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Pós-término: respeitar o próprio tempo é um gesto de autocuidado
(Foto: Iryna Marienko/Unsplash) É possível e saudável achar um meio termo de tempo depois de um término
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Acabou. Quando você menos espera, o seu relacionamento termina. Em alguns casos, os dois lados até já sabiam o que ia acontecer, só faltava mesmo o ponto final. Depois que um ciclo se encerra, vem aquele tempo pós-término cercado por uma tempestade de sentimentos internos e pressões externas. É como reaprender a viver sem a companhia da pessoa que passou os últimos tempos ao seu lado. O último Dia dos Namorados. As últimas férias. O último Natal. O último Réveillon…

Nesse ritual de recomeço, há quem pule para outro namoro num piscar de olhos. Por outro lado, algumas pessoas se fecham tanto no próprio casulo que não veem nem de perto a luz da possibilidade de um novo romance meses ou até anos depois do rompimento.

Aceite o seu próprio tempo

Apesar de parecer clichê na teoria, não é nada simples na prática: respeitar o próprio tempo pós-término é um gesto de autocuidado, resistência e autoconhecimento. O acolhimento da própria dor é necessário durante as fases do luto para que uma nova rotina e um possível novo relacionamento floresçam de forma saudável.

Psicanalista e professor da ABPC (Associação Brasileira de Psicanálise Clínica), Artur Costa afirma que a sociedade costuma valorizar a aparência de força e rapidez, como se sofrer fosse um sinal de fraqueza. No entanto, ele pontua que validar o próprio tempo de cura é um gesto de respeito consigo mesmo.

“Cada pessoa vive a dor de um término de maneira única, com tempos e ritmos diferentes. A pressão por superação imediata pode levar a um luto mal elaborado e a comportamentos compensatórios. A cura real exige tempo, escuta e acolhimento. Não pressa e comparação.”

“Entrar rapidamente em uma nova relação pode parecer uma saída, mas muitas vezes é apenas uma forma de evitar o contato com a dor. Quem não elabora o fim de um relacionamento corre o risco de repetir padrões, transferir feridas e projetar expectativas irreais”, acrescenta.

Do outro lado da gangorra, algumas pessoas entram em um período de introspecção, recolhimento e reflexão na tentativa de colocar o eixo de volta no lugar. Esse movimento é saudável, mas… sempre tem um porém, né?

O neuropsicólogo Damião Silva afirma que o retraimento prolongado pode “alimentar estados mais depressivos”, “dificultar a retomada de vínculos saudáveis e relações sociais” e reforçar a “crença negativa sobre a pessoa e os outros”.

“Tanto o movimento de isolamento contínuo quanto o de ‘pular’ rapidamente para outro relacionamento sem elaborar a dor e a perda podem cristalizar o sofrimento de forma ainda mais intensa. Os dois casos são prejudiciais”, diz.

Mas como achar um meio termo entre essas duas formas extremas de lidar com o fim de uma relação?

Como encontrar o equilíbrio?

Antes de tudo, é sempre bom relembrar: cada ser humano tem seu próprio tempo e subjetividade para entender, refletir e agir durante o pós-término.

Professora da pós-graduação em estudos da felicidade na FESP (Fundação de Estudos Sociais do Paraná), Juliana Carneiro afirma que validar o próprio tempo significa ter a capacidade de reconhecer os próprios sentimentos, em vez de negá-los.

Ela explica que essa habilidade está relacionada ao autoconhecimento. Para isso, é preciso diferenciar o que é interno, como sentimentos, pensamentos e emoções, do que é externo, principalmente as pressões da sociedade — incluindo de familiares e amigos.

“Na sociedade do desempenho, somos motivados a viver uma vida para fora e apresentar resultados rápidos. Não há tempo para o sentir, apenas para o agir. A rapidez que essa cultura exige é contrária ao tempo do sentir que conduz a interiorização e a subjetividade. É preciso entender que a alma tem seu tempo e esse tempo é determinado de dentro para fora.”

“O autoconhecimento e a autoaceitação são sempre os primeiros passos para a cura. Enquanto a pessoa estiver na negação da realidade, não será capaz de lidar com o que está diante dela. A dor, inclusive, pode ser uma oportunidade para o autoconhecimento. Nesses momentos, é possível reconhecer as próprias forças durante a elaboração do que passou e ficou para trás”, acrescenta.

(Foto: Freepik) Refletir sobre o que aconteceu ajuda a seguir novos caminhos

Reconstruir os caminhos

Sim, a saudade vai bater. É inevitável. Isso independente de como foi o rompimento ou dos motivos que levaram ao término. A raiva aparecerá em algum momento. O alívio também dará as caras para trazer paz. Além disso, o medo de ficar sozinho vai pairar sobre os pensamentos. Tudo isso é normal.

“Primeiro, vem o choque. Depois, a tristeza, seguida da raiva, da aceitação e, por fim, a reconstrução. Esses passos não seguem uma ordem fixa e podem se alternar. É importante saber que não existe fórmula”, afirma Costa.

Entender essas sensações e sentimentos ao relembrar e elaborar tudo que aconteceu em um relacionamento requer tempo. Esse período é necessário para reabrir novos caminhos — com ou sem receitas prontas.

“O autoconhecimento permite compreender por que uma relação doeu tanto e o que ela revelou sobre nossas necessidades, medos e desejos. A autoaceitação nos liberta da culpa e do julgamento, abrindo espaço para o recomeço”, acrescenta.

O psicanalista sinaliza uma direção: “Essas habilidades se desenvolvem quando trocamos a pergunta ‘por que isso aconteceu comigo?’ por ‘o que eu posso aprender com o que aconteceu?’. É no meio da dor que, muitas vezes, nascem os encontros mais profundos com quem realmente somos. Refletir sobre o que a relação nos ensinou e o que aceitamos além do que deveríamos são caminhos para a cura.”

Silva ressalta que é durante esses momentos de respeito ao próprio tempo que conseguimos, por exemplo, investigar o padrão de escolha e de permanência nos relacionamentos. Da mesma forma, conseguimos enxergar o que esperamos das próximas relações.

“Muitas pessoas seguem um padrão baseado na carência ou na manutenção de vínculos disfuncionais. Isso tem ligação direta com a nossa história de vida e com nossos padrões de apego, com os vínculos seguros ou inseguros que estabelecemos na infância e na adolescência”, diz o neuropsicólogo.

“Algumas cicatrizes ensinam mais do que o tempo que levamos para curá-las. Observe-as. Não tente apagar as cicatrizes.”

Seguir em frente

Para além de respeitar o próprio tempo pós-término, existem ações que podem auxiliar no processo. Escrita reflexiva e diálogo com pessoas confiáveis e amigos próximos estão entre elas. “Quando vivida com consciência, a dor se transforma, de fato, em oportunidade de amadurecimento e até de reorganização emocional”, pontua Silva.

Costa acrescenta: “Ler, escrever, conversar com quem nos ama e buscar experiências novas com significado abrem espaço para o recomeço. Seguir em frente não é esquecer, é compreender e continuar com mais consciência.”

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