Férias escolares não precisam ser um ‘terror’ para os pais
Com criatividade, flexibilidade e menos culpa, é possível atravessar o mês de julho sem esgotamento e encontrar momentos de respiro

Quando pensamos em férias escolares, a imagem idealizada inclui sorrisos, tempo de qualidade e lembranças felizes em família. Na prática o mês de julho chega como um alerta vermelho para os país: filhos em casa o dia todo, rotina bagunçada e cobranças multiplicadas. A promessa de descanso se transforma em ansiedade e cai na questão de como conciliar trabalho, tarefas de casa e crianças cheias de energia e expectativa?
O desconforto com esse período escancara um retrato do nosso tempo: adultos sobrecarregados, crianças hiperestimuladas e uma cultura que exige produtividade até nos momentos de pausa.
A psicopedagoga Paula Berlinck observa que muitos pais sequer sabem como é ver seus filhos brincando. “A rotina é tão apertada que tudo acontece no automático. Quando as crianças estão em casa, elas relembram seus brinquedos, espalham tudo pelo lar e isso, para muitos pais, vira sinônimo de bagunça, quando é apenas infância em estado puro.”
Tédio também é educativo nas férias escolares
A psicóloga e hipnoterapeuta Yafit Laniado, criadora da Relacionamentoria, consultoria especializada em relacionamento entre pais e filhos, reforça que o que os pais sentem é rapidamente captado pelos filhos. “As crianças vêm equipadas com um decodificador de sentimentos dos pais. Se o adulto espera birra, cansaço ou tédio, é provável que a criança corresponda.”
Segundo ela, quando a mãe considera natural que o filho fique manhoso e emburrado ao voltar do parquinho, por exemplo, é bem provável que ele reaja exatamente assim. E quanto mais esse comportamento se repete, mais energia os pais precisam gastar para manter a rotina funcionando, o que transforma a convivência em uma sucessão desgastante de ordens não atendidas.
Por trás do incômodo com o tempo livre das crianças pode existir algo mais profundo, como a dificuldade dos próprios adultos em lidar com o ócio. “Ficamos na correria o tempo inteiro e, quando chega o fim de semana, sentimos que precisamos ‘fazer algo’ para o tempo não parecer perdido”, diz Yafit. E essa mesma lógica é aplicada aos filhos com a melhor das intenções, mas com resultados nem sempre saudáveis.
“Oferecer atividades sem parar evita que as crianças enfrentem o próprio tédio. Além disso, nosso cérebro precisa desses momentos para processar milhões de sinapses. É quando a mente está ‘em suspensão’ que surgem os insights e se potencializa a criatividade. É na infância que nos treinamos para situações que viveremos na idade adulta, e essa é a principal função da mãe em particular e da família em geral: nos preparar para a vida real.”
Menos culpa, mais verdade
A culpa parental costuma vir dessa comparação entre o que se faz e o que se acha que deveria ter feito. “A culpa é um sentimento ambivalente que pode nos levar ao aprimoramento pessoal quando bem gerenciada ou quando mal direcionada e no limite pode se tornar patológica e destrutiva. Portanto essa culpa — a de não proporcionar as férias escolares dos sonhos para nossos filhos — não deveria sequer ocupar nossos pensamentos e reflexões”, diz a psicóloga.
“Devemos nos perguntar: ‘Por que me sinto culpado por não oferecer uma programação intensa aos meus filhos?’ ou ‘Quem disse que essa é a nossa função?”, acrescenta.
A psicopedagoga também propõe outra alternativa: os pais terem mais honestidade com as crianças. “Explique que as férias são da escola, não de todo mundo. Dizer ‘eu preciso trabalhar’ não diminui o vínculo, pelo contrário. Quando elas entendem a realidade da família, aprendem também a lidar com a frustração de forma saudável”, explica Paula Berlinck.
Outro fator que intensifica a ansiedade dos pais é a comparação social, especialmente nas redes sociais. De acordo com Yafit, ela sempre existiu: antes, nos corredores do trabalho ou nas conversas de família. Hoje, entra sem cerimônia no nosso feed, recheada de fotos e vídeos de famílias aparentemente perfeitas em resorts ou viagens encantadas.
“O aumento da ansiedade diante das imagens das férias alheias depende do quanto me exponho a esses estímulos”, afirma. “Me sinto inferior porque alguém está na praia ou porque alguém faz um trabalho voluntário incrível? O que ativa esse sentimento diz mais sobre mim do que sobre o outro.”
Dê espaço para a brincadeira e crie rituais possíveis
Uma das sugestões práticas trazidas por Paula é aproveitar a liberdade das férias para testar novas formas de brincar em família dentro de casa mesmo. “As crianças podem montar uma cidade de brinquedo embaixo da mesa, construir uma cabana no canto da sala e deixá-la lá por dias. Isso fortalece a memória, a continuidade, a imaginação. E os pais não precisam intervir o tempo todo.”
Ela também destaca a importância de criar alguns rituais diferentes, sem que isso vire uma maratona. “Pode ter a quarta-feira da pizza, o piquenique na sala, o domingo da comida diferente. Essas pequenas quebras da rotina, decididas em conjunto, têm um impacto emocional imenso e ajudam a diminuir a cobrança interna.”
Para lidar com a ansiedade tanto das crianças quanto dos adultos uma ideia simples pode fazer toda a diferença: criar um calendário visual das férias.
“Não vale imprimir um ponto. O ideal é fazer junto, com canetinhas, desenhos, adesivos. Marcar quais serão os ‘dias especiais’”, diz Paula. “Pode ser um domingo de passeio, um dia diferente em casa. Isso ajuda a criança a entender o tempo e dá aos pais uma maneira mais organizada (e menos sobrecarregada) de participar.”
Ela ainda reforça que uma rotina leve, com blocos amplos de atividades, também pode fazer bem. “Horário do banho, da leitura, do eletrônico, do lanche. Não é rigidez, é contorno. Isso dá previsibilidade às crianças e reduz conflitos”. No fim, talvez a pergunta mais honesta a se fazer não seja “o que eu vou oferecer para o meu filho nessas férias escolares?”, mas sim “como posso estar com ele de verdade?”.
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