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APRENDENDO A APRENDER – É possível uma  escola para todos?
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Para que a inclusão e o respeito à diversidade estejam presentes na escola, é preciso que ela realmente se dedique a ser um espaço aberto a todos, com um modelo e pessoas empenhados em respeitar as individualidades e, mais do que isso, dedicados a apostar nos potenciais de cada um. Talvez nós devamos fazer isso no nosso dia a dia também

Muitas vezes ouvi dos meus pais e avós frases como “a escola pública antigamente era melhor do que a particular”. Bem, não é difícil desmentir essa afirmação: há uma porção de textos que trazem dados para esclarecer o que está por trás dessa ideia de que houve um tempo de ouro da educação (um deles é este aqui: bit.ly/EducaçãoNaDitadura).

Mas nem são precisos esses dados para ter uma noção disso. No meu caso, basta olhar para a história de minha família. Quando minha mãe me falava sobre as qualidades da escola do passado, contava sobre a prova de admissão para o ginasial (nem todos podiam seguir para a etapa hoje equivalente do sexto ao nono ano). Mais do que isso, relembrava como teve dificuldades para passar e, depois de aprovada, acabou desistindo. Até eu entrar no Ensino Médio, ela possuía Ensino Fundamental incompleto.

A trajetória dela é exemplo do mais grave problema enfrentado pela educação no mundo – e nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Ainda hoje, parece impossível sonhar com uma escola construída para atender a todos, de fato.

Dizemos que a educação brasileira é ruim, mas dependendo de sua cor de pele, origem étnica, gênero ou orientação sexual, ou outras características físicas e mentais, talvez nem a uma educação de baixa qualidade você tenha acesso.

Dependendo da cor da
sua pele, origem étnica,
gênero, orientação sexual
ou outra característica
física e mental, talvez
nem educação de baixa
qualidade você tenha

QUEM FICA DE FORA?

Quando eu estava no Ensino Médio, Dona Sonia, minha mãe, decidiu retomar os estudos. As turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) concentram, hoje, quem foi excluído pelo sistema escolar. Desde aqueles que não se adaptaram ao modelo de ensino a LGBTs, migrantes e mulheres proibidas de frequentar a escola. Um dos maiores públicos da EJA é o das pessoas com deficiência. Aliás, pelo menos durante a primeira metade do século 20, esse grupo foi totalmente excluído.

Como regra, eram mantidas em casa, o mais escondidas possível. Em muitos lugares, ainda é assim. Já ouvi relatos assustadores de crianças mantidas em cativeiro, sem registro de nascimento, em condições sub-humanas, por terem alguma deficiência.

aprender

E há outras formas de exclusão que atuaram e ainda atuam sobre diferentes grupos: garotas levadas ao casamento e às tarefas domésticas e moradores de zonas rurais foram excluídos porque não parecia haver valor na educação formal para eles (como meus avôs, nascidos em fazendas e no sertão). Negros compunham grande parte dessa população e também de outros segmentos mais pobres que precisavam priorizar o trabalho.

A violência contra LGBTs e o racismo são problemas da sociedade que também levam à evasão. Por fim, todos que não se encaixavam no modelo bancário de educação (como minha mãe), em que o conteúdo era despejado de forma indiferenciada sobre os alunos, que acabavam reprovando, perdendo o interesse e escapando da escola.

O QUE SIGNIFICA A INCLUSÃO

Pense na seguinte situação: uma pessoa, que se locomove com a cadeira de rodas, precisa ir a algum lugar no segundo andar de um prédio.

Ao chegar lá, descobre que o único acesso ao local é por escadas. Essa situação, tão comum, mostra como a sociedade não leva em conta as diferenças e como há barreiras por todo o canto. Se houvesse elevador ou rampas, tudo estaria resolvido. A ideia de inclusão está justamente aí: é preciso retirar as barreiras que levam à exclusão, na escola e fora dela.

Primeiro, é preciso ter em mente a diferença entre igualdade e equidade. O primeiro estabelece que todos são iguais – faz sentido ao pensarmos, por exemplo, na aplicação da lei ou no valor do voto –, mas não leva as diferenças em consideração. Já a equidade é a defesa dessas diferenças e, mais do que isso, dá ideia de que é preciso considerá-las sempre. Nas políticas públicas e de empresas, isso se concretiza na criação de estratégias para compensar as desvantagens acumuladas, como políticas de diversidade e cotas.

Mas há outros elementos também importantes. Um deles é estabelecer uma cultura de altas expectativas. Isso significa que todos podem atingir conquistas gigantescas. Todos podem aprender e sonhar em ser médicos, engenheiros, astronautas da Nasa ou presidentes do Universo – se esse cargo um dia existir. O trabalho dos educadores é estimular essa confiança e apoiar, quando necessário, para que tudo isso se realize. Foi o grande ponto de mudança para minha mãe, que voltou aos estudos, concluiu o Ensino Médio e começou a procurar por um curso superior que a satisfizesse.

Todos podem sonhar
em ser médicos,
engenheiros,
astronautas. O trabalho
dos educadores é
estimular a confiança
para que isso se realize

Por fim, também é preciso que o olhar esteja sempre voltado às potencialidades de cada pessoa, e não às suas dificuldades. Um caso clássico são as reuniões de pais, que destacam as notas baixas e os comportamentos negativos, mas nunca valorizam o que é que as crianças fazem bem. Olhar para os pontos fortes pode dar pistas de como desenvolver outros aspectos. Para minha mãe, observar o que ela mais gostava – pode parecer enviesado, mas ela sempre foi a melhor mãe do mundo, carinhosa e paciente com as crianças – revelou um caminho na pedagogia.

Deixei o mais importante para o final. A questão é que todas essas ações só importam se tivermos a convicção de que precisamos construir uma sociedade que respeite a todos e garanta o direito de viver uma vida feliz, independente de origem cultural e social, de características físicas e psicológicas. Projetos como o Escola sem Partido se opõem a isso, assim como os gritos contra o ensino da igualdade de gênero e contra o respeito à diversidade.

Também são contrárias à inclusão a defesa de escolas especiais – que segregam pessoas com deficiência – e políticas econômicas que tiram recursos financeiros da educação.

Me emociona muito ver minha mãe em sala de aula na Educação Infantil:ouvindo, respeitando e estimulando todos os seus alunos a acreditar em seu potencial e construir sonhos para o futuro, mesmo em uma dura realidade do professor de escola pública (e que, olha só, acabou se tornando o sonho e a concretização da vida dela).

Este é o último texto desta série, mas espero que não seja o fim do seu interesse sobre o tema. Que você continue identificando situações que poderiam ser vividas mais plenamente quando a educação cumpre seu papel. E que transforme isso em uma causa para a sua vida.

Caso queira compartilhar suas reflexões comigo, pode escrever para [email protected]. Até mais!

criancas

A SÉRIE APRENDENDO A APRENDER é uma parceria entre a Vida Simples e a Camino Education. A proposta é apresentar novos olhares e caminhos sobre como buscar conhecimento para entendermos melhor a gente mesma, o mundo ao redor e aquilo que nos interessa, dentro ou fora dos espaços formais.

CAMINO EDUCATION tem seu trabalho focado nos valores humanos. Une experiências e perspectivas de educadores, administradores, empreendedores e acadêmicos para criar um ecossistema global em que estudantes, professores, escolas, famílias, comunidades e organizações podem unir forças, criar caminhos educacionais inovadores. www.caminoeducation.com

WELLINGTON SOARES é jornalista formado pela Universidade de São Paulo. Trabalhou por seis anos na produção de conteúdos para professores da Educação Básica. Atualmente, descobriu-se professor e dá aulas, mas segue escrevendo e ajudando organizações do terceiro setor a produzir conteúdos sobre Educação.

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