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O que você traz na bagagem
Anita Jankovic
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“De onde você é?” Todo mundo ouve essa pergunta vez ou outra, e a resposta correta é: o lugar onde nasceu. Será mesmo? Eu nasci em Campo Mourão, interior do Paraná, mas sequer conheço a cidade. Foi uma passagem rápida dos meus pais por ali. Só sei que o lugar tem “terra vermelha” e uma festa gastronômica que parece ótima, na qual um carneiro é assado à moda dos vaqueiros: numa vala funda, por horas, sobre brasas. É o famoso “carneiro no buraco”. Saber disso, contudo, não me faz sentir “mourãoense” ou mesmo paranaense. Embora tenha passado a infância em Curitiba, soa estranho responder que “sou do Paraná?. O meu local de nascimento me ajudou, contudo, numa vez em que fui entrevistar a atriz Sonia Braga. Ela é paranaense de Maringá e morou parte da infância em Campo Mourão. Quando comentei que éramos conterrâneas, foi como formar um par no jogo da memória, na primeira tentativa. Isso gerou uma empatia imediata entre nós e, de quebra, facilitou a entrevista. Até porque ela também não se sente paranaense.

“O lugar de onde somos é aquele que nos deu identidade”, disse Sonia. Gostei dessa solução. No caso dela, “cidadã do mundo”, falou que não tinha eleito um único lugar, mas um pouquinho de todos por onde morou ou andou ao longo da vida. Em outra ocasião, levei uma bronca, por e-mail, do escritor Ruy Castro, porque o identifiquei como mineiro da gema em uma reportagem. Ele de fato é mineiro, de Caratinga, mas depois de décadas no Rio de Janeiro, se sente carioca. Um pouco como eu, paulistana “da gema” desde os 17 anos.

Como diz a escritora belga Marguerite Yourcenar: “Nosso verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançamos pela primeira vez um olhar de inteligência sobre nós mesmos“. Percebo que esse local, para mim, de fato, é a cidade que marcou meu tempo de faculdade, de morar sozinha e virar gente grande. Isso depois de rodar por diversos lugares como cigana. Imagine que, da gelada infância em Curitiba, parti para uma encalorada Cuiabá, com temperaturas que beiravam os 40 graus, no Mato Grosso. Ali, aprendi a nadar em cachoeiras, pelos lados da Chapada dos Guimarães. Depois morei em mais duas cidades, o que me fez sentir, durante muito tempo, como uma árvore sem raízes.

De certa forma, gente cigana é como uma planta que muda de lugar o tempo todo e precisa se adaptar – em alguns terrenos ela murcha; em outros, floresce e dá frutos. Mas, sem dúvida alguma, ganha resistência.

Raiz forte

Para quem nasceu e viveu sempre na mesma cidade – muitas vezes no mesmo bairro, na mesma casa, na mesma rua – fica fácil identificar sua terra, o chamado terroir. Outros, mesmo distantes das origens, sentem que pertencem ao lugar onde nasceram e foram criados. Minha mãe é potiguar, de Natal (RN), e sempre que voltamos para sua cidade de origem, ela se emociona. Me recordo do avião aterrissando e ela dizendo: “Minha terra!”. Sinto até uma ponta de inveja disso. É bonito a pessoa ter raízes assim, profundas.

A estilista mineira Jaqueline Mendonça, há seis anos morando na capital paulista, conta que jamais deixou de se sentir parte do lugarejo de onde veio ao mundo: a pequena Dores do Indaiá, “ou Dores, para os íntimos”, cidadezinha de 14 mil habitantes no centro-oeste de Minas Gerais. “Me sinto mineira de alma, do interior, mas com ‘vontade de mundo’ e espírito cosmopolita, o que faz com que me considere paulistana em diversos aspectos”, analisa Jaqueline. Em São Paulo, a moça de cabelos ruivos e figurino moderno, frequentemente confundida com uma europeia, faz questão de não ter carro e ser andarilha pelas atrações culturais da cidade.

Quando viaja 700 quilômetros, saudosa, para visitar a família, desfruta das delícias do interior mineiro, na cidade movida à agricultura e pecuária, que parece parada no tempo. “Quem me vê na correria de São Paulo, em alguns minutos de conversa, percebe o que gosto de manter e levo como prêmio: minha raiz, meu interesse pelas coisas simples e o prazer de ouvir e contar histórias, como boa mineira. Poucos instantes são tão valiosos como estar em família, ao redor de uma mesa, falando bobagem, bebendo algo gostoso e preparando um típico almoço mineiro de domingo”, diz ela, com o sotaque que não nega, e volta bem mais carregado na bagagem. “O sotaque é meu patrimônio!”, orgulha-se ela.

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