Por que tantas famílias optam por ter apenas um filho?
Motivos emocionais, financeiros e estruturais explicam escolha cada vez mais comum, que também vem acompanhada de cobranças e idealizações

Durante muito tempo, ter dois ou mais filhos foi sinônimo de uma família “completa”. A imagem da mesa cheia, dos irmãos que crescem juntos, das responsabilidades compartilhadas, tudo isso ajudou a consolidar um ideal que, na prática, nem sempre se sustenta. Cada vez mais casais optam por ter um filho único, seja por escolha ou pelas circunstâncias. E, junto com essa decisão, surgem sentimentos que vão de dúvida até liberdade e afeto.
Por trás da configuração da família com filho único há muito mais do que uma simples opção reprodutiva. Há questões emocionais, financeiras, sociais e estruturais que pesam no dia a dia e, junto com elas, os sonhos, renúncias e desejos de criar vínculos reais, mesmo fora dos moldes tradicionais.
Por isso, vamos entender melhor por que essa decisão se tornou tão comum e como ela pode ser vivida de forma mais consciente, sem culpa e com acolhimento, tanto para quem decide quanto para quem nasce nesse contexto de ser filho único.
Filho único e a nova estrutura familiar
Para a psicoterapeuta e professora de psicologia da PUC-RJ, Sandra Salomão, as razões para optar por um filho único são múltiplas e legítimas. “Vem desde a história pessoal da pessoa, como ter vindo de uma família muito grande e se sentir apenas mais um número, até questões estruturais como a falta de rede de apoio, os divórcios precoces ou a disponibilidade emocional e financeira dos pais”, explica.
Ela aponta que a urbanização crescente do país e a dificuldade em contar com ajuda, seja familiar ou remunerada, tornam o cuidado com mais de uma criança um desafio real. “Às vezes as pessoas não têm uma rede de apoio paga. Outras vezes, não têm rede de apoio nenhuma.”
Embora muitos casais de fato escolham ter apenas um filho, em outros casos, a decisão é fruto de uma série de contingências da vida. “O filho único, às vezes, acontece porque os pais se separaram logo após o nascimento da criança ou porque passaram por perdas gestacionais ou não conseguiram ter outro filho por questões de saúde ou emocionais”, relata Sandra.
Ela reforça que mesmo nesses contextos, escolher não ampliar a família pode ser sinal de maturidade emocional. “Reconhecer os próprios limites e decidir cuidar bem de um filho só pode ser uma escolha muito sensata”. Ainda assim essa decisão pode gerar desconfortos internos. “É comum que os pais, principalmente aqueles que tiveram irmãos, passem por questionamentos.”
“Em alguns casos, a própria criança também expressa esse desejo: ‘Por que eu não tenho um outro?’, como perguntou meu sobrinho-neto certa vez”, conta a terapeuta. Além da pressão interna, existe também uma cobrança social persistente: “Tem sempre aquela pergunta: ‘Vai ficar só nesse?’.”
A idealização dos irmãos e os rótulos da infância
Um dos maiores estigmas relacionados ao filho único é o de que ele será mimado, solitário ou egoísta. Mas como destaca a psicoterapeuta, isso é mais um mito do que uma realidade. “Diziam que era bom ter irmãos para compartilhar experiências e ajudar os pais. O que não é verdade. Às vezes a pessoa tem vários irmãos e é justamente ela quem acaba sendo a cuidadora de todos. “Ter irmãos não é garantia de afeto, presença ou divisão justa das responsabilidades.”
A psicoterapeuta também observa que filhos únicos correm o risco de serem “superinvestidos”. Ou seja, recebem atenção, expectativas e projeções em excesso. “Superproteção não é cuidado. Fala mais do medo dos pais do que da real necessidade da criança. Tudo que existe em excesso, inclusive afeto ou presentes, não costuma fazer bem emocionalmente”, pontua.
Por isso, os pais precisam se atentar ao lugar que atribuem ao filho. “A criança já é única, não precisa ser colocada num lugar de ‘especial’. Isso pode gerar dificuldades de convivência mais tarde, quando ela precisar lidar com a frustração e com o fato de que o mundo não gira ao seu redor.”
Quando a pressão é dos pais sobre si mesmos
Se por um lado o filho único pode ser alvo de sobrecarga emocional, por outro, os pais também enfrentam uma espécie de autocobrança constante para oferecer tudo e do melhor possível. “Boa escola, cursos, tempo de qualidade. Tem que ver se esses pais não cometem o erro de formar uma família centrada no filho”.
A especialista explica que esse movimento, muitas vezes feito com a melhor das intenções, pode gerar exaustão e frustração. “Pais sobrecarregados e infelizes fazem mais com menos. Existe o risco de dar muito e depois cobrar como se não tivesse dado, mas emprestado.”
Para lidar com essa dinâmica de forma mais saudável, ela sugere que os pais cuidem também de si e da relação conjugal. “É aquela velha metáfora da máscara de oxigênio no avião: primeiro você precisa estar bem para cuidar do outro.”
Acolher a escolha dos pais e os sentimentos do filho único
Sandra observa que o sentimento de insuficiência diante da decisão de ter um só filho está menos relacionado ao desejo real e mais à idealização social do que seria uma “família completa”. “Os casais estão fazendo escolhas sensatas dentro das suas possibilidades. O que precisam é trabalhar emocionalmente para ficarem bem com essa escolha.”
Ela também ressalta que cada decisão carrega uma história. Às vezes, um dos parceiros não queria filhos e cedeu. Outras vezes, a escolha por parar no primeiro filho vem da necessidade de preservar a saúde mental ou manter o equilíbrio emocional da família. “Alguém que não se sente capaz nem de cuidar de si mesmo faz uma escolha muito lúcida ao decidir não ter mais filhos”, afirma.
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