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Sua dor, sua missão
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O que te faltou é exatamente o que você veio doar

Quando eu era mais nova a inadequação era uma sensação tão frequente quanto angustiante. Me sentia inadequada em casa, me sentia inadequada fora de casa. Era alta demais para minha idade, tinha gostos peculiares, dançava minha própria dança, e isso tudo simplesmente não se encaixava. Eu não pertencia. A inadequação me levou a um isolamento forçado, passava horas do meu dia sozinha. Me refugiava na leitura, na música, observando a paisagem pelas janelas e as pessoas, que não me observavam, encantada pela vida que não me via.

Me tornei jornalista porque era natural meu desejo de reportar o que eu percebia; e anos depois terapeuta porque era natural meu impulso de ler e de sentir o outro. Minha dor se transformou em minha maior força-missão, e quando me coloquei a serviço da vida nunca mais me senti sozinha, nem inadequada: conquistei meu pertencimento.

Como terapeuta de abordagem psicanalítica e na vertente da Constelação Familiar, Leitura de Aura e Thetahealling atendo diariamente pessoas marcadas, cada uma a sua maneira, por dores específicas. Alguns isolados do amor da mãe, outros à margem da figura paterna, outros traumatizados pela falta de uma estrutura básica necessária para um desenvolvimento emocional e físico saudável. Cada um deles marcados, como um selo, por uma dor e necessidade específicas: aceitação, respeito, proteção, afeto, direcionamento, justiça.

Esse selo da dor também é o selo de direcionamento: seu corpo sentiu uma falta especifica, o que te torna particularmente mais atento a essa dor no outro. Ora, se eu tivesse sido observada e encaixada, provavelmente não seria empática à necessidade de ser observado, ouvido e aceito que existe no indivíduo, não teria me tornado comunicadora, não teria me tornado terapeuta. O que me faltou se tornou o que eu vim doar.

Primeiro porque ao sentir essa lacuna em meu corpo precisei buscar ferramentas por mim mesma para saná-la. Aprendi a amar a literatura porque naquelas fantásticos livros mesmo o mais simples dos homens era descrito de forma tão detalhada e poética que aprendi o valor e a beleza que cada ser humano tem-cada homem é um livro, aprendi a me ver de uma forma poética. Com a música aprendi que é possível transformar qualquer emoção. Com a solidão aprendi a ouvir minhas emoções e entender os meus gatilhos de ansiedade e sofrimento.  Depois porque quando dói em nós, nos tornamos mais empáticos ao outros, e muito mais predispostos a ajudar. Quem já teve fome, não nega comida.

Cada um é uma peça nessa engrenagem chamada vida humana, e temos uma contribuição a dar. Costumo brincar com meus clientes que aquela grande dor e trauma que ele viveu era uma forma da sua alma te lembrar: olha, não te desvia, é esse ponto aqui que você precisa observar, é nessa vertente sua contribuição. É difícil muitas vezes aceitar que precisamos doar o que nos faltou, parece injusto.

Mas a única forma de recebermos de alguma maneira aquilo que o passado não pôde nos ofertar é essa. Depois que aceitei minha missão de ser uma observadora, de lembrar ao outro sua forca e sua beleza, como desejei ardentemente na infância que alguém fizesse por mim (me lembro de sair para fora de casa sempre quando aparecia a primeira estrela e pedir: quero que me amem e que eu seja bonita) sem estar mais esperando me senti amada, me senti bonita.

Uma vez em um grupo de Constelação Familiar perguntei a cada um dos presentes, estava vendo todos pela primeira vez: o que te faltou em sua vida?

Uma moça me respondeu: “-Estrutura, era um caos em nossa casa”. Eu brinquei: “aposto que você é engenheira”, era.

Uma outra me disse que faltou afeto materno, apostei que trabalhava com crianças. De fato, era pedagoga.

Um rapaz me disse que faltou cuidados, ficava sozinho em casa e negligenciado. Chutaria que era médico ou enfermeiro: “sou médico!”.

Uma menina, muito novinha, me disse que sua maior marca, seu maior selo, foi ter sofrido bullying sem poder se defender. “E então para o vestibular, direito?”. “-Sim, meu sonho!”. Como sei?

Bem, não sei, mas é o mais provável dos caminhos tendo em vista que nada na natureza se desperdiça, nem mesmo energia. Uma grande dor gera uma enorme massa de energética e de efeitos em cadeia, não me parece natural essa massa ter sido criada em vão, sem finalidade, sofrimento apenas pelo sofrimento. Sua dor é sua grande força, um selo que te marca e te lembra da sua missão aqui, uma forma de tornar seus sofrimentos úteis a alguém, um diferencial inclusive de mercado.

Uma nutricionista apaixonada pelo seu trabalho, e muito procurada por protocolos práticos e baratos me disse que seu objetivo profissional era ajudar as pessoas a saberem se alimentar, sem precisar de ninguém e sem precisar gastar muito. Sua mãe havia morrido ela era muito nova, ficou sozinha, com poucos recursos cuidando de si e de mais quatro irmãos, passaram fome e privações. Hoje não passa fome, hoje entrega afeto de mãe em forma de orientação nutricional, não se sente desamparada. E como sua terapeuta, ouvindo e observando sua beleza, contribuindo para seu processo de autoaceitação também não me sinto mais inadequada.


LARA FIRMINO ARAÚJO é jornalista e terapeuta

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