
Eterno impermanente
- DATA: 01/06/2015
A mente opera acelerada, saltando entre visões e ideias diferentes que surgem com convicção mas que, mais adiante, perdem energia e desvanecem como rostos que enxergamos brevemente nas nuvens. Aqui e ali surge o orgulho, adiante a dor, depois inveja e ciúme, que flutuam em direção à raiva e ao rancor. As decisões duras logo atropelam as imagens boas. Os pensamentos sobre como manter as coisas práticas funcionando são substituídos pelo desânimo diante das tarefas infinitas e desarmonias inevitáveis. Então, desabamos na sensação de isolamento e carência. A dúvida retorna: e se for um engano e tudo puder seguir? O que faço com a casa, com os livros, com as fotos e com as lembranças dos bons tempos? Viver só daqui em diante? Hum? muito triste. Montar novamente uma relação em que, ao final, o que foi bom se transforma em dor e o que foi ruim se transforma em mais dor ainda? Como a lucidez, o amor, o carinho dão origem a nuvens de aflições que não se desfazem? A mente esvoaça culpando e julgando, fluindo para a impotência e o desânimo, para lentamente trazer as questões práticas. Respire com mais certeza. Desfaça a tensão do rosto. Relaxe. Assim, a energia flui novamente por dentro. Os sons do mundo voltam ao normal: o tic-tac do relógio, o tráfego, os pássaros. Buda nos lembraria que o sofrimento brota da fixação ao que é impermanente. O que ontem surgiu como causa de felicidade, hoje se apresenta como causa de sofrimento. As bolhas, não importa seu conteúdo, aparecem e se sustentam na luminosidade mágica do nosso olhar. Somos nós que as alimentamos. No céu imóvel as montanhas passam e as nuvens seguem. O espaço onde se sucede pensamentos e realidades incessantes e infindáveis continua. O que parece concreto vem e vai, a luminosidade do olhar sustenta os sonhos. A vida no mundo é um flutuar sem fim, de bolha em bolha, colhendo o tumulto da mente. Faz parte. Lucidez é interromper a transmigração e refugiar-se na realidade clara da mente e energia que não flutuam. O rosto se aclara. Não há perdas e nem culpados. Quando tudo se desfaz, o que se vai são as montanhas da solidez ilusória. Entender que tudo muda e aceitar essa verdade pode ser a chave para livrá-lo do sofrimento. O Buda diria: repouse na nobreza e serenidade da mente sábia que subjaz ao tumulto das bolhas e aparências – o céu além das montanhas e nuvens. Seus olhos vertem duas lágrimas, compaixão e amor.
PADMA SAMTEN é lama budista. Fundou e dirige o Centro de Estudos Budistas Bodisatva, em Viamão, RS.
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