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Leitura na infância: como o hábito de ler transforma crianças
(Foto: Vitaly Gariev/Unsplash) Para adquirir o gosto pela leitura, o processo de aprendizado deve ser prazeroso
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Antes mesmo de saber juntar as letras, a criança já pode mergulhar em mundos mágicos, descobrir sentimentos e viajar por histórias que despertam a imaginação. Ao transformar os livros em companheiros do dia a dia, pais e responsáveis plantam sementes que florescem em curiosidade, empatia e amor pelas palavras, fazendo da infância o primeiro capítulo de uma vida mais rica e consciente. Mas como despertar nelas esse gosto pela leitura?

A importância da leitura desde cedo

A leitura fornece um universo de oportunidades para adultos, jovens e crianças. É através dos livros que as pessoas aprendem coisas técnicas, conhecem histórias inspiradoras, vivenciam mundos fantásticos e encontram um momento de prazer. 

Por isso, fazer com que crianças gostem de ler vai muito além de formar leitores, mas também apresentar aos pequenos muitas vivências, aprendizados e questionamentos importantes para o cotidiano. A jornada de um adulto leitor começa no início da vida.

Renata Nakano, idealizadora e diretora geral do Clube de Leitura Quindim, que faz curadoria de livros infantis, afirma que “incentivar uma infância leitora vai muito além da alfabetização ou do sucesso escolar.

“Cada livro é um universo de possibilidades e vivências que se abre, que vão além de um repertório racional. Na leitura literária, é possível experimentar os mais variados sentimentos e perspectivas de mundo. É possível encontrar a contradição humana. Assim, mais do que respostas simples e rasas, aprendemos um pouco mais sobre a complexidade do mundo e sobre nós mesmos.”

Com a leitura, as crianças desenvolvem o pensamento crítico, autonomia do conhecimento, experimentam um lugar seguro para emoções — como medo, alegria, raiva e perda — através das histórias das personagens, aprendem a nomear sentimentos e desenvolvem empatia. Em relação à alfabetização, os livros são super importantes para os pequenos adquirirem vocabulário e associarem som à imagem.

Ao ler, é possível aprender coisas que não fazem parte do contexto que as pessoas vivenciam. Hoje, com a internet e o acesso rápido às informações, é comum não se aprofundar nesses conhecimentos escritos. Assim, a atenção das crianças migram para conteúdos audiovisuais e o desenvolvimento de habilidades auditivas e visuais.

“Às vezes, a informação mais importante está escrita. Escrita na caixa do alimento no supermercado, dizendo o que contém e se você pode ou não comer. Escrita na bula do remédio com os efeitos colaterais. Escrita no contrato que você vai assinar de trabalho ou de compra. Estamos em uma geração do assistir e ouvir para aprender, mas esquecemos que tem coisas fundamentais para a vida que são escritas”, explica a psicopedagoga Paula Berlinck.

Incentivar a leitura desde cedo — antes mesmo do início da alfabetização — auxilia em dois aspectos fundamentais: neurológico e afetivo. “Nos primeiros anos de vida, o cérebro está em plena formação de conexões. A leitura em voz alta para um bebê estimula áreas ligadas à linguagem, à memória e à lógica”, ressalta Renata.

Em relação à afetividade, ao ler um livro para uma criança os adultos reservam tempo e reproduzem gestos de carinho e cuidado. “A criança associa o livro a um momento de atenção plena, de carinho e segurança. Essa memória afetiva positiva transformará a leitura em um hábito prazeroso para toda a vida, e não em uma obrigação”, acrescenta.

Como despertar o gosto pela leitura

Ninguém nasce sabendo ler, é um processo que envolve muitas etapas e, para adquirir o gosto pela leitura, esse processo de aprendizado deve ser prazeroso. Nesse primeiro momento, os pais e responsáveis têm um papel fundamental por meio do exemplo, do ambiente, dos rituais e do lado afetivo da leitura.

Apresentando os livros

De cordo com Paula, o primeiro passo para apresentar a leitura para as crianças é ler livros para elas desde pequenas. “Claro, um livro pequenininho, com uma quantidade de imagens e de palavras reduzidas, mas mostrar para a criança desde sempre que livro é uma coisa, brinquedo é outra coisa”, diz a psicopedagoga. 

É importante não deixar os livros misturados com os brinquedos, em uma separação clara. Deixe-os acessíveis, em cestos no chão da sala, em uma prateleira baixa que a criança possa alcançar. Assim, dá para criar um ambiente leitor e ensinar que existe um uso específico e cuidados necessários com os livros.

A escolha do livro também deve ser feita com cuidado e pensando na faixa etária. Para crianças menores, é recomendado leituras com menos texto e mais imagens. Conforme elas crescem, aumente o número de palavras, sempre de olho se o vocabulário não é muito complicado para a compreensão da criança. 

“Há um ritmo de leitura que as crianças precisam assimilar. Se apresentarmos a elas, desde muito cedo, palavras e vocabulários que ainda não compreendem, a fluência dessa leitura será comprometida. A leitura é fluência, não apenas palavras isoladas”, destaca Paula.

Isso também se reflete na capacidade de concentração de cada idade. Para crianças menores e com menor tempo de concentração, é recomendável livros pequenos. Conforme crescem, a carga de leitura aumenta aos poucos.

A hora da leitura

Para a psicopedagoga, leitura é como uma academia. “Vamos pegar como exemplo a bicicleta e a musculação. No início, o ideal é começar devagar porque o corpo ainda não tem resistência. Conforme o hábito se consolida e acontece a repetição, você consegue puxar mais peso e pedalar por mais tempo com um fôlego melhor. Com a leitura é exatamente a mesma coisa, inclusive para as crianças pequenas.”

Por isso, os pais precisam ter certa insistência na construção do hábito de leitura. Isso não significa pressionar a criança, brigar por ela não conseguir manter a atenção ou continuar um livro que ela não gostou — os pequenos também têm esse direito. A insistência consiste em criar um momento da leitura dentro da rotina sem barulhos para dispersar. Também é importante valorizar e trazer diferentes gêneros textuais.

Estabelecer rituais ajudam a construir uma leitura mais leve. “Ler antes de dormir é uma forma de incluir o hábito no dia a dia que toda família já vivencia. Fortalece o vínculo e encerra o dia de forma prazerosa e afetuosa. Crie esse ou outros rituais de leitura que se encaixem na rotina da família”, diz Renata.

Depois disso, a forma como o adulto lê também faz muita diferença. Nesse sentido, há dois tipos que dão início ao desenvolvimento do gosto pela leitura: ler palavras e ler imagens.

“Em livros para crianças muito pequenas, as ilustrações complementam aquilo que está escrito. Por isso, é super importante não ler somente o texto, mas também ler as imagens”, acrescenta.

A partir dos quatro anos, os pequenos adoram a repetição e pedem a leitura da mesma história várias vezes. Apesar de ser cansativo para os adultos, essa repetição é essencial para a aquisição de vocabulário, para aprender a cadência da leitura e fazer inferências a partir do texto.

Outras dicas

Inserir as crianças em todos os momentos além da leitura também é importante para incentivar o gosto pelos livros. Levá-las em livrarias e bibliotecas pode ser um passeio descontraído para que elas tenham contato, leiam e escolham o livro que mais gostarem.

Durante a leitura, a criança também percebe se o adulto gosta do que está fazendo. “Por isso, fuja de livros que não o sensibilize também. A literatura infantil é repleta de livros para todas as idades”, afirma a diretora da Quindim.

“Você não precisa e nem deve ter todas as respostas. A literatura é feita de vazios para os leitores preencherem com suas percepções e repertórios.”

Depois de ler, converse com a criança sobre a história, pergunte o que ela achou e diga a sua opinião. Conecte o livro com a vida real e deixe-a compartilhar os pensamentos sobre as ilustrações e as personagens.

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