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Dá para entender os relacionamentos da Geração Z?
(Foto: Huyen Pham/Unsplash) A extensão do dicionário das relações tem a ver com o modo como essa geração se relaciona com a ideia de liberdade
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Neste artigo:

Independentes, desprendidos e conectados com o digital, os jovens da Geração Z (nascidos entre 1997 e 2010) introduzem uma nova visão de mundo sobre muitos aspectos que antes pareciam estáticos. Um deles, a forma de se relacionar no amor. 

Os rótulos estabelecidos por eles para cada tipo de relação são diversos e cheios de nuances. Isso porque uns nascem como brincadeiras na internet e entram para o vocabulário do dia a dia, alguns são só piadas usadas para construir ironias cheias de referências e outros aparecem de forma orgânica e ficam. Não dá para bater o martelo e nem generalizar sobre assuntos de uma geração em constante mudança.

‘Olhante’, conversante, ficante

Cada termo é um degrau da escada de hierarquia dos relações relacionamentos da Geração Z. Da mesma forma que antes as pessoas tinham uma paixonite, flertavam e depois entravam em um namoro, as fases do relacionamento dos jovens seguem o mesmo fluxo, só que com nomes diferentes.

Tudo começa com o “olhante”. Essa é uma pessoa que você se atrai pela aparência, pode ser o seu crush do ônibus, alguém que você sempre vê na faculdade ou um amigo de amigos que você nunca chegou a conversar. Aqui é um interesse de mão única e não se configura como uma relação.

Se a pessoa também tem interesse e alguém dá o primeiro passo, chegou a fase do “conversante”, momento de se conhecer, trocar ideias e mensagens, flertar e combinar um date. Mas ainda sem contato físico.

A fase do “ficante” acontece quando as pessoas estabelecem contato físico, como beijo ou sexo, principalmente quando ocorrem encontros regulares. Não é um compromisso declarado e nem um vínculo fechado. Às vezes, as pessoas têm mais de um ficante, conversante e olhante.

Há ainda um meme que descreve uma próxima fase: o “ficante premium” – ou plus, pro, max, gold, comfort, edição limitada. É uma brincadeira que entrou para o dicionário dos jovens nas redes sociais e significa que a relação de ficante se aprofundou em níveis emocionais, além da relação física.

Mas se um casal de “ficantes premium” está em uma relação fechada, isso não significa que eles estão em um namoro? Não necessariamente. Na verdade, esse é um dos problemas desses novos rótulos, eles não deixam muito claro o que são as relações e isentam as pessoas da responsabilidade afetiva.

“Para a Geração Z, nomear uma relação pode soar como aprisionar algo que ainda está em construção, é quase como assumir um compromisso, e isso pode ser visto como uma ameaça à autonomia. Mas por outro lado, a ausência de nome também pode gerar insegurança e confusão emocional. Fica tudo meio solto, sem referência”, aponta a terapeuta de casais Jamille Façanha. 

A extensão do dicionário das relações tem a ver com o modo como essa geração se relaciona com a ideia de liberdade. Além de evitar rótulos, também pode ser um reflexo do anseio de se entregar para relacionamentos, lidar com feridas emocionais e intimidade.

A sexóloga Thaina Mariz Costa acredita que também há outros fatores em jogo. “Devido ao contato com a geração anterior e seus inúmeros divórcios, eles acreditam que exista tipos diferentes de relacionamentos ideais para cada etapa da vida. Por exemplo: enquanto jovem adulto que deseja explorar a sexualidade, sem ter um compromisso sério, ele acredita que o melhor relacionamento é o de ficante”, diz.

Esses vínculos não são, necessariamente, coisas ruins. São orgânicos, experimentais e fluidos, assim como a Geração Z é em outras esferas da vida. Há múltiplas formas de se relacionar, afetivamente e sexualmente, priorizando seus desejos e experiências, sem buscar a estabilidade tradicional.

O digital nos relacionamentos da Geração Z

O mundo digital teve grande influência no desenho dos relacionamentos da Geração Z. Não só esses termos nasceram da internet mas também foram proporcionados por um ambiente que cria uma sensação de possibilidade, como em aplicativos de relacionamento, interações em redes sociais e facilidade em comunicação.

“A hiperconectividade criou a ilusão de que o próximo vínculo pode ser mais interessante do que o atual, dificultando o comprometimento com as imperfeições reais da convivência”, explica Jamille. 

E, ao mesmo tempo, que o digital promove conexão, ele também promove distância e segurança. Não é mais preciso sair de casa e levar um não na balada. E, se não tem mais interesse em alguém, é mais fácil cortar o contato. “A internet foi um marco na comunicação entre as pessoas, ao mesmo tempo que virou um meio de evitar contato com as mesmas”, destaca Thaina.

Essas relações foram chamadas de “amor líquido” pelo sociólogo Zygmunt Bauman. Ele explica que as relações se tornam mais frágeis, facilmente descartáveis, onde o medo da frustração é maior que o desejo da continuidade. “A internet, nesse contexto, se torna o palco onde vínculos se iniciam rapidamente, mas também se dissolvem com facilidade, muitas vezes sem espaço para elaborações emocionais mais profundas”, destaca Jamille sobre a teoria de Bauman.

Como estabelecer limites

Para quem tem dificuldade de lidar com a ambiguidade desses vínculos é importante estabelecer limites. Não é a mesma coisa que se fechar para os relacionamentos, mas fazer um exercício de autoconsciência e entender o que faz bem, o que confunde e o que você quer.

“Tem muita gente tentando parecer desapegada, descomplicada, disponível para tudo, mas por dentro, está insegura, confusa, com medo de se machucar. Colocar limites é, na verdade, uma forma de se colocar inteira. E isso pode ser o começo de algo muito mais verdadeiro”, diz a terapeuta.

O importante é ter um diálogo aberto, ser objetivo sobre o que espera do relacionamento, por uma questão de responsabilidade afetiva”, complementa Thaina. Esses limites são saudáveis e transpõem barreiras ao invés de construí-las.

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