos 35, ou ainda aquela pressão que fazemos a nós mesmos para obter mais bens materiais do que realmente precisamos: todos esses pensamentos corriqueiros são um prato cheio para nos entregar à frustração.

Se respirarmos fundo em vez de lamentarmos pelo que não aconteceu, encontramos fôlego para olhar em volta e perceber como nos direcionamos exatamente para onde deveríamos estar, com todas as lições e aprendizados. É importante lembrar também que não é só se livrar da frustração e, pronto, os problemas estão resolvidos. Dentro de nós é essencial separar um espaço também para compreender que a frustração nos ensina a sermos melhores. Tudo isso em um próximo capítulo da nossa vida.

Seguiremos. Sãos e salvos

Aprendemos com aquilo que possa parecer errado e frustrante para, lá na frente, nos lembrarmos dos tombos e agirmos com mais cautela, destreza e certeza. Uma vez distantes o suficiente das expectativas e mais próximos das  nossas emoções e do coração, nos levantaremos sãos e salvos de nossas quedas. Ainda que com os joelhos ralados e as mãos doloridas.

➥ Para saber mais sobre o tema: http://bit.ly/suaimperfeicao

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