Criado com dedicação e afeto, presente feito à mão surpreende
Produzir algo manualmente para uma pessoa querida é um gesto que vai além do material: ativa memórias afetivas, fortalece laços e comunica amor de forma genuína

O aniversário daquela pessoa especial está cada vez mais perto. Pode ser também Dia das Mães, dos Pais, dos Namorados ou Natal. É nesse momento que o questionamento logo vem: qual o presente perfeito para marcar uma data tão importante? O senso comum nos leva a pensar primeiramente em dar uma passadinha no shopping para comprar algo. Uma roupa, um acessório, um livro, um item de decoração… as opções até surgem na cabeça, mas nenhuma parece transmitir o afeto que pretende ser demonstrado.
No entanto, uma alternativa cheia de carinho pode surpreender: um presente feito à mão. Dedicar criatividade, atenção, esforço, tempo e paciência para colocar no objeto tudo que a relação representa. Esses itens, como álbuns de fotografias, pinturas, peças de cerâmica, caixas de memórias e bordados comunicam o quanto você investiu de si para além de apenas dinheiro.
Fortalecimento do vínculo afetivo
A psicóloga Ligia Ziegler afirma que presentes feitos à mão carregam uma carga emocional maior justamente porque refletem dedicação, cuidado e personalização. “Eles são únicos, exclusivos e mostram que a pessoa investiu seu próprio tempo e esforço para criar algo especialmente para o outro. Esse toque pessoal pode criar uma conexão mais profunda, o que torna o presente mais significativo do que algo comprado, que pode parecer impessoal ou genérico”, explica.
“O tempo e o esforço investidos retratam comprometimento e valorização da relação. Essa atitude transmite a mensagem de que a pessoa é importante o suficiente para merecer esse investimento. Isso pode fortalecer o vínculo afetivo porque gera sentimentos de reconhecimento, cuidado e reciprocidade, elementos que compõem relações saudáveis e duradouras.”
Esse gesto proporciona diversos sentimentos tanto para quem faz quanto para quem recebe o presente. E, claro, para a relação, independente de qual for. A psicologia aponta que a dedicação de tempo e esforço ativa o sistema de recompensa emocional no cérebro, que associa o gesto a sentimentos de amor, cuidado e pertencimento. Esse reconhecimento reforça a autoestima e a sensação de segurança emocional porque há um sentimento de apreciação de forma genuína.
Analista de sensoriamento remoto, Sheyla Barroso é ceramista amadora há dois anos. Ela conta que a partir do momento que mergulhou no mundo da arte da cerâmica percebeu que poderia presentear pessoas queridas com peças feitas com a própria mão: um toque especial e único.
“A ideia é dar algo que tenha algum significado para a pessoa a partir de uma história compartilhada ou um momento que passamos juntos. A pessoa sempre gosta muito, fica emocionada e coloca a peça em uso, como deve ser. Também já recebi presentes feitos à mão. Me senti muito querida e valiosa”, afirma.
“Acredito que dedicar tempo e intenção para produzir algo exclusivo acaba sendo mais valioso que um presente comprado, ainda que o dinheiro seja, no final das contas, também sobre o nosso tempo – a venda dele”, acrescenta.
A psicóloga Adriana Santiago explica que tempo e esforço são, de forma neurobiológica, “moedas afetivas”. “Quando alguém dedica horas para bordar, pintar ou montar um álbum aciona o circuito dopaminérgico de recompensa vincular. Isso é percebido pelo outro como prova concreta de amor e valorização.”
“Um presente artesanal é como uma mensagem explícita: ‘você importa tanto que eu quis criar algo só para você’. O cérebro interpreta isso como uma confirmação de valor e amor, o que libera ocitocina – hormônio da vinculação e do cuidado”, diz.
Presentes do tipo são um resgate do afeto como linguagem central dos vínculos humanos
Presente feito à mão marca uma relação
Um presente do tipo escreve um pouco da história entre duas pessoas. Em um momento qualquer do dia, você olha de relance o objeto e, inevitavelmente, lembra de quem te deu e do sentimento que a relação carrega. Esses itens te atingem de uma forma diferente de quando você observa um presente comprado – que de toda forma também tem carinho.
“Os presentes feitos à mão tocam o que a neurociência chama de memória episódica e emocional. Quando um gesto é carregado de simbolismo, intenção e afeto, ele é consolidado mais fortemente no hipocampo, e reaparece com nitidez mesmo anos depois. Presentes manuais se tornam gatilhos positivos, capazes de evocar estados afetivos calorosos mesmo em tempos difíceis. São âncoras emocionais de proteção e amor”, explica Adriana.
“Eles funcionam como marcadores relacionais, pequenos rituais de reforço do vínculo. Cada vez que se olha para aquele objeto, há uma reativação da memória afetiva associada à entrega: ‘ele me viu, ela me escutou, ele pensou em mim’. Isso fortalece o apego seguro e alimenta esquemas de vínculo saudável, atenção e confiabilidade, que são pilares de relações duradouras”, complementa.
É justamente esse um dos propósitos quando Sheyla dedica seu tempo e cuidado para criar uma peça de cerâmica. “O presente feito à mão tem essa exclusividade e, ainda que seja para agradar quem irá receber, também tem um pouco de mim ali, do meu gosto ou personalidade, às vezes até de forma inconsciente.”
Antídoto contra a superficialidade e o consumismo
Em uma atual sociedade marcada por consumismo, superficialidade e relações cada vez mais líquidas, gestos simples e intencionais resgatam um novo valor. Presentear com algo feito à mão vai na contramão da lógica que domina o mercado. É um resgate do afeto como linguagem central dos vínculos humanos. Um lembrete de que o que mais toca o outro não é o preço, mas o significado do gesto.
“Resgatar esse valor incentiva o consumo consciente e valoriza a qualidade, o significado e o afeto em vez da quantidade e ostentação. As relações ficam mais autênticas e profundas, baseadas no cuidado e na atenção. Combate a superficialidade que pode ser gerada pelo consumismo. Além disso, estimula a criatividade e a conexão emocional, fortalecendo a cultura do afeto nas relações”, ressalta Ligia.
Adriana complementa: “Podemos ensinar crianças, amigos, parceiros e a nós mesmos que o amor não está no custo, mas na entrega subjetiva. Propor atividades terapêuticas baseadas em criação manual, estimular trocas simbólicas em grupos, cultivar datas comemorativas com gestos significativos. Tudo isso nos reconecta com a linguagem do coração. E ela, sim, resiste ao tempo.”
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– ‘Coisificação’ esvazia o real sentido do bem-estar
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