O tempo está passando rápido, né? Veja como se reconectar com o presente
Calma, respira! A passagem do tempo gera ansiedade e pode ser uma pancada perceber que, de fato, estamos mais perto de 2050 do que de 2000. No entanto, há caminhos para aliviar essa sensação e focar no aqui e no agora
As bruxas estão à solta e um espectro assustador ronda nossa imaginário: é sexta-feira 13! Nos filmes, o medo é por vezes abordado de forma bem explícita. Em outra ocasiões, o terror psicológico mexe com a cabeça e arrepia sem mostrar uma gota de sangue. Na infância, tudo é novidade, inclusive os medos: Fantasmas? Bicho-papão? Ver um filme de terror muito tarde já resultava em uma noite sem dormir. Falando nisso, quem nunca teve medo do escuro?
No entanto, vamos agora para a realidade da fase adulta da vida. E se eu te falar que o mês de junho de 2025 marca o ponto simbólico de que estamos mais próximos do ano 2050 do que do ano 2000? Qual sensação te dá? O tempo está passando rápido né? Você tem medo do futuro?
Calma, respira… Essa curiosidade não tem o objetivo de gerar ansiedade ou inquietação. A ideia é abordar como nos relacionamos e nos sentimos com a percepção e a passagem do tempo. O ano 2000 parece que foi ontem, enquanto colocamos 2050 em um lugar bem distante. Só que acabamos de ficar mais perto da metade do século do que do início dele.
Confesso que ao perceber essa questão dos anos fiquei aflito. Quando comentei essa curiosidade com colegas de Vida Simples, amigos e familiares, a reação de todos foi quase a mesma: incredulidade. No entanto, essa reportagem vem justamente para mostrar outros pontos sobre o tema e os caminhos para lidar com o tempo passando rápido demais.
(Foto: Unslash) Passagem do tempo assusta enquanto nossa percepção se transforma
Sensação de estagnação
Psicanalista e integrante do FLC-ABC (Fórum do Campo Lacaniano), Jessica Falchi Caçador afirma que o avanço do tempo é uma realidade incontestável. Ao darmos de cara com a passagem dele, o que mais frustra é a sensação de estagnação.
“Muitas vezes, a ansiedade vem acompanhada de paralisia e impotência, que se manifestam, por exemplo, na dificuldade de tomar decisões, fazer escolhas, propor mudanças no cotidiano ou romper com a rotina já estabelecida. Esse estado pode despertar ressentimentos em relação ao passado, assim como incertezas diante do medo do futuro”, diz.
“Ficar capturado na ideia do que pode acontecer — e geralmente imaginamos que o que acontecerá é sempre o pior — escancara para o sujeito um estado de impotência sob o qual não se pode agir. Essa é a conhecida paralisia causada pelo medo da certeza catastrófica.”
Sociedade acelerada e hiperconectada
E, claro, essa sensação do tempo passando rápido demais é percebida de uma forma diferente na atual sociedade acelerada e hiperconectada. “Isso está relacionado à velocidade com que os nossos desejos são atendidos. Antes, a relação de saciedade era dentro das possibilidades e da espera”, diz a psicanalista e presidente do Ipefem (Instituto de Pesquisas e Estudos do Feminino), Ana Tomazelli.
Já que é sexta-feira 13, vamos pegar como exemplo o acesso a filmes (de terror, claro). “Premonição 6: Laços de Sangue” acabou de ser lançado nos cinemas. Particularmente, tenho a lembrança de assistir ao primeiro filme da franquia, lançado em 2000, só depois de alugar o DVD em uma locadora.
Antes, assistir um filme exigia paciência, planejamento e, muitas vezes, sorte. A programação da televisão ditava os horários e os títulos disponíveis, o que obrigava o espectador a se adequar à grade semanal. Quem não se lembra daquela torcida para que o seu filme preferido fosse escolhido pela emissora e exibido em um horário acessível?
A locadora era outra alternativa, geralmente aos finais de semana. Ainda assim, não havia garantia de sucesso: era preciso torcer para que o filme desejado estivesse disponível. Depois de assistir – quase sempre mais de uma vez –, vinha o processo de devolvê-lo no prazo.
(Foto: Freepik) Sociedade acelerada e hiperconectada atinge nossa percepção de tempo
Hoje isso mudou. Temos acesso a quase tudo na palma da mão e na velocidade de um toque do polegar na tela do celular. Não há calma e espera. Não há respiro.
“Temos dois grandes fatores que são determinantes: recurso e acesso. Eles permitem que nossos desejos sejam atendidos quase que instantaneamente. Essa velocidade – como uma encomenda que chega no mesmo dia nas grandes cidades ou um carro por aplicativo disponível em minutos – nos dá a sensação de que tudo está ao nosso alcance o tempo todo”, explica Ana.
“Tudo o que não é imediato parece demorado. Até o carregamento de um site na internet, por exemplo, já nos incomoda se não for rápido. Essa percepção de que o tempo está passando cada vez mais rápido também está ligada a essa abundância de possibilidades de escolha.”
O combo perfeito
O sentimento de ver o tempo escorrer pelas mãos também ocorre por causa de uma sociedade baseada na lógica de produção e de uma vida sustentada no princípio do trabalho – que consome boa parte do nosso tempo. Somado à estética das redes sociais, temos o combo perfeito para a percepção de tempo se embaralhar e afetar nossa saúde mental, seja com ansiedade ou frustração.
“Além de trabalhar, também precisamos ter um bom relacionamento, construir uma família, fazer exercício físico, se alimentar bem, ler um livro, aprender um novo idioma. Além de toda essa pressão, vem as redes sociais com rotinas perfeitas que não são possíveis de alcançar. É ai que a ansiedade e o medo com o futuro e a frustração com o passado se apresentam”, afirma Ana.
A aceleração da sociedade e essa sensação de que o tempo está passando rápido demais nos desconecta do tempo real, que hoje já não cabe mais nos ponteiros de um relógio ou nos quadradinhos de um calendário.
“Não temos tempo de viver um luto, de amadurecer nas diversas esferas da vida, de dar significados para eventos e situações importantes, de se vincular ou se desvincular de valores, de forjar uma ética pessoal, de um término de relacionamento ou um divórcio… os exemplos são incontáveis de como essa aceleração nos afeta”, acrescenta Jessica.
Nessa mistura toda ainda tem outro ponto: a pandemia de Covid-19, que bagunçou ainda mais nossa percepção de tempo com o isolamento social e novas formas de se relacionar. Tudo ficou diferente, inclusive o barulho do relógio de casa – que para algumas pessoas virou também local de trabalho – e a relação de medo com o futuro diante de uma crise sanitária que matou mais de 700 mil pessoas no Brasil.
O aqui e o agora nos detalhes
Mas como se acalmar diante de tanta ansiedade e medo quando vemos o futuro se aproximar tão depressa? Como colocar a cabeça no aqui e no agora? No momento que a vida realmente ocorre. Enquanto você lê esse texto sem remoer algo do passado ou pensar no futuro que existe somente na sua cabeça. Não há uma resposta universal, mas sim alternativas.
Jessica afirma que para desenvolver uma melhor relação com o tempo é primordial que já “exista uma boa relação com os próprios afetos e a própria história”. Nesse ponto, a terapia é um caminho. Mas não o único. No dia a dia, temos outras opções.
“Meditar é ótimo, mas não funciona pra todo mundo – sentar para contar a respiração e observar o fluxo de pensamentos pode ser desesperador para muita gente. Por outro lado, muitas pessoas relatam encontrar um estado de presença meditativo com tarefas manuais e cotidianas, que favorecem a abstração e demandam presença, como cozinhar, costurar, organizar uma gaveta ou até mesmo um cômodo inteiro.”
Além disso, é necessário ter em mente que não temos o controle de tudo. Não controlamos os outros, o passado e muito menos o futuro. “A gente só precisa atravessar esse dia. É esse dia que importa, que vai criar a memória. É esse dia que, daqui anos, você vai lembrar. Então, qual é a qualidade que você coloca nesse dia?”, questiona Ana.
Querer fugir do presente definitivamente não é uma experiência individual. Quem nunca? Quando isso acontece temos a falsa noção de que a felicidade é um destino. Mas na verdade ela é o caminho. A estrada. De acordo com a psicanalista, entender isso também faz toda a diferença.
“Temos o costume de achar que vamos ser felizes somente quando o diploma chegar, quando o dinheiro chegar, quando aquela pessoa chegar. Mas não, a felicidade é da ordem do ordinário – que é sobre o presente e a rotina pequena. Como você acorda, como você expressa afeto, com quem você fala durante o dia, como você almoça. Dá pra ser tudo incrível o tempo todo? Não. Mas podemos criar uma vida que, por padrão, seja satisfatória – e não por exceção.”
No entanto, não é simples focar no presente, até porque não vivemos em um conto de fadas. O estado de presença está cercado de situações difíceis que demandam tempo e energia psíquica de elaboração e enfrentamento.
“Esperamos que o presente nos ofereça o que há de melhor e mais prazeroso, enquanto a vida nos escancara momentos que exigem maturidade de nossas ações e afetos. Não fugir é um exercício diário, difícil e que leva tempo. Talvez algumas pessoas se enganem justamente por acreditar que ‘estar no presente’ não exigirá delas criatividade para lidar a vida de forma diferente. Ser criativo para resolver problemas é desafiador, mas não impossível”, acrescenta Jessica.
Medo também ajuda
“Se não pode contra eles, junte-se a eles.” Esse ditado popular pode ser utilizado na nossa relação com o medo do futuro. No caminho da vida, o medo pode ser um atalho.
“O medo é o primo mais velho da ansiedade”, pontua Jessica. “Se ele se apresenta de forma excessiva, pode causar paralisia — a síndrome do pânico, por exemplo, é um medo que saiu do controle. No entanto, também é pela via do medo que podemos chegar ao planejamento”, completa.
“O medo é um mecanismo importante de sobrevivência, e através dele aprendemos nossos limites e onde e quando podemos agir. Por exemplo, o medo de envelhecer sem mobilidade pode levar uma pessoa a se planejar para ter uma vida menos sedentária e começar a se exercitar ainda quando jovem.”
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