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Filhos ou bonsais?
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Meu marido tem um jardim de cactos e suculentas. Ele parece ter uma espécie de identificação com a estética monstruosa dessas plantinhas. Mário ama dragões e todo tipo de animal que pareça, mesmo que remotamente, pertencer a uma fauna fantástica, assim como esses seres espinhosos e retorcidos. Aliás, ele costuma dizer que ?cria? suas plantas, seus monstrinhos verdes. Mantém-se curioso em relação a todo o reino vegetal, adora pesquisar suas classificações, e só há um tipo de planta que lhe produz mal-estar: o bonsai. Tem pena dessas árvores, que lhe parecem atrofiadas. Bem sei que os praticantes dessa arte de origem oriental consideram improcedente o sentimento daqueles que julgam que os bonsais seriam árvores torturadas para permanecerem tão minúsculas.

Plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro são as três ditas tarefas a realizar antes de morrer. Porém, discordo de que se possa arrolá-las como realizações possíveis, já que não acho que possam ser concluídas. Ter um filho nunca é um gesto acabado, é preciso criá-lo e ficar negociando com o jeito como ele se inventa. Podemos ser semente e terra, mas não passamos de ponto de partida. Escrever um livro é o começo de um vício. Cada obra já sai da editora como mais uma tentativa fracassada de dizer algo que nos escapa, daí a necessidade do próximo. As árvores, bom, crescem por conta e dependem muito do ambiente. Mas como seria escrever um livro e criar um filho ao modo bonsai?

Nossa necessidade de propor que um filho estude, faça esportes, realize tarefas enfadonhas e se esforce para aprender, reduz sua liberdade e o tempo de brincar. Educar lembra os suportes de arame que são também usados para que os galhos do bonsai se direcionem equilibrada e graciosamente. Para orientar um filho que possa crescer é preciso fazer algo diferente de uma poda que o atrofie, que o deixe como um frágil e dependente bonsai. Envolve suportar que seus galhos, no sentido de sua identidade, suas escolhas, seus dons e também suas humanas imperfeições, assumam formas imprevistas.

Ao crescer se empalidece os traços e intenções dos pais. Quem escreve um livro também sente que a autoria lhe escapa, tem-se pouco controle sobre o estilo, o tema escolhido, o tamanho que ele vai ter. Não é possível deixar que livros, filhos ou árvores plantadas cresçam selvagemente; eles precisam de cuidados e até de podas para florescer. Por outro lado, precisam tornar-se ?traidores? dos seus autores, sejam eles pais ou escritores. Eles se avolumam na arte de ter vida própria, seu destino os transcende. A criatura sempre escapa do criador.

Para controlar uma cria, só mesmo reduzindo-a a ser um bibelô, a imitação de uma árvore grande, de uma pessoa crescida, de uma obra-prima. Seres que se assemelham aos bonsais, filhos perfeitos em representar nossos ideais, não são viáveis para enfrentar os ventos e a chuva do mundo lá fora. Não passam de enfeites, troféus na estante familiar e, esses sim, me produzem tristeza.

DIANA CORSO é psicanalista e autora do livro Tomo Conta do Mundo – Conficções de uma Psicanalista.

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