Mudança de estilo também reflete transformações internas
Alteração na forma de se expressar visualmente pode indicar manifestação simbólica de etapas da vida e fases de autoconhecimento

Pegue uma foto antiga. Não precisa nem ser de um tempo muito distante. A primeira reação deve ser reparar nas diferenças físicas, mas não somente. Provavelmente houve mudança no estilo das roupas e o penteado está diferente. Um palpite: até as músicas da playlist talvez já não são mais as mesmas. Olhar para uma foto do passado pode resgatar, inclusive, as emoções vividas da época.
Tudo é fase. Em determinada época, optamos por roupas esportivas com cores um pouco mais chamativas. Em outras, um visual mais formal composto por tons terrosos parece combinar mais com o que queremos ver no espelho.
Expressão pessoal. Essa ideia vai muito além da moda. Na trajetória da vida, há mudança no estilo, mas também no gosto musical, nas atitudes e na forma de lidar com as próprias emoções. Estamos em constante mudança.
A psicanalista Ana Lisboa explica que o externo é sempre um reflexo, ainda que inconsciente, do que se move internamente. “Quando alguém muda seu estilo pessoal, geralmente é na tentativa de reorganizar ou simbolizar algo que se transformou ou está em movimento interno. O sujeito se comunica o tempo todo por meio de símbolos, e o estilo pessoal é um deles”, afirma.
Comunicação em silêncio
A mudança no estilo estético pode funcionar como um mecanismo inconsciente para comunicar desejos, medos ou necessidades. É como se o corpo sinalizasse, de diversas formas, uma transformação que a palavra ainda não conseguiu traduzir.
De acordo com a psicanalista, muitas vezes vestimos aquilo que gostaríamos de viver, mas ainda não conseguimos nomear. Ou, por outro lado, escondemos escolhas e angústias que não nos sentimos prontos para enfrentar. “O estilo é uma linguagem. E toda linguagem comunica, mesmo quando o discurso é o silêncio”, ressalta.
“Um corte de cabelo, uma mudança no guarda-roupa ou uma tatuagem inesperada não são apenas vaidade. São tentativas simbólicas de dizer: ‘eu não sou mais aquela pessoa’ ou ‘quero marcar esse recomeço’.”
Ana reforça que o corpo é o “palco onde a história psíquica se apresenta”. “A mudança de fase interna precisa de um rito de passagem externo. Sem isso, o inconsciente segue preso na narrativa antiga. Ao mudar a aparência, o sujeito autoriza o psiquismo a inaugurar um novo capítulo.”
Essas mudanças são diferentes das radicais da adolescência, quando ainda estamos no processo de elaborar nossa identidade em um contexto específico: tentar se diferenciar ou pertencer a algum grupo. O que também é legítimo, já que é uma fase da vida em que as emoções estão à flor da pele, o que reflete na mudança de estilo da roupa, no penteado, no gosto musical e em toda a expressão pessoal.
No entanto, a maturidade emocional nos mostra que se expressar é muito mais do que isso. “Deixamos de usar roupas ou aderir estilos para atender expectativas e passamos a escolher aquilo que nos representa de forma genuína. A apresentação externa se torna um exercício de coerência interna, e não mais uma performance para o outro”, afirma Ana.
“No começo da vida, quase tudo gira em torno da aprovação, seja dos pais, de um grupo ou da sociedade. Com o amadurecimento emocional, se tudo ocorrer bem, essa busca cede espaço ao desejo autêntico. A pessoa se permite escolher menos para agradar e mais para se reconhecer. É um deslocamento do olhar do outro para o olhar interno”, complementa.
Seu fone diz muito sobre você
Estilo e expressão pessoal passam por diversas camadas, inclusive a musical. Ritmos e letras que nos identificamos mostram muito do que somos. “A música atravessa o inconsciente de forma direta”, ressalta a psicanalista.
Veja as suas músicas mais escutadas dos últimos anos. Talvez os gêneros tenham mudado de um ano para o outro. Em outros casos, um estilo que te acompanhou a vida toda dá espaço para novos acordes: o que escutamos no fone de ouvido também reflete aquilo que sentimos internamente.
Transformações também podem ser manifestadas no estilo musical
“Quando uma pessoa se desconecta de estilos que a acompanhavam por anos e passa a se interessar por novas sonoridades, muitas vezes está buscando novos códigos afetivos para sustentar a fase emocional que vive. A troca de trilha sonora costuma ser a trilha de um novo roteiro interno.”
De volta ao passado
Revisitar estilos antigos pode parecer somente nostalgia. No entanto, essa volta ao passado pode ser uma ponte para dentro de nós mesmos. São marcas de fases vividas, de desejos manifestados e até de feridas que, na época, não foram nomoeadas. Esse olhar atento para os detalhes de quem fomos pode revelar padrões de comportamento, rupturas e até potências que ficaram adormecidas.
Ana afirma que, muitas vezes, esse tipo de resgate tem efeito terapêutico. Trazer de volta um estilo, uma música ou um símbolo pessoal não significa retroceder, mas integrar partes de si que foram deixadas de lado – talvez em nome da adaptação social, da sobrevivência emocional ou para corresponder a expectativas externas. “Quando esse reencontro acontece de forma consciente, há cura. Porque o sujeito deixa de negar capítulos importantes da própria história”, diz.
Nesse processo, o passado deixa de ser apenas lembrança e se torna ferramenta de autoconhecimento. Observar quem fomos com sensibilidade e sem julgamento é também uma forma de entender quem somos hoje e o que ainda desejamos ser. Até porque, daqui 10 anos, muito provavelmente você não vestirá o mesmo estilo de roupa, o corte de cabelo estará diferente e o fone de ouvido pode estar em outro tom.
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