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Da aceleração de São Paulo à calma de Bali
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“Morar em Bali?? Ah, até eu vou!”. Será mesmo?

Meu primeiro contato com Bali foi em 2016. Já estava no auge do meu cansaço físico, mental e emocional. Levava uma vida baseada em trabalho, trabalho, trabalho. Sustentada pelas crenças de que “trabalho é uma benção”, “trabalho se agradece”. Fale isso durante anos e anos para alguém com um ascendente forte em capricórnio e verá uma workaholic se desenvolver como em um passe de mágica!

Quando decidi que precisava de um tempo — senão eu iria pifar — pensei em fazer uma viagem para um lugar onde eu pudesse ficar imersa na natureza. Esse sempre foi o meu tipo de viagem.

Nunca me empolguei muito para visitar cidades como Nova York, São Francisco, Londres, Cidade do México… Turismo de prédios, igrejas e cidades nunca foi minha paixão.

Fale “férias” para mim e eu imediatamente me vejo em uma ilha, de biquíni, dentro do mar, vendo o pôr do sol e coqueiros infinitos.

Então para onde eu poderia ir?

Pensei em muitos lugares. Mas quando “Bali” surgiu na minha cabeça, não tive dúvidas! Era lá que eu iria passar meus esperados 30 dias de férias. Quando o piloto falou que iríamos pousar em Bali eu senti algo que nunca senti antes. Coração acelerado, mãos suando, frio na barriga.

Já fui para lugares muito lindos no Brasil e fora dele — mas nunca senti nada como aquilo. E Bali superou todas as minhas expectativas.

bali Crédito: Jarrad Horne | Unsplash

De volta a aceleração

Três anos depois daquela viagem mágica, daquelas férias inesquecíveis, lá estava eu de novo: exausta, cansada, desanimada e vivendo apenas de trabalhar, trabalhar e trabalhar.

Eu descobri que sou o tipo de pessoa que se fico longe do mar, começo a definhar. Não sou nem um pouco urbana, não gosto de cidade, prédios, carros, shopping. Não faço questão de cinema, de parque, de restaurantes, festas e baladas. Detesto televisão.

Mas por muito tempo acreditei que gostava disso. Talvez por falta de opção. O fim de semana chegava e eu não sabia o que fazer com ele.

Estava perdida e confusa

Decidi que, de novo, precisava de um tempo longe de tudo isso, imersa em alguma ilha por aí. E, claro, que eu só conseguia pensar em um lugar: Bali.

Entretanto, agora por mais tempo. Dessa vez, eu tiraria um período um pouco mais longo. Preparei-me financeiramente para isso por muitos meses e fui.

Senti exatamente a mesma sensação ao me aproximar da “Ilha dos Deuses”. E quando pisei em Bali, eu sabia que havia inventado para mim mesma que seriam apenas alguns meses, pois facilitaria as despedidas, os rompimentos, as explicações. Eu já sabia que não queria, nem iria voltar para a minha vida de São Paulo.

aceleração

Rotina simples e sem volta

Chegou o dia da minha volta. E a esta altura eu já estava estabelecida, trabalhando online normalmente, com a minha imensamente simples, mas muito feliz, rotina.

Até então parece um conto de fadas. Mas não é bem assim. Sabemos da parte boa e feliz: praias, vulcões, ilhas, surf, pôr do sol, campos de arroz maravilhosos. O povo sorridente, simples e generoso.

Diferencial humano

Eu amo os balineses. Ande um pouco na rua e receberá sorrisos, bom dia, boa tarde. As pessoas perguntarão se você precisa de carona, de ajuda, se está perdido. Sou apaixonada pelo hinduísmo balinês com todas as suas cerimônias e oferendas.

Mas não é desse lado de Bali que quero falar aqui, porque ele é óbvio demais.

A maioria das pessoas para na ideia “comer, rezar e amar” e pensa que morar em Bali é um sonho que qualquer um realizaria, se pudesse.

Mas morar é bem diferente. E é disso que quero falar.

Bali é longe. É muito longe. Estou há dias de distância das pessoas que mais amo no mundo. Imaginava inocentemente que iria a cada seis meses visitar o Brasil. E cá estou há dois anos sem pisar em um avião.

Logisticamente e financeiramente, não é tão simples assim. Parecia fácil nos meus planos. E é assim com a maioria das pessoas que conheço: anos e anos sem ver família e amigos.

Perdemos casamentos, batizados, nascimentos, gravidezes, celebrações, beijos, abraços, enterros. Perdemos os últimos momentos ao lado de pais, avós, amigos.

A outra face da calma

Estamos em uma ilha onde nós, que geralmente estamos na bolha privilegiada, somos os intrusos. Existe inclusive um “nome” pelo qual o turista é chamado em Bali. Não tem um tom pejorativo, mas pode ter dependendo da situação. Somos os “bule” (leia bú-lê).

Aqui é um dos poucos lugares do mundo onde quem foi colonizado recuperou seu poder e não abrirá mão dele novamente. Turistas que não respeitam os locais podem sofrer graves consequências (legais ou ilegais), sem muita proteção de autoridades (oficiais e não-oficiais).

Aceitar e respeitar

Aqui o local tem preferência em muita coisa. E, nós, que somos bule, temos que aceitar e respeitar. É interessante viver isso, pois não estamos acostumados. Aprendi muito nos últimos anos a desconstruir minha mente colonizadora, onde eu sou sempre a pessoa que detém o poder. Eu não percebia como isso estava tão enraizado na minha cultura.

Bali é uma ilha pobre, onde falta o básico para grande parte da população. Alimentação, saúde, saneamento básico, coleta de lixo. Bali, assim como outras ilhas da Indonésia, sofreu ao longo dos anos os efeitos do nutricídio dos países colonizadores.

calma Crédito: Jara Lenz

Resquícios da invasão

Dessa forma, tiveram sua sabedoria milenar de alimentação e medicina substituídas por uma enxurrada de alimentos artificiais, lotados de açúcar, óleos, frituras e plástico.

Infelizmente, a ilha vem sofrendo o efeito devastador da falta de manejo adequado do lixo. Na chamada rainy season, ou seja, meses de chuvas, as praias de Bali são cobertas por milhares de toneladas de lixo.

Perdi a conta de quantas vezes eu chorei ao me deparar com cenas chocantes, de quilômetros de areia cobertos por plástico. Cenas que eu só via em fotos. E tive que me deparar também com minha impotência de poder fazer muito pouco para ajudar o lugar que me acolheu e que chamo de “casa”.

Imersão em outras regras

Tem sido um constante aprendizado viver imersa em uma cultura totalmente diferente, transitando entre hindus e muçulmanos. Ouvindo e tentando aprender um idioma que não se assemelha a absolutamente nada do que conhecemos.

E, sobretudo, obedecer outros tipos de regras políticas, econômicas, religiosas. São inúmeros aprendizados que se desenrolam num dia comum.

Vamos aprendendo a lidar com a saudade, lidar com as diferenças, a ser um simples “bule”, a respeitar o que não entendemos. Inclusive, no sentido literal. Às vezes, não faço a menor idéia do que estão me falando. Sem dúvida minha maior saudade são as pessoas. Saber que elas estão tão longe faz um buraco dentro de mim. Mas, para mim, tem valido a pena. Estar em Bali faz eu me sentir viva todos os dias.


MARI POLETTO  é nutricionista, apaixonada pelo surfe, ama a natureza exuberante de Bali e, do Brasil, tem muitas saudades das pessoas.

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