Ghosting? Love bombing? O novo ‘dicionário amoroso’ das redes
Red flag, breadcrumbing... internet populariza expressões para situações dentro de um relacionamento. Vida Simples explica os significados e como elas podem causar impactos emocionais coletivos e individuais

Você já levou ghosting de alguém? Já percebeu uma red flag ou uma green flag logo no primeiro encontro? E o love bombing, já praticou ou foi alvo?
Em uma sociedade em que as redes sociais influenciam praticamente tudo — inclusive nossos relacionamentos — essas expressões se tornaram parte do vocabulário do dia a dia da internet. E cada uma delas carrega significados próprios e impactos emocionais.
Novos termos para o amor e seus traumas
Para começar: essas atitudes sempre existiram nos relacionamentos. No entanto, com as redes sociais cada vez mais dinâmicas e atentas, essas posturas ganharam o toque da internet para alertar sobre alguns comportamentos.
“A diferença é que agora a gente consegue nomear e falar sobre. Mas é preciso cuidado. Nomear sem aprofundar vira meme. Relação boa não precisa de viral nem roteiro de rede social. Precisa de verdade, respeito e gente disposta. E se não for assim, talvez seja hora de rever o que você está aceitando”, afirma a psicanalista Ana Lisboa.
Ela ressalta que é fundamental reconhecer de onde esses comportamentos surgem e quais efeitos causam. “A cura não vem só quando eu entendo o termo. Vem quando eu mudo a dinâmica.”
Com isso em mente, a Vida Simples montou o “dicionário” abaixo sobre esses novos termos que explicam certas atitudes dentro de uma relação em uma sociedade cada vez mais virtualizada e imediatista.
Ghosting
- O que é: quando alguém simplesmente desaparece sem dar explicações. Para de responder mensagens, ligações e “some do mapa”. Isso quando duas pessoas estão no processo de se conhecer ou então já iniciaram algo.
A psicóloga Larissa Fonseca explica que, geralmente, o ghosting representa uma fuga emocional de quem some. “Pessoas que fazem isso costumam ter baixa tolerância ao desconforto, dificuldade em lidar com frustrações ou simplesmente não querem assumir a responsabilidade de causar sofrimento no outro.”
E isso pode deixar marcas em quem simplesmente é deixado de lado sem explicações. “A pessoa que sofre tende a buscar explicações internas, como se tivesse feito algo errado. Isso intensifica sentimentos de rejeição e insegurança”, afirma Larissa.
- Como evitar: preste atenção na consistência da comunicação. Relações saudáveis não geram dúvidas constantes. O silêncio também comunica. Não insista;
- Lado positivo de reconhecer: perceber esse padrão ajuda a entender que o sumiço do outro diz mais sobre ele do que sobre você. A dor diminui quando paramos de buscar uma lógica ou explicação.
Love bombing
- O que é: quando uma pessoa exagera no carinho, atenção e promessas no início de um relacionamento. No entanto, não é genuíno. Muitas vezes esse comportamento é usado para para manipular ou controlar.
“Depois, a pessoa vira outra”, explica Ana Lisboa. “É uma forma de criar rapidamente uma dependência emocional. Você se sente no paraíso e depois no inferno. Desconfie de excesso precoce. Amor consistente precisa de tempo.”
Larissa acrescenta que o love bombing “traz uma sensação de conexão profunda e acelera vínculos frágeis”. “Quando a máscara cai, a pessoa se vê emocionalmente envolvida, confusa e, muitas vezes, culpada”, ressalta.
- Como evitar: pessoas demoram um certo tempo para se conhecer. Querer viver uma história intensa sem tempo para construí-la pode ser uma forma de controle. Quando estamos apaixonados, idealizamos o outro. Quando o outro está excessivamente presente com o afeto sem demonstrar nenhum descontentamento pode ser um sinal de alerta;
- Lado positivo de reconhecer: identificar esse padrão evita cair em ciclos de idealização e frustração profunda. Pois quando acaba a fase do love bombing, a pessoa perde o chão.
Gaslight
- O que é: quando alguém distorce fatos para fazer a outra pessoa duvidar da própria memória, percepção ou sanidade.
Ana Lisboa afirma que o gaslight é um “abuso psicológico silencioso”. “É utilizado manipular, desestabilizar e manter o controle. Na outra pessoa, causa confusão mental, baixa autoestima, ansiedade.”
- Como evitar: Valide suas próprias emoções, confie na sua intuição e se apoie em quem te reconhece enquanto pessoa. Não deixe de conversar com familiares e amigos quando desconfiar desse tipo de manipulação;
- Lado positivo de reconhecer: interrompe o ciclo de manipulação, fortalece a autoestima e a retomada do controle sobre as próprias emoções e decisões. Esse reconhecimento também permite estabelecer limites mais saudáveis nos relacionamentos e buscar apoio emocional com mais clareza e segurança na sua rede de apoio.
Red flags e green flags
- O que é: red flags são sinais de alerta em atitudes, hábitos ou comportamentos que podem indicar algum problema, como demonstrar incomodo com a roupa do parceiro. Por outro lado, green flags são indícios positivos que mostra que a pessoa é confiável, madura e respeitosa, como alguém que te ouve de verdade.
Larissa ressalta que o uso desses dois termos viralizou como forma de mapear comportamentos e ajudam na identificação precoce de padrões. No entanto, pode banalizar questões complexas por meio de generalizações.
“Tudo depende do contexto inserido. Nem toda ‘flag’ é definitiva. Algumas são reflexos de experiências anteriores que precisam de diálogo, não de rótulo.”
- Como evitar: treine o olhar, confie na própria intuição e observe padrões com calma e sem julgamentos precipitados. Conversas francas esclarecem atitudes que, à primeira vista, parecem red flags, mas que na verdade podem estar ligadas a inseguranças ou vivências passadas.
- Lado positivo de reconhecer: identificar sinais é uma ferramenta de autoconhecimento e proteção emocional. Afinal, saber o que tolerar em uma relação também é amor-próprio.
Breadcrumbing
- O que é: dar “migalhas” de atenção só para manter alguém interessado, sem intenção real de um relacionamento. Aquele famoso “oi, sumida(o)” que não leva para lugar nenhum.
Larissa ressalta que esse comportamento é de quem gosta de ter sensação de ter alguém “na mão”, mas não quer se comprometer. “A atenção que não acaba é tática para manter a pessoa perto. Gera ansiedade e falsa expectativa. A pessoa sente que ‘quase’ tem algo, o que prende ela ainda mais na dinâmica.”
- Como evitar: reconhecer o que são essas “migalhas” emocionais na dinâmica da relação. Os gestos devem evoluir para atitudes concretas;
- Lado positivo de reconhecer: entender esse padrão permite parar de romantizar atitudes mínimas. Valorize a constância, não o esporádico.
Benching
- O que é: esse comportamento é como colocar alguém no “banco de reservas”. Aquele contato mínimo enquanto foca em outras opções. Diferente do breadcrumbing, essa atitude ocorre também quando já existe algo entre as duas pessoas.
Ana Lisboa afirma que o alvo se sente um “plano B” e vive na dúvida. “Quem faz isso, geralmente tem medo de compromisso, mas também de ficar sozinho e não ter outra opção.”
Larissa acrescenta que a pessoa não quer perder contato, mas também não quer se envolver. “Normalmente, é usado para satisfazer um desejo individual de sentir que há alguém interessado. Na outra pessoa, causa frustração constante. A sensação é de estar sempre à espera, mas não ser prioridade.”
- Como evitar: preste atenção se o interesse é equilibrado. Se apenas você se esforça para manter contato, talvez esteja na reserva;
- Lado positivo de reconhecer: permite sair desse papel para buscar relações em que seja protagonista e não uma opção.
Hard launching e soft launching
- O que é: hard launching é postar o(a) parceiro(a) oficialmente nas redes sociais, sem mistério. Já o soft launching é publicar algo sutil — uma mão, um prato no restaurante, uma sombra — mas sem “assumir” a outra pessoa.
Larissa explica que expor um relacionamento nas redes sociais pode ser uma tática de conquista ou uma demonstração de que já não é mais uma opção. Ela também afirma que o soft launching costuma ser usado em fases iniciais ou por quem deseja privacidade.
“Pode gerar insegurança se há discrepância entre os parceiros quanto à exposição. Mas também pode ser proteção emocional legítima.”
- Como evitar: conversar sobre limites de exposição ou não. Mostrar o outro não deve ser uma obrigação — isso também depende do tempo e da maturidade da relação;
- Lado positivo de reconhecer: faz entender que nem todo relacionamento precisa ser exibido para ser real.
Precisamos de vínculos mais verdadeiros e de gente que tenha coragem de se responsabilizar
Cultura de vínculos frágeis
Em uma sociedade cada vez mais imediatista, virtualizada e emocionalmente negligente, os vínculos afetivos passaram a funcionar como stories de redes sociais: pessoas somem quando querem, voltam quando dá vontade e fingem que nada aconteceu.
“Todo comportamento é um movimento de pertencimento ou de exclusão e a conta emocional disso não fica no individual. Ela contamina o coletivo”, afirma a psicanalista Ana Lisboa.
“Ghosting, love bombing ou breadcrumbing não são só comportamentos ruins. São atitudes que perpetuam dinâmicas emocionais de exclusão, abandono e manipulação que já estavam presentes no sistema familiar ou social dessa pessoa. E quem aceita isso sem perceber, está repetindo padrões de infância ou de outras relações em que foi invisibilizado. E isso não é leve.”
O resultado? Relações cada vez mais frágeis com adultos inseguros e carentes, além de uma sociedade com mais ansiedade, solidão e pessoas desconectadas de si e do outro. Quando esses comportamentos se multiplicam em escala social, viram uma cultura de vínculos frágeis em um mundo adoecido emocionalmente.
“Precisamos de vínculos mais verdadeiros e de gente que tenha coragem de se responsabilizar pela própria presença ou ausência na vida do outro. De adultos emocionais que saibam se posicionar com respeito, dizer ‘sim’ de verdade e ‘não’ de verdade”, afirma a psicanalista.
“É sobre responsabilização, pertencimento saudável e coragem emocional. Relações não são descartáveis. E o mundo precisa urgentemente de pessoas que saibam sentir, sustentar e respeitar o espaço emocional do outro”, completa.
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